Caio Prado Júnior na União Soviética

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Por LUIZ BERNARDO PERICÁS*

O livro de Caio Prado Júnior sobre a URSS é um híbrido, que mistura testemunhos com uma descrição mais ampla e direta dos aspectos sociais e econômicos daquele país

Desde o triunfo da Revolução de Outubro, em 1917, o interesse do público ocidental pela Rússia soviética cresceu constantemente ao longo dos anos, com leitores ávidos por mais informações e detalhes sobre as características e as particularidades do sistema político e econômico implantado pelos bolcheviques naquela parte do planeta. Clássicos como Dez dias que abalaram o mundo[i],de John Reed, Seis meses na Rússia vermelha[ii],de Louise Bryant, e Through the Russian Revolution [Através da Revolução Russa][iii],de Albert Rhys Williams são apenas alguns exemplos pioneiros desse tipo de bibliografia, que se espalhou por todos os continentes[iv]. O desejo de se inteirar sobre os desdobramentos do processo revolucionário e suas especificidades era, sem dúvida, imenso, assim como o de conhecer seus principais personagens, como Lênin, Trótski, Bukhárin, Zinoviev e, mais tarde, Stálin, entre outros. Por isso, não só correspondentes estadunidenses e europeus afluíram para a “pátria do socialismo”. Muitos latino-americanos também iriam para lá a partir dos anos 1920. Jornalistas, escritores e políticos veriam de perto a realidade da União Soviética (constituída em dezembro de 1922) e, depois de retornarem a seus respectivos países, escreveriam livros e artigos sobre o que haviam testemunhado in loco.

Os relatos são abundantes, contundentes e emblemáticos. Julio Antonio Mella, César Vallejo, José Penelón, Rodolfo Ghioldi, León Rudnitzky, Elías Castelnuovo e Alfredo Varela são alguns nomes que podem ser lembrados aqui.

Os brasileiros, por certo, não ficariam para trás. De militantes e dirigentes do Partido Comunista do Brasil (PCB), como Astrojildo Pereira, Heitor Ferreira Lima e Leôncio Basbaum, a artistas, intelectuais, técnicos e periodistas, entre os quais Maurício de Medeiros[v], Osório César[vi], Gondin da Fonseca[vii] e Claudio Edmundo[viii], foram vários os compatriotas que viajaram para a terra de Lênin e depois produziram narrativas sobre suas experiências (tanto ao longo dos anos 1930 como em decênios futuros). Isso para não falar dos conterrâneos que continuaram afluindo para a URSS (e as democracias populares da Europa oriental) nas décadas seguintes, de romancistas, contistas e editores, como Jorge Amado[ix], Graciliano Ramos[x], Nestor de Holanda[xi], Marques Rebelo[xii], Afonso Schmidt[xiii] e Ênio Silveira[xiv], a ativistas, sindicalistas e membros de comitivas e delegações oficiais (além, é claro, de autores que lançaram livros bastante críticos à “pátria do socialismo”, textos pejorativos, estereotipados e tendenciosos que também podiam ser encontrados no mercado editorial nacional). Títulos como Um brasileiro na União Soviética: impressões de viagem[xv],de José Campos;a obra coletiva Operários paulistas na União Soviética[xvi], dos metalúrgicos Constantino Stoiano, José Pedro Pinto e João Sanches, do tecelão Antônio Chamorro e do portuário Lázaro Moreira; Visão atual da Rússia: observações de um jornalista brasileiro[xvii], de Freitas Nobre; União Soviética: inferno ou paraíso?[xviii],de Rubens do Amaral; Juízes brasileiros atrás da cortina de ferro[xix],de Osny Duarte Pereira; Moscou, ida e volta[xx], do periodista Edmar Morél; Quatro semanas na União Soviética[xxi],de Jurema Yari Finamour; Moscou, Varsóvia, Berlim: o povo nas ruas[xxii],de José Guilherme Mendes; Viagem à União Soviética[xxiii],de Branca Fialho; Visões da Rússia e do mundo comunista[xxiv], de Silveira Bueno; Um engenheiro brasileiro na Rússia[xxv],de John R. Cotrim; A sombra do Kremlin[xxvi],de Orlando Loureiro; e URSS, a grande advertência[xxvii],de João Pinheiro Neto, são só alguns que podem ser citados aqui.

É nesse contexto mais amplo, portanto, que se devem incluir os dois livros de Caio Prado Júnior sobre aquele país. Em um momento em que os leitores buscavam fontes variadas sobre a URSS e, ao mesmo tempo, era possível encontrar uma série de publicações que atacavam duramente os direcionamentos de Moscou (de matérias em jornais a trabalhos literários carregados de preconceitos contra o “comunismo”), intelectuais progressistas muitas vezes se incumbiam de divulgar suas experiências de viagem e de falar sobre aquele país como forma de contrapor as investidas que este sofria por parte da imprensa e das autoridades da época. Caio Prado Júnior, portanto, seria mais um a cumprir o papel de divulgador daquela experiência que tanto admirava.

O jovem intelectual paulista, que pouco antes ingressara no PCB[xxviii], decidiu ir para a União Soviética[xxix] pela primeira vez em fevereiro de 1933 (no mesmo ano em que publicou Evolução política do Brasil)[xxx], com apenas 26 anos de idade, realizando sua viagem entre maio e junho, acompanhado da esposa Hermínia Ferreira Cerquinho da Silva Prado (mais conhecida como Baby). O casal entrou na URSS de trem pela fronteira polonesa e seguiu diretamente a Leningrado (atual São Petersburgo). Depois, eles visitariam Moscou, Kiev, Kharkov, Ialta, Kazan, Kislovodsk, Saratov, Rostov do Don, assim como outras localidades da Rússia, Ucrânia, Geórgia e do Cáucaso do Norte, acompanhados de guias e visitantes estrangeiros[xxxi]. Ainda que posteriormente, em seu livro, ele afirmasse que o percurso tivesse se prolongado por dois meses,[xxxii] a visita, em realidade, durou um pouco menos que isto, em torno de um mês e meio.[xxxiii] Vale ressaltar que as rotas, em geral, eram previamente preparadas pelos soviéticos (em 1933, a Intourist, a agência de viagens local, constituída em 1929, possuía 36 itinerários pelo país).[xxxiv]

Durante sua estadia, Caio viu manifestações de rua; conversou com trabalhadores (com a ajuda de intérpretes); esteve no Kremlin, no Palácio de Inverno, na Praça Sverdlov e no Parque Górki; visitou fazendas coletivas; navegou pelo Volga; presenciou um julgamento e uma cerimônia religiosa na Catedral de Santa Sofia; foi a museus (como o museu antirreligioso de Leningrado, instalado na antiga Catedral de Santo Isaac), a um clube ferroviário, a um profilactorium de prostitutas na capital, ao Palácio de Livadia (na Crimeia), à comuna Seattle, à usina de construção de máquinas agrícolas Selmachstroi, ao sovkhozVerblud e ao Grand Théâtre (Bolshoi), assim como a fábricas, livrarias e bibliotecas populares[xxxv]. Uma experiência, sem dúvida, muito rica, que renderia dezenas de fotografias, além de descrições daquela realidade em cartas a familiares,[xxxvi] apresentações públicas e um livro.

Ao retornar a São Paulo, o rapaz proferiria, em setembro de 1933, duas palestras lotadas no Clube dos Artistas Modernos (CAM), fundado em novembro do ano anterior na capital paulista por nomes como Antônio Gomide, Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho eCarlos Prado, entre outros. Vale lembrar que no salão da entidade cabiam em torno de 120 indivíduos, mas aparentemente 600 pessoas teriam ficado apinhadas do lado de fora, por não haver espaço suficiente nas instalações[xxxvii] (neste dia, estavam presentes no público Tarsila do Amaral, Osório César e Orestes Ristori, enquanto na segunda palestra, à qual supostamente compareceram quinhentas pessoas, prestigiaram o evento Flávio de Carvalho, Jaime Adour da Câmara, Mário Pedrosa, Hermínio Saccheta e Octávio Barbosa, entre outras personalidades conhecidas).[xxxviii] Sua conferência[xxxix] seria a base de seu livro URSS, um novo mundo,publicado em 1934.

