Frei Betto, 80 anos

Frei Betto/ Foto: José Cruz/ Agência Brasil)
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JORGE FELIX*

O trabalho pacificador de Frei Betto

Em uma época que os programas de reality shows produzem influenciadores de todo tipo, redes digitais fabricam pseudopolíticos e as pessoas idolatram seres inventados por inteligência artificial, é indispensável lembrar de figuras humanísticas, sob pena de perdermos a conexão com nós mesmos. Frei Betto será aqui homenageado por seus 80 anos, recém completados. Só um fato de sua biografia já justificaria o tributo.

Você conhece alguém de qualquer nacionalidade que tenha mudado a Constituição de outro país?  Sempre faço essa pergunta quando o assunto é ele. E mais. Fez isso em nome da paz. É curioso que o Brasil não dignifique esse feito. Um ex-integrante da Aliança Libertadora Nacional, a mais famosa organização de luta armada contra a ditadura civil-militar brasileira, empenhou-se sempre em levar a paz a todos os povos.

Depois de publicar Fidel e a religião (1985), best-seller em 33 países, o escritor mineiro conseguiu dobrar o comandante da revolução cubana, o partido comunista cubano e cravar na Carta Magna revolucionária que Cuba seria, dali para a frente, um país laico.

Mais do que a liberdade de culto, Frei Betto garantiu ao povo cubano a paz em meio a tanta guerra religiosa e foi convidado por diversos países para convencer dirigentes socialistas que fé e política deveriam andar separadas em nome da harmonia. É uma falha da comissão de prêmios relevantes em nome da Paz, como o Nobel, nunca ter valorizado a sua obra pacifista.

Em seu livro Paraíso perdido, nos bastidores do socialismo, ele conta como foi árdua essa empreitada e como enfrentou resistências na Igreja para, simplesmente, pregar a paz. Garantir, não importa a ideologia política, a santa laicidade do Estado.

A outra nobreza das ações pacificadoras de Frei Betto é a sua doação pessoal, de energia, tempo e coragem, ao combate à fome, seguindo os princípios da Teologia da Libertação. Aí também há um trabalho pacificador. A violência nasce do estômago do animal faminto, inclusive o bicho homem.

Seu trabalho missionário de seis décadas, no primeiro governo Lula, como assessor especial para esse desígnio e sua atuação, até hoje, em diversos países, em nome da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), constitui um imensurável conjunto de ações pela paz e pelo desafio de vivermos juntos no planeta com mais igualdade e justiça social.

O trabalho pastoral de Frei Betto pacificador também deve ser comemorado. Muito ouvimos, de pessoas de diversos setores, classes sociais e idades, a frase: “Estar em companhia dele me traz um sentimento de paz”. Essa paz interior, a capacidade do religioso de impregnar o interlocutor ou a interlocutora com sua tranquilidade e ternura.

Essa irradiação de paz, ele consegue transmitir até mesmo em suas famosas Cartas da prisão. Esteve preso de 1969 a 1973, sem jamais deixar-se invadir por fúrias de vingança. Deixou o cárcere ainda mais pacifista. Uma paz tão poderosa que é capaz de atravessar a toda hora as fronteiras do Brasil e deixar que outras nações, sobretudo da América Latina e Caribe, continuem a se beneficiar de sua maior arma: a palavra. Seja a de Deus ou a dele mesmo.

*Jorge Felix é jornalista e professor na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A colonização da filosofiamar estacas 14/11/2024 Por ÉRICO ANDRADE: A filosofia que não reconhece o terreno onde pisa corrobora o alcance colonial dos seus conceitos
  • A massificação do audiovisualcinema central 11/11/2024 Por MICHEL GOULART DA SILVA: O cinema é uma arte que possui uma base industrial, cujo desenvolvimento de produção e distribuição associa-se à dinâmica econômica internacional e sua expansão por meio das relações capitalistas
  • O entretenimento como religiãomóveis antigos máquina de escrever televisão 18/11/2024 Por EUGÊNIO BUCCI: Quando fala a língua do rádio, da TV ou da Internet, uma agremiação mística se converte à cosmogonia barata do rádio, da televisão e da internet
  • Ainda estou aqui — habeas corpus de Rubens Paivacultura ainda estou aqui 2 12/11/2024 Por RICARDO EVANDRO S. MARTINS: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Os concursos na USPMúsica Arquitetura 17/11/2024 Por LINCOLN SECCO: A judicialização de concursos públicos de docentes na USP não é uma novidade, mas tende a crescer por uma série de razões que deveriam preocupar a comunidade universitária
  • A execução extrajudicial de Sílvio Almeidaqueima de livros 11/11/2024 Por MÁRIO MAESTRI: A denúncia foi patrocinada por uma ONG de raiz estadunidense, o que é paradoxal, devido à autoridade e status oficial e público da ministra da Igualdade Racial
  • A falácia das “metodologias ativas”sala de aula 23/10/2024 Por MÁRCIO ALESSANDRO DE OLIVEIRA: A pedagogia moderna, que é totalitária, não questiona nada, e trata com desdém e crueldade quem a questiona. Por isso mesmo deve ser combatida
  • O porto de Chancayporto de chankay 14/11/2024 Por ZHOU QING: Quanto maior o ritmo das relações econômicas e comerciais da China com a América Latina e quanto maior a escala dos projetos dessas relações, maiores as preocupações e a vigilância dos EUA
  • Ainda estou aquicultura ainda estou aqui 09/11/2024 Por ERIK CHICONELLI GOMES: Comentário sobre o filme dirigido por Walter Salles
  • Antonio Candido, anotações subliminaresantonio candido 16/11/2024 Por VINÍCIUS MADUREIRA MAIA: Comentários sobre os mais de setenta cadernos de notas feitos por Antonio Candido

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES