Por MARCOS HONORIO*
Do Rio Araguaia ao Mar Mediterrâneo, a Palestina será livre
Em abril de 1972, militares do Exército Brasileiro entraram na região do Araguaia após a descoberta de que se desenvolvia no território a preparação para uma guerra de guerrilha que intentava derrubar a ditadura empresarial-militar e deflagrar um movimento revolucionário que tomasse o poder. A repressão não podia definir o efetivo guerrilheiro, a sua localização precisa ou a extensão de sua influência entre os moradores locais.
A essa altura, os destacamentos guerrilheiros haviam se infiltrado por toda margem do Rio Araguaia. Dentre as cidades envolvidas na preparação guerrilheira, há uma que se avulta pelos paralelismos históricos possíveis e, atualmente, inevitáveis. A Palestina, município situado na margem esquerda do Rio Araguaia, era uma das localidades envolvidas no confronto entre comunistas e a reação que, ao final de 1974, lançara três campanhas militares para desmantelar a organização da resistência que lutava contra a ditadura e o capitalismo.
Existem apenas duas abordagens à disposição de quem resiste. A primeira consiste em uma “resistência passiva”, onde o oprimido simplesmente reafirma a sua existência – mesmo que parcial e restringida – diante do opressor, tentando fazer sobreviver seus costumes, suas tradições, seu território e todo conjunto de significações que constituem seu ideário coletivo, sem buscar a destruição do responsável pela sua situação de opressão.
A outra tática que se pode inscrever na luta contra as opressões é a da “resistência ativa”, onde o oprimido lança sobre o opressor a violência maturada na sua cólera, contra-atacando e ativamente esforçando-se para abolir a dominação. Os guerrilheiros do Araguaia escolheram a via da resistência ativa ao tentarem derrubar o regime fascista através das armas.
Desde o início da criminosa ocupação israelense na Palestina que fica às margens do Rio Jordão, o movimento de resistência árabe que surgiu se valeu de uma combinação de táticas para ora tentar impedir que Israel levasse a cabo a sua “solução final”, martirizando até o último palestino, ora tentar impor derrotas militares aos seus algozes em retaliação às brutalidades que sofriam.
Refiro à resistência palestina de forma difusa porque não compreendo a ação de resistir somente como a formação de grupos paramilitares que pretendam lutar pela via das armas contra Israel. A resistência passiva de uma mãe ou avó palestina que lega aos seus filhos ou netos a cultura de seu povo é também importante na luta contra a tentativa de limpeza étnica em curso em Gaza. É admissível que nós tenhamos alguma predileção no que diz respeito à tática eleita pelos palestinos na luta contra o sionismo – porém, não se deve dizer desprezíveis os meios que encontram o flagelado povo palestino para continuar existindo, sejam eles quais forem.
Entretanto, houve uma inflexão tática entre os grupos da resistência palestina a partir da Operação Dilúvio de al-Aqsa, deflagrada há um ano, quando o Hamas lançou uma série de ataques ao território israelense. Desde então, Israel vem colocando em prática um genocídio contra a população palestina comprimida em Gaza e na Cisjordânia, além de violar a soberania de outros países da região.
Durante a terceira campanha do Exército Brasileiro no Araguaia, os militares passaram a utilizar o terror como ferramenta de coerção. A sofrida população da região foi acossada pelos fascistas que chegaram à conclusão de que tudo era permitido para exterminar a guerrilha. Sobre as matas densas da região, aviões lançaram napalm na tentativa de atingir os guerrilheiros.
Nos estágios finais da incursão militar que aniquilou a guerrilha, Osvaldão, um dos mais destacados combatentes do Araguaia, a quem a população local atribuía a habilidade de se transformar em animais quando avistado pelas tropas do Exército, foi assassinado por um bate-pau recrutado pelos militares, pendurado em um helicóptero e exibido para a população como uma insígnia da derrota do movimento insurgente. Depois, o valente guerrilheiro foi decapitado por um sargento e o seu corpo foi deixado na mata. Osvaldão é um mártir em meio a tantos outros que lutaram no Araguaia.
A postura cínica de parte expressiva da esquerda brasileira diante do genocídio em curso em Gaza estremece quem quer que se solidarize com as lutas dos povos oprimidos ao redor do mundo. Em nome de um suposto pragmatismo (que camufla a atonia ideológica do campo progressista) é considerado admissível ter posições vacilantes acerca da questão palestina. Com o distanciamento que nos trará o tempo, será possível medir quão deletéria foi a reticência daqueles que se mantiveram calados diante do tema que eu elejo como o mais importante para o painel das lutas contra o colonialismo em nosso tempo.
Para além de torcer para que os palestinos adquiram a habilidade de transfigurarem-se em pássaros – da forma como Osvaldão era capaz – para se esquivar das bombas, que solução resta? São duas: jamais condenar a legítima resistência do povo palestino, que após décadas de tormento sem que se alcançasse solução pelos canais diplomáticos e do direito internacional, bravamente decidiu desafrontar seus carrascos, não se furtando do emprego da violência na tentativa de libertar-se e não deixar de propagar o que acontece em Gaza, tendo em vista que a cortina ideológica da burguesia impede que o genocídio palestino seja divulgado na sua completude.
Do Rio Araguaia ao Mar Mediterrâneo, a Palestina será livre.
*Marcos Honorio é estudante e ativista político.
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