Já em 9 de setembro de 1933, o diretor da Companhia Editora Nacional (empresa encabeçada por Octalles e Themistocles Marcondes Ferreira) escreveu para Caio dizendo se interessar na publicação de um livro contendo suas impressões sobre a Rússia e perguntando se ele estaria disposto a preparar tal relato. Também indagava quais seriam as condições do autor[xl]. No dia seguinte, o historiador responderia que já pensara naquilo, mas que não poderia adiantar nenhuma posição no momento. Ainda assim, teria “o maior prazer em oportunamente tratar do caso”[xli]. Pouco tempo depois, Caio concordaria em publicar a obra. A proposta era uma tiragem de 3 mil exemplares, que deveriam ser vendidos a Rs. 6$000, com o pagamento de Rs. 1:800$000 na data da publicação do livro[xlii]. O diretor, então, por nova missiva de 17 de janeiro de 1934, confirmaria ao interlocutor que faria uma edição com as características acordadas[xliii]. O livro terminou de ser escrito naquele mesmo mês, em janeiro, e foi lançado em março. Em abril seriam efetuados os primeiros depósitos referentes aos direitos autorais na conta do historiador[xliv].

A Companhia Editora Nacional fora fundada em 1925 por Octalles (seu diretor-geral), junto com o escritor Monteiro Lobato, que deixou a empresa em 1929, vendendo sua parte para o irmão de seu sócio, Themistocles, que atuaria como diretor-presidente da empresa até meados da década de 1960. O autor de Urupês,ainda assim, continuaria colaborando com o antigo colega, editando livros e preparando traduções (Octalles, em 1932, adquiriu a editora Civilização Brasileira, fundada alguns anos antes, a qual ele transferiu, mais tarde, para seu genro Ênio Silveira)[xlv]. Em 1933 (época em que Caio viajou à União Soviética), “entre os 1.192.000 exemplares produzidos naquele ano, 467 mil eram de títulos educacionais, 429,5 mil de livros infantis (entre eles, 90 mil eram de Lobato) e 107 mil de literatura popular”[xlvi]. O objetivo principal da editora, portanto, era levar ao mercado livros didáticos e de literatura para o público jovem, com tiragens significativas e a preços acessíveis para os leitores. Nesse sentido, seriam criadas coleções emblemáticas, como a Biblioteca Pedagógica Brasileira, a partir de 1931 (dirigida por Fernando de Azevedo), com diferentes séries, que incluíam livros de literatura infantil, obras de ensino popular, de “iniciação científica” e uma “brasiliana”, composta por trabalhos de intelectuais de diversas áreas do conhecimento que discutiam os problemas do país[xlvii]. A Companhia Editora Nacional, portanto, era uma empresa de renome, que sem dúvida poderia fazer chegar a muitos leitores a obra de Caio, ajudando, assim, a difundir suas impressões do país dos sovietes (por sinal, não se pode deixar de recordar, como aponta Edgard Carone, que a maioria esmagadora dos livros de autoria de Caio foi publicada com recursos próprios; neste caso, URSS, um novo mundo destoa do padrão, tendo sido o único de seu catálogo publicado por uma editora que não fosse de sua propriedade e que também não tivesse sido financiado por ele)[xlviii].

Foram alguns os motivos para Caio Prado Júnior se decidir a produzir aquele volume. Em primeiro lugar, ele andava recebendo solicitações constantes para novas palestras. Sabendo das limitações no número de pessoas que poderiam assistir aos eventos e não querendo se repetir constantemente, achou que um livro poderia resolver a questão, assim como ampliar significativamente sua audiência. Além disso, com frequência recebia cartas de admiradores que pediam para ele editar uma obra naquele sentido. E, finalmente, a proposta da CEN, um fato concreto que estimulava a preparação de um trabalho sobre seu trajeto pelo território soviético.

Aquele seria, em suas palavras, um “depoimento imparcial” sobre o que observara em sua estada na terra de Lênin. Lançado como o volume 3 da coleção Viagens (que já contava com América,de Monteiro Lobato, e Shanghai,de Nelson Tabajara de Oliveira), a obra (composta e impressa nas oficinas da empresa gráfica da Revista dos Tribunais,em São Paulo) recebeu várias recensões (na maioria, favoráveis) na imprensa. Resenhas do livro foram publicadas em revistas e jornais como A Tribuna, Correio da Manhã, A Bahia, Gazeta Popular, O Jornal, Folha da Noite, A Tarde, O Semeador, Fon-Fon e O Radical,escritas por nomes como Álvaro Augusto Lopes e Heitor Moniz (entre os críticos, porém, se destacaram Benjamin Lima, de O Paiz,e o trotskista Lívio Xavier)[xlix]. A procura pelo relato, portanto, foi grande, em especial entre jovens. Nele, o autor discorreu sobre a organização política, a economia, o setor industrial, a agricultura, a coletivização, o comércio, a família, o papel da mulher, a religião, a educação, a cultura, as relações sociais, as instituições e outras características singulares daquela experiência histórica ainda pouco conhecida dos leitores brasileiros de sua época.

Escrito em estilo sóbrio e, em grande medida, objetivo, o texto, não obstante, mostra uma posição bastante favorável à União Soviética, descrita por ele como um país promotor da “democracia por excelência, a democracia das massas”[l] (sempre contraposta, ao longo de suas páginas, ao czarismo ou ao “regime burguês”). Afinal, para ele,

a democracia soviética não se resume no direito popular de escolher periodicamente representantes que, uma vez no Parlamento, se destacam completamente de seus eleitores e só se lembram deles diante da eventualidade de novas eleições. A democracia soviética realiza uma participação efetiva do proletariado e dos demais trabalhadores na direção política do país.[li]

Ainda que mencione alguns momentos de sua visita e descreva determinadas experiências pessoais na URSS, o livro não é stricto sensu uma narrativa de viagem como muitos trabalhos análogos (inclusive escritos por colegas), mas um híbrido, que mistura testemunhos com uma descrição mais ampla e direta dos aspectos sociais e econômicos daquele país, intercalada com opiniões sobre diversos temas (como ele mesmo diz, “não lhe dei a forma de um livro de viagem unicamente porque quis escrever com mais método, o que, creio, contribuirá para a clareza da exposição”).[lii]

Ainda assim, Caio evita entrar em discussões polêmicas sobre política interna, eximindo-se de comentar com maior profundidade os embates de diferentes grupos, indivíduos e projetos pelo poder. Se ele fala em “depuração” dos quadros do partido (de forma favorável), em nenhum momento utiliza a palavra “expurgos”. Isso quando, desde pelo menos o fim da década anterior, era possível perceber um nítido acirramento das disputas dentro da URSS e em nível mundial, assim como a expulsão de muitas personalidades importantes dos respectivos partidos comunistas (inclusive no Brasil)[liii] e da própria União Soviética, que foi cenário de uma contenda que resultou em defenestrações de centenas de militantes comunistas das fileiras do PCUS (enquanto dirigentes respeitados perderiam os cargos na administração do país ou seriam colocados em posições de menor destaque). Pouco tempo mais tarde, a situação ficaria pior, com uma onda de acusações falsas, julgamentos fabricados, trabalhos forçados em gulags, prisões e execuções de lideranças e intelectuais[liv]. Os anos de 1930 a 1933 seriam, nas palavras de Roi Medvedev, “um dos períodos mais dramáticos de sua história, comparável em muitos aspectos ao período da guerra civil”,[lv] enquanto o interregno entre 1933 e 1935, segundo Antonio Carlos Mazzeo, “é o momento da virada na União Soviética, quando o PCUS se fortalece para impulsionar o ‘socialismo em um só país’ e desencadeia uma feroz luta interna em suas fileiras que culminará com a ditadura stalinista no partido e na sociedade soviética”[lvi] (ainda que, como lembra Pierre Broué, “a partir de 1930, Stálin passa a dominar sozinho a cena política, convertendo-se no mestre do partido”)[lvii]. Difícil não estar a par de tudo o que ocorria naquela época… No livro, contudo, não se fala em “perseguições”, tampouco há uma discussão detalhada dos pontos de vista e opiniões dos diferentes setores envolvidos nos debates internos da época. Nesse sentido, ele apenas menciona, de modo breve, que

quando o Estado soviético enfrentou a tarefa de liquidar o capitalismo agrário e coletivizar a sua agricultura, as dificuldades pareciam quase insuperáveis. No próprio seio do partido comunista não faltou quem abertamente o proclamasse. Nisso se confundiram os oposicionistas de todos os matizes, desde a esquerda chefiada por Trótski até os direitistas com Bukhárin (um dos maiores teóricos do marxismo) à frente. No entanto, os resultados da política adotada foram os mais satisfatórios possível.[lviii]

Assim, em relação à coletivização agrária, ele afirmará que ela “abrange hoje, como já referi, cerca de 70% da área cultivada do país. E não se julgue que isto foi obtido, como às vezes se alega, pelo emprego da coação. Abusos houve, é certo, mas sempre encontraram a mais formal desaprovação dos dirigentes soviéticos e do partido comunista, que sempre que lhes foi possível, denunciaram tais processos com energia. A coletivização deve encontrar o apoio e a mais franca simpatia dos camponeses; só deve ser realizada quando os camponeses reconhecem suas vantagens: é esta a verdadeira orientação do partido”[lix]. Uma opinião que não corresponde ao que havia, de fato, ocorrido até então[lx]… 

Além disso, depois de citar Robert Michels, que lembrava os perigos da burocratização e o controle dos trabalhadores por uma minoria política, Caio comenta: “Este argumento é tanto mais interessante no momento atual que toda esta ala dissidente da Terceira Internacional, chefiada por Trótski, descobre no regime soviético os germens dessa diferenciação, a constituição de uma oligarquia dirigente: a burocracia”[lxi]. Mas, em seguida, ele completa:

A questão é complicada e não caberia neste livro, em que não procuro discutir pontos de vista doutrinários, mas apenas descrever a situação atual da União Soviética, vista através de minha observação pessoal e direta. Limito-me, por isso, a umas poucas considerações sobre um problema que me parece fundamental e, além disso, de grande interesse prático no momento, porque envolve, como já disse, a questão da possibilidade ou não de uma sociedade socialista.[lxii]

Para tentar responder a essa questão, ele utiliza, contudo, um trecho da obra de Bukhárin Tratado de materialismo histórico[lxiii](por sinal, o único livro que Caio traduziu)[lxiv], que, segundo o historiador paulista, “coloca o problema nos seus devidos termos”[lxv]. Ou seja, de acordo com o dirigente russo, quando a classe operária triunfava em um momento em que ainda não se constituía em um grupo homogêneo, num quadro de declínio das forças produtivas e de insegurança das “massas”, poderia existir uma tendênciaà “degeneração”, ou seja, à separação de uma camada dirigente (como um “embrião” de classe). Ainda assim, segundo a acepção do líder bolchevique (e corroborada por Caio), ela seria “paralisada” por duas tendências opostas: de um lado o crescimento das forças produtivas e de outro a supressão do monopólio da instrução. Sendo assim, a produção em grande escala de técnicos e organizadores em geral, oriundos da própria classe trabalhadora, eliminaria a possibilidade de uma nova eventual classe no poder. Por isso, o resultado da luta dependeria apenas de saber quais dessas tendências se mostrariam mais fortes ao longo daquele processo[lxvi]. Vale recordar, porém, como contraponto, outras intervenções sobre o assunto de Lênin, Trótski e do próprio Bukhárin, o qual teria antecipado em vários lustros os postulados de Milovan Djilas sobre uma nova classe no poder (a própria elite e burocracia do partido)[lxvii], algo que Caio aparentemente não vislumbra naquele momento (afinal, para o historiador paulista, “o regime soviético é a organização do proletariado em classe dominante; não é, portanto, a ditadura de um partido”)[lxviii]. Além disso, ele dirá que

não se deve compreender o socialismo como uma forma estável, um tipo definido de organização. Ele é antes um processo, um sistema em transformação. Consiste numa substituição da economia capitalista, fundada na propriedade privada dos meios de produção – solo, subsolo, fábricas etc. – e caracterizada por formas privadas de atividade econômica, por uma economia que tenha por base a propriedade coletiva e por norma uma atividade econômica também coletiva. Nisso se resume o socialismo. As suas fases, portanto, são múltiplas. A substituição de um sistema por outro atravessa etapas sucessivas em que vamos encontrar, lado a lado, em proporções variáveis, caracteres de um e de outro: os do primitivo, em vias de desaparecimento, os do novo, desenvolvendo-se continuamente. O desaparecimento total das formas capitalistas coincidirá com o comunismo.[lxix]

O único momento em que Caio utiliza a palavra “fome” em sua obra é para descrever o quadro do país em 1921, no fim da guerra civil. Mas ele não faz qualquer menção, por exemplo, à situação dramática do “holodomor” na Ucrânia (e outras regiões da União Soviética), que resultou em milhões de vidas perdidas entre 1932 e 1933 (exatamente a época em que visitou a União Soviética), apesar de todas as evidências e as reportagens conhecidas, como as matérias amplamente difundidas na imprensa da época, como aquelas escritas pelo jornalista galês Gareth Jones[lxx] (mesmo que muitos dos artigos em questão sobre o tema fossem contestados na época). O fato é que URSS, um novo mundo foi lançado justamente no ano em que terminava, segundo Ralph Miliband, “a primeira fase da revolução stalinista”[lxxi], um momento bastante difícil em diversos aspectos (políticos e humanos), apesar dos números favoráveis em termos econômicos mais amplos. Entre as poucas referências citadas como fontes de dados, estatísticas e informações gerais sobre a União Soviética, o balanço do primeiro plano quinquenal (relatório apresentado à sessão plenária comum do Comitê Central e da Comissão Central de Controle do PCUS de 1933), o verbete “Rússia” da Encyclopedia Britannica e dados retirados do Statesman’s Year Book,do mesmo ano.

Caio Prado Júnior encerra o livro lembrando que “a questão mais importante não é a do socialismo em si. É a do caminho que para lá conduz”[lxxii]. E que

é esta a primeira lição internacional da revolução na União Soviética: o socialismo só será realizado pelo partido que seguir as pegadas dos bolchevistas, isto é, pela insurreição armada, pela tomada violenta do poder, como se deu na Rússia, e não pela via pacífica da conquista da maioria parlamentar, como quer a social-democracia os partidos socialistas de todo o mundo. Não creio que haja na história um ponto de vista, mais que este, sustentado pela evidência dos fatos.[lxxiii]

URSS, um novo mundo teve uma segunda edição impressa em agosto de 1935, ano de intensa atividade da Aliança Nacional Libertadora e do Levante Comunista (não custa lembrar aqui que, naquele ano, Caio Prado Júnior foi o presidente regional da ANL em São Paulo). A obra, contudo, seria confiscada e retirada de circulação por ordem do governo Vargas, algo que, por sinal, não era incomum na época[lxxiv] (um exemplar desta segunda edição pode ser encontrado e consultado na biblioteca particular de Caio Prado Júnior, no IEB/USP). Desde então, nunca mais foi reeditada por ele.   

O mundo do socialismo, por sua vez, foi elaborado após outra jornada à URSS e à China, neste caso, com sua segunda mulher, Helena Maria Magalhães Nioac (a Nena), entre julho e setembro de 1960, viagem realizada pouco depois de ele ajudar a fundar a União Cultural Brasil-União Soviética (também designada por alguns como “Sociedade Brasil-URSS”), em São Paulo, juntamente com Sérgio Milliet, Afonso Schmidt, Florestan Fernandes, João Belline Burza, Elias Chaves Neto, Mário Schenberg e Eduardo Guarnieri, entre outros[lxxv]. Na época, Caio estava com 53 anos, em plena maturidade intelectual. Desde o ano anterior, o historiador pensava em voltar à URSS, mas estava tendo dificuldades, por questões burocráticas menores. Por isso receberia o apoio de seu amigo Jacob Bazarian, que vivia naquele país desde 1950 (onde trabalhava como pesquisador científico no Instituto de Filosofia da Acus) e tinha bons contatos entre as autoridades locais[lxxvi] (Bazarian voltaria ao Brasil em 1966 e posteriormente, desiludido com o regime soviético, publicaria um livro crítico à URSS)[lxxvii]. Tudo seria resolvido. E sua viagem seria confirmada.

Naquele momento, a URSS, o maior país do mundo, com um território de 22 milhões de quilômetros quadrados que se estendia por dois continentes e que reunia quinze repúblicas, contava com aproximadamente 215 milhões de habitantes. Era, sem dúvida, uma superpotência militar, tecnológica e nuclear, ainda que a qualidade de seus bens de consumo ainda deixasse bastante a desejar se comparada à dos países ocidentais[lxxviii]. Quando o autor de História econômica do Brasil foi à União Soviética, o PCUS possuía, então, em torno de 8.239.000 membros e tinha como primeiro-secretário Nikita Khruschov, que chegou a ocupar ainda as posições líder do Presidium do Comitê Central e presidente do Conselho de Ministros. No XX Congresso do PCUS, em 1956, Khruschov foi o responsável por encabeçar a denúncia dos crimes de Stálin e a atacar o culto à personalidade. Ao longo dos anos, implementou uma série de reformas culturais e econômicas (muitas vezes polêmicas), iniciando um período mais “liberal” e supostamente flexível, que incluía também a defesa de uma política de coexistência pacífica no campo internacional[lxxix]. Foi neste novo momento pelo qual passava a URSS (que também teria reflexos no setor do turismo)[lxxx] que Caio Prado Júnior chegou ao país. 

Em Moscou, ele e a esposa ficaram hospedados no renomado Hotel Ucrânia, um prédio de 34 andares e 198 metros de altura que, segundo João Pinheiro Neto, era “o maior e mais moderno” da capital, um “dos poucos edifícios novos da cidade”, com um serviço ruim, “nenhuma organização interna de restaurantes” e repleto de turistas americanos[lxxxi]. Com Nena, o historiador paulista faria visitas a kolkhozes, creches, ao estádio de futebol Lênin (com capacidade para 100 mil pessoas) e ao Instituto de Filosofia da Acus, onde teve conversas com vários professores (que, neste caso, não lhe teriam causado boa impressão). De resto, adorou tudo o que viu e achou que a União Soviética estava indo no caminho certo. Em carta de 27 de julho de 1960, enviada ao filho caçula, Roberto, ele comentou: “Estou aprendendo muita coisa e, sobretudo, que realmente o regime político e social deste país é o futuro de toda a humanidade”[lxxxii].

Da União Soviética, o casal seguiu para a China. Conheceu Pequim, Wuhan, Xangai e outras cidades no sul daquela nação. Durante a viagem, esteve na ópera de Pequim, assistiu a um espetáculo de acrobatas, foi ao teatro, esteve em uma represa, em uma fundição de aço e em um templo budista de Hang Tcheu, além de visitar fábricas, comunas e monumentos, sempre acompanhado de uma guia local. De Wuhan (onde, segundo Caio, “não temos parado, visitamos mil coisas, numa agitação permanente”),[lxxxiii] ele mandaria uma missiva, datada de 21 de agosto, mais uma vez para seu filho mais novo, na qual dizia que

aqui na China, podem-se ver muito bem as vantagens do socialismo, porque a China capitalista não deixou nada, e só o moderno e recente, que é do socialismo, representa o progresso e perspectiva futura. Você, quando vier à China (e com certeza algum dia virá), terá a ocasião de ver o maravilhoso país que se está construindo aqui, para uma vida feliz de todo mundo.[lxxxiv]

O passeio continuou, e a impressão favorável do país só aumentava. Em nova correspondência a Roberto, desta vez escrita em Pequim, em 1º de setembro, Caio diria que estava

vendo e compreendendo este mundo enorme de 650 milhões de pessoas, dominadas e exploradas até há poucos anos pelos imperialistas europeus, e um punhado de grandes proprietários, e que constroem hoje um país rico e poderoso, que assegurará o bem-estar de todos [os] seus habitantes (mais de uma quinta parte da humanidade). Há muito ainda por fazer, mas que a obra está sendo levada a cabo, não pode ter dúvidas: em dez anos no máximo, a China é o primeiro país do mundo.[lxxxv]

Ao retornar ao Brasil, ele deu uma palestra em 7 de novembro de 1960, na Biblioteca Municipal de São Paulo, intitulada “Atualidade e perspectivas do socialismo”, escreveu o artigo “Convivência pacífica” para a Revista Brasiliense e começou a preparar seu livro seguinte. Vale dizer que sua viagem reafirmou sua convicção na política oficial soviética. Ele considerava que o capitalismo estava claramente em declínio, enquanto era possível verificar um “fulgurante” e “acelerado” avanço do socialismo. O convívio pacífico entre os Estados nacionais seria fundamental. Em seu texto para a Revista Brasiliense ele diria:

A Declaração de Moscou que estamos analisando o reafirma de forma explícita e sem ambiguidades, quando afirma que “a revolução socialista não se importa nem pode ser imposta de fora. É resultado do desenvolvimento interno de cada país, do aguçamento extremo das contradições sociais. Inspirados pela doutrina marxista-leninista, os partidos comunistas sempre foram contrários à exportação da revolução”. Afirmação tão peremptória (que exprime aliás uma diretiva a que nenhum comunista, sob pena de não se poder mais considerar tal, se pode furtar), e afirmação que vem reforçar princípios teóricos consagrados e uma linha já tradicional de conduta política, mostra claramente a grande distância, e mesmo contraste absoluto entre a oposição do capitalismo imperialista ao socialismo, e a do socialismo ao capitalismo.[lxxxvi]

Ele continua:

Mas se a revolução socialista não se exporta, também não é admitir a exportação da contrarrevolução. Os comunistas, afirma a Declaração de Moscou, “lutam energicamente contra a exportação imperialista da contrarrevolução. Os partidos comunistas consideram que é seu dever internacionalista exortar os povos de todos os países a se unir, a mobilizar suas forças internas, a atuar energicamente e, apoiando-se no poderio do sistema socialista mundial, impedir ou dar uma enérgica réplica à ingerência dos imperialistas nos assuntos de todo povo que se tenha lançado na revolução”. Isso é condição necessária de convivência pacífica, porque, entre os assuntos internos de qualquer povo ou país, está o de escolher a forma de suas instituições sociais e econômicas e a maneira mais conveniente de chegar a elas, não cabendo a ninguém de fora o direito de intervir na questão.[lxxxvii]

E completa:

Entre o capitalismo e o socialismo somente há hoje, no plano internacional, uma forma admissível de contenda: a competição pacífica. Que se conceda a cada qual dos dois sistemas a oportunidade de exibir seus méritos respectivos e sua capacidade de fazer frente aos angustiantes problemas econômicos, sociais, morais e culturais que se apresentam na atual conjuntura e fase da evolução histórica da humanidade. E que se deixe a essa humanidade o direito de julgar, isto é, decidir sem o recurso à imposição pela força de um povo sobre o outro, qual dos dois sistemas prefere.[lxxxviii]

Como se percebe, nesta questão, o posicionamento de Caio era o mesmo do PCB na época. Vale lembrar que, entre 1962 e 1963, seriam lançadas no Brasil (principalmente pela Editorial Vitória) diversas compilações de discursos, informes e entrevistas de Khruschov, como O desarmamento geral e completo, garantia da paz e da segurança dos povos[lxxxix], Impedir a guerra é a tarefa fundamental[xc], O imperialismo, inimigo dos povos, inimigo da paz[xci], Informe sobre a atividade do Comitê Central[xcii], O movimento de libertação nacional[xciii]e O movimento revolucionário operário e comunista[xciv]. Assim, os textos de Caio Prado Júnior se enquadravam no mesmo clima da época e estavam dentro da mesma lógica defendida por seus correligionários comunistas. Se havia divergências do autor de Esboço dos fundamentos da teoria econômica com o PCB em relação à formação histórica do Brasil e sua interpretação da conjuntura do país em diferentes momentos (em particular no que se refere à questão agrária e às estratégias de luta política), ele estava plenamente de acordo com a sigla quando se tratava da defesa da URSS, seu sistema econômico e sua política externa.

Em O mundo do socialismo, publicado em 1962 pela Brasiliense, impresso na gráfica Urupês e dedicado aos filhos Danda, Caio Graco e Roberto, o intelectual paulista discutirá a questão da liberdade, do Estado (burguês e socialista), da imprensa, do trabalho, da religião, dos sovietes, da “polícia popular”, dos “tribunais de camaradas” e do Partido Comunista. Desta vez, ele seria mais explícito em suas intenções e faria questão de tomar posição em relação a seu objeto:

Sem ser um simples relato de viagem – pois me arrisco a certas “teorizações” –, ainda assim este livro não tem mais pretensões que refletir impressões e conclusões de um viajante. Impressões de um comunista, o que desde logo as inquinará para muitos de “suspeitas”. Livros sobre os países socialistas costumam ser sumariamente divididos em duas categorias: contra e a favor. E, nesta última, está claro, se classificará o livro de um comunista.[xcv]

Apesar disso, completava que

não foi para “julgar” que visitei os países socialistas, e sim para analisar as soluções dadas nesses países aos problemas da revolução socialista, isto é, da transformação socialista do mundo. Estou convencido dessa transformação e de que a humanidade toda marcha para ela. […] É a experiência acumulada nos países socialistas, experiência orientadora da transformação socialista, pela qual, a meu ver, todos os povos e nós brasileiros, inclusive, haveremos mais cedo ou mais tarde de passar, o que me interessou. E é isso, portanto, que procuro trazer para as presentes páginas, a fim de que o muito ou o pouco que aprendi (muito, a meu ver; os leitores que julguem se realmente significa alguma coisa) não fique unicamente para mim e possa, eventualmente, servir também a outros.[xcvi]

Este também não pode ser colocado, em sentido estrito, exclusivamente dentro da categoria de literatura de viagem, ainda que, como em sua primeira obra do gênero, também mencione por vezes algumas de suas experiências no exterior. Amigos, como Mario Fiorani e Moisés Gicovate, elogiaram o texto[xcvii]. Igual entusiasmo podia ser encontrado na resenha de Álvaro Augusto Lopes para A Tribuna,dizendo que

nada mais interessante será do que seguir o autor, nessa magistral lição de socialismo aplicado nas terras alheias visitadas, à luz do materialismo dialético de Karl Marx, Engels e Lênin (p. 114), verificando que a sua elaboração científica já se conseguiu de maneira satisfatória. Postulados como “a cada um segundo as suas necessidades”, vão pouco a pouco tendo expressão imediatista, na União Soviética e na China Popular, graças ao esforço de homens extraordinários, com qualidades morais e espirituais de primeira ordem, como este livro demonstra.[xcviii]

Já o também comunista Elias Chaves Neto (que ocupou o cargo de diretor-responsável da Revista Brasiliense) diria que seu primo e melhor amigo, “interessado nas realizações incipientes do mundo socialista”, visitara a União Soviética nos anos 1930 e depois, publicou URSS, um novo mundo.Em O mundo do socialismo,contudo, eleteria “confirmado” seus prognósticos de muitos anos antes[xcix]. Edgard Carone, por sua vez, afirmou que O mundo do socialismo foi uma das duas obras que continuavam a “marcar” o “amor” de Caio por seu “socialismo militante”[c] (a outra seria A revolução brasileira).

O livro teve duas edições em 1962 e uma terceira em 1967, sem alterações no texto (na última tiragem houve a inclusão de uma pequena biografia de Caio preparada por Elias Chaves Neto), mas todos com capa diferente (o formato da terceira edição também seria menor que os das edições anteriores). 

Essa também foi uma obra de relativo êxito editorial, com vendas expressivas, pelo menos no primeiro ano de sua publicação. Ainda assim, desde 1967, quando teve sua terceira tiragem em plena ditadura militar, o livro não recebeu novas edições em sua forma integral.     

Neste trabalho, Caio defenderá a abolição da livre iniciativa econômica e o domínio privado sobre as forças produtivas da sociedade[ci]. Para ele,

o que é invariável no socialismo, e que constitui sua essência, é a substituição da liberdade econômica, que caracteriza o capitalismo e que implica o antagonismo entre os homens, cada qual se orientando para a satisfação particularista e exclusivista de seus interesses, pelo ordenamento e coordenação da ação econômica em função do interesse coletivo.[cii]

Além disso,

o socialismo, ao contrário do que se acha como opinião a respeito dele muito difundida, não é e está longe de ser igualitarista. O socialismo (o verdadeiro socialismo, bem entendido, porque sob o rótulo socialista não faltam hoje as mais disparatadas fantasias) reconhece a desigualdade e não pretende eliminar ou desconhecer as desigualdades que são da natureza humana.[ciii]

Caio também achava que as críticas a um suposto Estado socialista “perquiridor” e “policial” não procediam. Em uma fase preliminar da construção do socialismo (a época revolucionária e de transformação violenta) o regime teria se mostrado bastante severo, o que não poderia ser de outro modo. Afinal,

para se defender nessa grave conjuntura, o regime teve de lançar mão de processos à altura da oposição que sofria e da árdua luta pela sobrevivência em que se achava empenhado. E tais processos levaram muitas vezes, como não podiam deixar de levar, a repressões violentas. Mas tanto isso não era, como não é da essência do socialismo, muito pelo contrário, que essa fase passou completamente na generalidade dos países socialistas, a começar, sobretudo, pela União Soviética. E nunca existiu na China Popular.[civ]

Segundo o autor, na época em que escrevia,

os países socialistas já hoje consolidaram e estabilizaram inteiramente a vida, e os aparelhos especiais de repressão interna desapareceram por completo. Tem-se neles a mais total liberdade de movimentos, e não há sinais de quaisquer restrições além das ordinárias e normais que se encontram em qualquer lugar.[cv]

Nesse sentido, ele comenta:

Percorri longamente a União Soviética e a China Popular, visitando as mais variadas e remotas regiões, e nada notei, absolutamente nada que denotasse nem mesmo vigilância policial apreciável. Certamente muito menos que em qualquer país capitalista. Afora agentes aduaneiros e guardas nos aeroportos de entrada e saída do país (porque nos outros nem isso observei), não vi na União Soviética e China Popular mais que inspetores de trânsito. Sendo que, na China, esses inspetores são com frequência jovens e inofensivas mulheres. Sempre circulei livremente e sem o menor constrangimento por toda parte, e nem mesmo a minha presença inconfundível de estrangeiro foi jamais especialmente notada.[cvi]

Caio também fez questão de lembrar a total liberdade de pensamento e de expressão e a grande importância que atribuía ao papel desempenhado pela imprensa naqueles países, com “milhões de correspondentes amadores” colaborando efetiva e regularmente com periódicos, revistas, rádio e televisão, além de “milhares” de jornais “murais” editados todas as semanas ou a cada dez ou quinze dias, colados nas paredes de oficinas, escritórios das cooperativas agrícolas, escolas, hospitais e empresas[cvii]. Assim, nos países socialistas haveria “ampla discussão coletiva de todos os assuntos de interesse geral”, o que faria “parte essencial do funcionamento das instituições, e a publicidade escrita ou através do rádio e da televisão é ativamente estimulada com o objetivo de se obter a participação nela de um número sempre crescente de cidadãos”[cviii].

Na questão do trabalho, por sua vez, “o cidadão soviético tem o emprego que mais lhe agrada e convém”[cix]. Segundo Caio, no sistema socialista,

os estímulos para esse trabalho se enriquecem progressivamente de um novo conteúdo ético. O trabalhador dará o seu esforço não apenas pela vantagem pecuniária que daí lhe provém, mas progressivamente também porque vai adquirindo consciência do papel que desempenha como trabalhador que é e da responsabilidade que para ele decorre dessa sua posição na sociedade.[cx]

E no caso do Estado, ele tinha como objetivo e grande tarefa “a realização do socialismo”, com a supressão das classes e, por conseguinte, do domínio de classe[cxi]. Sendo assim,

o Estado socialista é expressão e organização política e uma associação de trabalhadores, e sua atividade constitui uma das formas, a principal e suprema, da cooperação de todos os indivíduos componentes da coletividade na realização do ideal socialista de aperfeiçoamento humano e da convivência harmônica dos homens.[cxii]

A revolução e a transformação socialista se desenvolveriam a partir “da integração do indivíduo numa nova ética que faz do esforço físico e intelectual com que ele contribui para a realização das atividades necessárias e úteis à sociedade uma função natural e espontânea a que ninguém normalmente pensará ou almejará sequer em se furtar”[cxiii].

Não custa lembrar que Caio sempre apoiou a União Soviética, até seus últimos momentos de lucidez, mesmo quando o país seguia com um profundo processo de burocratização e falta de dinamismo econômico. Apesar de ter sido muito crítico à invasão das tropas do Pacto de Varsóvia à Tchecoslováquia em 1968 (Caio chegou a escrever um telegrama expressando sua “indignada repulsa” ao então embaixador soviético no Brasil, Sergei Mikhailov, denunciando o ocorrido como um “inominável procedimento” que representava uma “revoltante traição” aos “ideais” e “princípios socialistas”, além de ser um “insulto” à memória de Marx, Engels e Lênin, “deixando perplexos todos [os] socialistas honestos frente [a um] gesto [de] tal natureza)[cxiv], na época em que Leonid Brejnev já estava no poder, ele continuaria lendo sobre a “pátria do socialismo”, se interessando pelo que acontecia lá e dando seu suporte à URSS de maneira geral (o próprio Mikhailov, que se dizia um “atento leitor” de Caio, o convidou a participar, em 1966, das comemorações de aniversário da revolução de Outubro na Embaixada de seu país e chegou a solicitar, em 1968, que este proferisse um conferência na mesma legação “sobre o tema que Vossa Senhoria considerar de interesse mútuo”).[cxv]  Nem mesmo as reformas libermanistas e a aplicação do cálculo econômico na URSS e nas democracias populares (implementadas na década de 1960, com uma dinâmica que aproximava aquelas práticas de autogestão financeira e administrativa, com ênfase na rentabilidade das empresas, a tendências de caráter capitalista), tão criticadas por outros intelectuais marxistas da época, parecem ter influenciado ou afetado a opinião de Caio, que não incluiu comentários sobre o assunto na edição de 1967 nem apontou possíveis problemas naquele sistema que, para ele, pelo contrário, estava seguindo pelo rumo correto (Che Guevara, por exemplo, com opinião distinta, faria várias críticas àquele modelo).[cxvi] O historiador brasileiro, por sua vez, achava naquela época que já se vislumbravam na União Soviética “os primeiros sintomas da evolução para o comunismo e para o desaparecimento do Estado”[cxvii]. Para ele,

não se trata de abolir o Estado por uma ação predeterminada e decisiva. É no próprio desenvolvimento das instituições socialistas, e por força de sua natural e espontânea dinâmica, que se verificará o gradual e progressivo desaparecimento do aparelho estatal, que vai perdendo sua razão de ser[cxviii]

e “é nessa marcha, a marcha para o comunismo, que se acha engajado o mundo socialista”[cxix].

O fato é que Caio Prado Júnior sempre esteve do lado da União Soviética, mesmo que em momentos aparentemente díspares de sua história. Elogiou o país durante o período stalinista e, depois, apoiou e exaltou os feitos políticos, econômicos e culturais após o XX Congresso do PCUS, no auge da desestalinização, em plena era Khruschov, quando o contexto de então era bastante diferente daquele descrito no livro anterior (em 1956, por exemplo, ele teria dito “que sem a ditadura de Stálin, o socialismo teria feito progressos mais rápidos”)[cxx]. O mais importante para o autor de Notas introdutórias à lógica dialética, provavelmente, era a defesa do socialismo e de uma experiência histórica que se contrapunha ao capitalismo e ao imperialismo ocidental (em especial o norte-americano), independentemente de quem estivesse na direção do PCUS e da dinâmica política do período em que escrevia.

Em sua biblioteca particular, é possível encontrar pelo menos oitenta livros sobre a União Soviética (de autores diversos, como Nikolai Bukhárin, Osório César, Claudio Edmundo, Lazar Kaganovich, Carlos Santos, Joseph Stálin, John R. Cotrim, Joseph. E. Davies, Isaac Deutscher, A. Ejov, I. A. Evenko, Jean Fonteyne, Rodolfo Ghioldi, G. Grinko, Nestor de Holanda, Alexei Kosiguin, V. I. Lênin, Emil Ludwig, Maurício de Medeiros, N. N. Mikhailov, Freitas Nobre, A. Pacherstnik, Émile Schreiber, K. Sevrikov, Aleksandr Ivanovich Sizonenko, Stanislas Stroumiline, Donald W. Treadgold, Leon Trótski, B. Vassiliev, I. Verjovtsev e George Vernadsky), assim como uma coleção de revistas e jornais comunistas, que ele assinava e lia ao longo dos anos. Já sobre a China ele tinha obras de Gregorio Bermann, Alain Bouc, Chi-ming Tung, Chou En-lai, Jurema Yari Finamour, T. J. Hughes, Liu Shao-Chi, Mao Tsé-tung, Colette Modiano, Alan Winnington e muitos textos oficiais editados pelo PCCh e pelo governo daquele país.

Por fim, vale indicar o lugar em que se encontram URSS, um novo mundo e O mundo do socialismo no quadro maior da obra caiopradiana. Estes, certamente, não são os livros mais importantes de sua produção. Apesar disso, ambos mostram um retrato (mesmo que parcial) da União Soviética em decênios bem distintos, apresentando as características do país em momentos diferentes de sua história.

Além disso, é interessante apontar para o fato de que dois passeios relativamente curtos no exterior se tornaram livros, algo incomum em sua bibliografia. Caio viajou para muitos locais ao longo da vida, mas isso não se refletiu em obras como as duas em questão. É verdade que uma jornada para a Polônia e a Tchecoslováquia em 1949, por exemplo, rendeu um artigo em duas partes publicado em 1950 pela revista Fundamentos[cxxi]. Mas nem nesse caso a experiência se transformou em livro. Sem dúvida o historiador paulista dava importância a viagens – são conhecidos seus périplos pelo Brasil (inclusive em um fusca) para conhecer de perto a realidade do país. Essa dinâmica deixou marcas em suas obras. Mas um “livro” baseado em viagens no estrangeiro não era algo comum. Ele esteve, desde a juventude até a década de 1970, em muitas nações das Américas, do norte da África, do Oriente Médio, do Extremo Oriente e da Europa ocidental e oriental (assim como em várias partes do próprio Brasil). Ele fazia anotações, escrevia cartas, dava palestras, fotografava todos os lugares por onde passava… Mas nem assim essas experiências específicas (como uma viagem que fez a Cuba, por exemplo) se transformaram em “livros”, o que mostra a ênfase que ele quis colocar na divulgação e no apoio à União Soviética e a seu sistema político[cxxii].     

URSS, um novo mundo e O mundo do socialismo podem ser inseridos, também, no contexto das obras de viagem de latino-americanos e, especificamente, de brasileiros à União Soviética (e, no segundo caso, também à China), com todas as ressalvas feitas em relação às características “híbridas” e heterogêneas desses trabalhos. Ambos os volumes igualmente representam uma fotografia do próprio autor no início dos anos 1930 e começo da década de 1960. Afinal, neles é possível encontrar suas ideias e seus posicionamentos em relação a vários assuntos, como o comunismo, o fascismo, o Estado, a revolução, a liberdade, o partido, o trabalho e os muitos aspectos filosóficos, jurídicos, culturais, políticos e econômicos do “mundo do socialismo” discutidos pelos setores progressistas de sua época.

Por tudo isso, a leitura desta edição dupla, composta de livros há muito fora de catálogo, ajuda a entender aspectos menos conhecidos da vida e da obra de Caio Prado Júnior e é fundamental para ampliar e completar o quadro geral de seu ideário político e econômico, representando um material singular e muito interessante para todos aqueles que estudam seu pensamento.[cxxiii]

*Luiz Bernardo Pericás é professor no Departamento de História da USP. Autor, entre outros livros, de Caio Prado Júnior: uma biografia política (Boitempo). [https://amzn.to/48drY1q]

Referência


Caio Prado Júnior. URSS, um novo mundo e O mundo do socialismo. São Paulo: Boitempo, 2023. [https://amzn.to/4eOYMSj]

Notas


[i] John Reed, Ten Days That Shook the World (Nova York, Boni and Liveright, 1919) [ed. bras.: Dez dias que abalaram o mundo, trad. Bernardo Ajzenberg, 7. ed., São Paulo, Penguin-Companhia das Letras, 2010].

[ii] Louise Bryant, Six Red Months in Russia (Nova York, George H. Doran, 1918) [ed. bras.: Seis meses na Rússia vermelha, trad. Alexandre Barbosa de Souza, São Paulo, LavraPalavra, 2022].

[iii] Albert Rhys Williams, Through the Russian Revolution (Londres, Labour, 1923).

[iv] Ver, por exemplo, Fernand Corcos, Uma visita à Nova Rússia (Rio de Janeiro, Americana, 1931); Paul Marion, O paraíso moscovita (Rio de Janeiro, Companhia Editora Nacional, 1931); Henri Béraud, O que vi em Moscou (Porto Alegre, Globo, 1931); Álvarez del Vayo, A nova Rússia (São Paulo, Pax, 1931); e Diego Hidalgo, Impressões de Moscou (São Paulo, Pax, 1931), entre outros.

[v] Maurício de Medeiros, Rússia (Rio de Janeiro, Calvino Filho, s.d.). Segundo Edgard Carone, este livro teve seis edições consecutivas em poucos meses. Ver Edgard Carone, O marxismo no Brasil: das origens a 1964 (Rio de Janeiro, Dois Pontos, 1986), p. 66.

[vi] Osório César, Onde o proletariado dirige: visão panorama da URSS (São Paulo, Brasileira, 1932).

[vii] Gondin da Fonseca, Bolchevismo (Rio de Janeiro, Edição do Autor, 1935).

[viii] Claudio Edmundo, Um engenheiro brasileiro na Rússia (Rio de Janeiro, Calvino Filho, 1934). No prefácio, assinado por “H. N.” e finalizado em julho de 1933, Edmundo é apontado como sendo filho do jornalista Luiz Edmundo, que trabalhara para o Correio da Manhã. Ver Ibid, p. ix. Muitos desses livros acabavam exercendo alguma influência entre os leitores. Victor Márcio Konder, por exemplo, comenta: “Sei de um fato bem marcante. Meu irmão Alexandre, deve ter sido em 1935, ou mesmo antes, emprestou a ela [a mãe de Konder] um livro escrito por um filho de Luís Edmundo, o historiador Luís Edmundo. Creio que o nome dele era Claudio Edmundo. Ele tinha estado na União Soviética, onde trabalhou de alguma forma naqueles planos de urbanização e construção de cidades. Não sei se em Odessa, creio que em Odessa. Escreveu um pequeno livro despretensioso, mas que teve grande influência em certos espíritos absolutamente desprevenidos para essas coisas. […] Esse livro se intitulava Um engenheiro brasileiro na Rússia. Pintava um quadro esquematizado da União Soviética, ressaltando que ali todos eram iguais. As pessoas recebiam um salário igual. O próprio Stálin ganhava tanto quanto um operário. Todo mundo era igual. Todo mundo trabalhava fraternalmente. Enfim, um sistema igualitário. […] Só me lembro que minha mãe leu, passou para mim e eu li. Um dos primeiros livros sérios que eu li na vida. E minha mãe me disse: ‘Isso é justo!’. Esse julgamento da mamãe bastou para mim. Foi decisivo”. Ver Victor Márcio Konder, Militância (São Paulo, Arx, 2002), p. 32-3). O mesmo ocorreu com o dirigente João Amazonas, que teria se interessado pela causa comunista ao ler aquele mesmo livro; ver Lincoln Secco, A batalha dos livros: formação da esquerda no Brasil (Cotia, Ateliê Editorial, 2017), p. 74. Em sua tese de doutorado, Raquel Mundim Tôrres, por sua vez, coloca em dúvida a autoria deste livro, afirmando que Claudio Edmundo pode ter sido um autor fictício, ou seja, um nome inventado. Ver Raquel Mundim Tôrres, Transpondo a Cortina de Ferro: relatos de viagem de brasileiros à União Soviética na Guerra Fria (1951-1963), tese de doutorado, Depto. de História, USP, São Paulo, 2018, p. 45.   

[ix] Jorge Amado, O mundo da paz: União Soviética e democracias populares (4. ed., Rio de Janeiro, Vitória, 1953 [1951]).     

[x] Graciliano Ramos, Viagem (Tchecoslováquia-URSS) (Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1980 [1954]).

[xi] Nestor de Holanda, Diálogo Brasil-URSS (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1960) e O mundo vermelho: notas de um repórter na URSS (Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti, 1962).

[xii] Marques Rebelo, Cortina de ferro (Rio de Janeiro, José Olympio, 2014[São Paulo, Livraria Martins Editora, 1956]). Viagem realizada em 1954.

[xiii] Afonso Schmidt, Zamir (viagem ao mundo da paz) (São Paulo, Brasiliense, 1956).

[xiv] Ênio Silveira, “A URSS hoje: rumo ao cosmos e ao conforto pessoal”, Revista Civilização Brasileira,caderno especial: A Revolução Russa: cinquenta anos de história, ano 3, n. 1, nov. 1967, p. vii-xviii.

[xv] José Campo, Um brasileiro na União Soviética: impressões de viagem (São Paulo, Livraria Martins, 1953).

[xvi] Constantino Stoiano, Antônio Chamorro, José Pedro Pinto, João Sanches e Lázaro Moreira, Operários paulistas na União Soviética (São Paulo, Fundamentos, 1952).

[xvii] Freitas Nobre, Visão atual da Rússia: observações de um jornalista brasileiro (São Paulo, Saraiva, 1957).

[xviii] Rubens do Amaral, União Soviética: inferno ou paraíso? (São Paulo, Livraria Martins, 1953). O livro terminou de ser escrito em agosto de 1952.

[xix] Osny Duarte Pereira, Juízes brasileiros atrás da cortina de ferro (Rio de Janeiro, José Konfino, s.d.). O livro terminou de ser escrito em março de 1952.

[xx] Edmar Morél, Moscou, ida e volta (Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti, 1953[1952]).

[xxi] Jurema Yari Finamour, 4 semanas na União Soviética (Rio de Janeiro, Edições Contemporâneas, s.d. [1954]).

[xxii] José Guilherme Mendes, Moscou, Varsóvia, Berlim: o povo nas ruas (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1956).

[xxiii] Branca Fialho, Viagem à União Soviética (Rio de Janeiro, Vitória, 1952).

[xxiv] Silveira Bueno, Visões da Rússia e do mundo comunista (São Paulo, Saraiva, 1961).

[xxv] John R. Cotrim, Um engenheiro brasileiro na Rússia (Rio de Janeiro, s.e., 1962).

[xxvi] Orlando Loureiro, A sombra do Kremlin (Porto Alegre, Globo, 1954).

[xxvii] João Pinheiro Neto, URSS, a grande advertência (Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti, 1961).

[xxviii] Mesmo que em entrevista por carta Caio Prado Júnior tenha afirmado ter ingressado no PCB em 1931, todas as evidências documentais indicam que ele entrou no partido no primeiro semestre de 1932. Ver Luiz Bernardo Pericás, Caio Prado Júnior: uma biografia política (São Paulo, Boitempo, 2016, p. 29-48). Ver também Edgard Carone, “Caio Prado Júnior”, Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 32, 31 set. 1991, p. 214; disponível on-line.  

[xxix] Caio Prado Júnior expressou sua decisão de ir à URSS pela primeira vez em carta ao irmão Carlos. Ver carta de Caio Prado Júnior a Carlos Prado, São Paulo, 15 de fevereiro de 1933, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-CA014. 

[xxx] Caio Prado Júnior, Evolução política do Brasil: ensaio de interpretação materialista da história brasileira (São Paulo, Revista dos Tribunais, 1933). A segunda edição daquela obra, de 1947, ganharia o título Evolução política do Brasil: ensaio de interpretação dialética da história brasileira,sendo considerada por ele esgotada. Em 1953, ele publicaria Evolução política do Brasil e outros estudos (“primeira” edição), ou seja, como um livro novo, incluindo outros ensaios.

[xxxi] Luiz Bernardo Pericás, Caio Prado Júnior, cit., p. 82.

[xxxii] Ver Caio Prado Júnior, URSS, um novo mundo (São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1934), p. 7. 

[xxxiii] Ver carta de Caio Prado Júnior a Antonieta Penteado da Silva Prado e Caio da Silva Prado, Paris, 23 de junho de 1933, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-AAP207. 

[xxxiv] Ver Raquel Mundim Tôrres, Transpondo a Cortina de Ferro: relatos de viagem de brasileiros à União Soviética na Guerra Fria (1951-1963), tese de doutorado, Depto. de História, USP, São Paulo, 2018, p. 128.

[xxxv] Ibidem, p. 83.

[xxxvi] Ver, por exemplo, carta de Caio Prado Júnior a Antonieta Penteado da Silva Prado e Caio da Silva Prado, Paris, 23 de junho de 1933, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-AAP207; e carta de Caio Prado Júnior a Antonieta Penteado da Silva Prado e Caio da Silva Prado, Paris, 1º de julho de 1933, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-AAP208.   

[xxxvii] Ver “A Rússia de hoje”, Diário da Noite, São Paulo, 15 de setembro de 1933. 

[xxxviii] Ver Graziela Naclério Forte, CAM e SPAM: arte, política e sociabilidade na São Paulo moderna, do início dos anos 1930, dissertação de mestrado em História Social, USP, 2008, p. 117-118. 

[xxxix] Segundo algumas fontes, é informado que o título da palestra seria “Rússia e o mundo do socialismo”, e que a conferência teria 32 páginas.  Ver Ibidem, p. 115. O título que consta no próprio texto da conferência, contudo, é “Rússia de hoje” e tem 45 páginas. Ver Caio Prado Júnior, “Rússia de hoje”, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-URSS-008. 

[xl] Ver carta do diretor da Companhia Editora Nacional a Caio Prado Júnior, São Paulo, 9 set. 1933, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-URSS-001.

[xli] Ver carta de Caio Prado Júnior aos diretores da Companhia Editora Nacional, São Paulo, 10 set. 1933, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-URSS-002.

[xlii] Ver carta de Caio Prado Júnior aos diretores da Companhia Editora Nacional, sem data, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-URSS-003.

[xliii] Ver carta do diretor da Companhia Editora Nacional a Caio Prado Júnior, São Paulo, 17 jan. 1934, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-URSS-005.

[xliv] Ver carta do diretor do Depto. Editorial da Companhia Editora Nacional a Caio Prado Júnior, São Paulo, 4 abr. 1934, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-URSS-006.

[xlv] Veja, n. 236, 14 mar. 1973, “Datas”, p. 11; disponível on-line; e Ana Lúcia Merege Correia, “Octalles Marcondes Ferreira, o Big Boss”; disponível on-line.

[xlvi] “Octalles Marcondes Ferreira (1900-1973), diretor-geral da Companhia Editora Nacional”, O Explorador, 23 set. 2010; disponível on-line. 

[xlvii] Ana Lúcia Merege Correia, “Octalles Marcondes Ferreira, o Big Boss”, cit.

[xlviii] Edgard Carone lembra que Evolução política do Brasil, publicado às expensas do autor,não tinha o nome da editora, só o da gráfica onde foi impresso, a “Revista dos Tribunais”. Formação do Brasil contemporâneo, por sua vez, recebeu a “chancela” da Livraria Martins, mas foi, de fato, financiado por Caio. E as obras posteriores foram todas publicadas pela Editora Brasiliense, de propriedade do historiador. Carone se refere, é claro, às edições brasileiras. Ver Edgard Carone, cit., p. 216; disponível on-line.    

[xlix] Benjamin Lima diria que o livro de Caio Prado Júnior era “a mais decidida apologia que em língua portuguesa já se fez da obra concebida e iniciada por Lênin. O sr. Caio Prado Júnior […] revela-se um ortodoxo, um fanático do marxismo”. Benjamin Lima, “São Paulo e a technocracia”, O Paiz,Rio de Janeiro, 10 jul. 1934. Lívio Xavier, por sua vez, ainda que em momentos elogie o livro (especialmente nas partes sobre a organização econômica, a família e a religião), é bastante duro em relação a outros aspectos. Para ele, “o defeito fundamental do livro do sr. Caio Prado Júnior é isolar a URSS, fazendo dela um compartimento estanque na economia mundial, e abstrair, por completo, a existência da luta de classe no interior dela. Assim, por exemplo, quando caracteriza a burocracia (p. 36) como sobrevivência do antigo regime, vai mais além e tira as últimas conclusões da teoria da direita bukhariniana, segundo a qual a própria existência da União Soviética é garantia suficiente contra qualquer deformação da ditadura do proletariado, a qual delimita politicamente o desenvolvimento de todas as tendências antiproletárias. […] Mas o sr. Caio Prado Júnior, para quem só existem as categorias rígidas e indeformáveis do Estado e poder público, passa além da luta de classes e da sua dialética, para o plano do idealismo político. Esse modo de pensar está tão longe do marxismo revolucionário quanto as concepções teóricas de Bukhárin (vide o Testamento de Lênin). Apenas, no ar, CPJ que, à p. 121, se sente na obrigação de recordar que Bukhárin é um dos maiores teóricos do marxismo, assume o caráter de uma dogmática jurídica. Tanto melhor, pois faz ressaltar melhor o seu caráter reacionário. […] No campo teórico, a explicação burocrática (e nesse particular o centro faz causa comum com a direita) do funcionamento dos quadros do Estado soviético, debate-se numa contradição insolúvel dentro do marxismo, a saber, o desenvolvimento das forças políticas (sovietes, partido, sindicato) se faz em razão inversa do êxito da construção do socialismo e da liquidação das classes, segundo Marx, Engels e Lênin, precisamente ao contrário da tendência de reforçamento crescente da pressão administrativa sobre as massas, existente na URSS. […] O capítulo sobre o Partido Comunista da União Soviética é sobremodo infeliz… O autor não quer saber se o partido dirigente, pela capacidade de elaboração coletiva de seu programa, e de previsão marxista, continua ou não sendo a força revolucionária que dirige o curso econômico e político da URSS, se a sua massa foi ou não despojada de toda iniciativa política, se lhe foi ou não imposta uma teoria falsa, se o aparelho de Estado abafa o desenvolvimento autônomo dos quadros partidários”. Lívio Xavier, “URSS, um novo mundo”, em Paulo Henrique Martinez. A dinâmica de um pensamento crítico: Caio Prado Jr. (1928-1935) (São Paulo, Edusp/Fapesp, 2008), p. 309-12.

[l] Caio Prado Júnior, URSS, um novo mundo (São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1934), p. 24.

[li] Ibidem, p. 28.

[lii] Ibidem, p. 7.

[liii] Desde a segunda metade da década de 1920 (e, mais ainda, a partir de 1928), a pressão sobre os “trotskistas” e “bukharinistas” se intensificara na URSS e em outros países (inclusive dentro do PCB). No caso do Brasil, já em janeiro de 1930, Astrojildo Pereira seria atacado e obrigado a fazer uma autocrítica, assim como Octavio Brandão, Minervino de Oliveira e Leôncio Basbaum. Em janeiro de 1932, por sua vez, a sessão plenária do Comitê Central do PCB expulsou Astrojildo Pereira, Cristiano Cordeiro, José Casini, Minervino de Oliveira, Everardo Dias, Carlos Villanova, João Freire de Oliveira e Odilon Machado, enquanto em 1934 (portanto, apenas dois anos depois), seria a vez da exclusão de nomes como Mário Grazzini, Heitor Ferreira Lima e Corifeu de Azevedo Marques, ou seja, daqueles acusados de “bukharinismo” ou “astrojildismo” (neste último caso, uma suposta variante nacional do “bukharinismo”, ou seja, uma tendência de “direita” dentro do partido). Ver Lincoln Secco, A batalha dos livros: formação da esquerda no Brasil (Cotia, Ateliê Editorial, 2017),p. 93-5. Este mesmo fenômeno ocorreu em vários outros países.

[liv] De acordo com o historiador Lincoln Secco, “em 1933, houve o expurgo de 18% dos membros”, enquanto, nos três anos anteriores, ocorrera um “aumento significativo” de prisões e execuções. Além disso, “somente em 1937, houve 300 mil delações”. Ainda assim, segundo ele, “o medo e o terror se combinaram a incentivos materiais. Pode-se buscar também na política econômica uma ruptura. A Nova Política Econômica (NEP) foi substituída pela “coletivização forçada no campo”. Para algumas fontes, entre 1937 e 1938, 1.372.392 pessoas foram presas (681.692 delas, executadas). Já o Relatório Khruschov afirmava que foram 1,5 milhão de prisões e 68.692 execuções. Os campos de trabalho forçados teriam recebido no período 1,2 milhão de presos. Secco ainda informa que “o número total de condenados foi de aproximadamente 4 milhões de pessoas” (com 800 mil condenadas à pena capital). Para ele, “os momentos de brusca elevação de sentenciados se deram em 1930-1932, no momento da expulsão dos mencheviques”, e depois, com um “novo aumento em 1937-1938, anos dos famigerados processos de Moscou”. Lincoln Secco, História da União Soviética: uma introdução (São Paulo, Maria Antônia, 2020), p. 57-9.

[lv] Ver Roi A. Medvedev, “O socialismo num só país”, em Eric J. Hobsbawm. História do marxismo: o marxismo na época da Terceira Internacional, a URSS da construção do socialismo ao stalinismo (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986), p. 70. 

[lvi] Ver Antonio Carlos Mazzeo, Sinfonia inacabada: a política dos comunistas no Brasil (São Paulo, Boitempo, 2022), p. 69. Ele lembra que “em fevereiro de 1933, é realizado o XVIII Congresso do Partido Bolchevique –o ‘Congresso dos Vencedores’, isto é, o congresso da consolidação da facção comandada por Stálin- e logo em seguida iniciam-se os Processos de Moscou; é quando também a teoria do socialismo em um só país torna-se uma ‘verdade absoluta’, juntamente com o modelo único de construção do socialismo”. Ver Ibid. 

[lvii] Ver Pierre Broué, O partido bolchevique (São Paulo, Sundermann, 2014), p. 287. 

[lviii] Ver Caio Prado Júnior, URSS, um novo mundo, cit.,p. 121.

[lix] Ver Caio Prado Júnior, URSS, um novo mundo, cit., p. 115. 

[lx] Para uma discussão sobre as características e resultados da coletivização forçada, ver Alec Nove, “Economia soviética e marxismo: qual modelo socialista?”, em Eric J. Hobsbawm. História do marxismo: o marxismo na época da Terceira Internacional, a URSS da construção do socialismo ao stalinismo (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986), p. 123-130; Robert McNeal, “As instituições da Rússia de Stálin”, Ibid, p. 251-256; e Fabio Bettanin. A coletivização da terra na URSS: Stálin e a revolução do alto (1929-1933) (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981).    

[lxi] Ibidem, p. 235. Segundo Caio Prado Júnior, “a burocracia ainda se mantém na União Soviética e continua fazendo grande parte do trabalho administrativo do país. A sua supressão completa depende naturalmente de uma educação política e administrativa da massa trabalhadora que não poderia ser atingida no período relativamente curto da revolução. […] Mesmo assim, contudo, o sistema antiburocrático da administração soviética permanece em essência. Em primeiro lugar, porque o aparelhamento burocrático existente é, por natureza, precário. Ele não assenta, como se dá nos países de organização burguesa, nas necessidades de um regime que não pode contar com a colaboração efetiva e favorável da maioria da população. Funda-se, pelo contrário, em contingências passageiras, em circunstâncias que tendem a desaparecer com o desenvolvimento gradual da educação popular. Doutro lado, esta mesma educação encontra nos sovietes o mais eficiente impulso. Os sovietes constituem a melhor escola de administração pública. Por eles, os trabalhadores soviéticos estão em contato permanente com a administração do país e vão, assim, pela prática de todos os dias, adquirindo a experiência e o preparo que lhes faltam. As palavras de Lênin, ‘é preciso que cada cozinheira aprenda a dirigir o Estado’, encontram nos sovietes a máxima possibilidade de realização. É no contato diário com os negócios públicos que os trabalhadores soviéticos aprenderão a lidar com eles”. Ibidem, p. 36-8. Na verdade, o fenômeno da burocratização, que podia ser identificado desde a primeira metade da década de 1920 (ou seja, mais de dez anos antes da visita de Caio), só iria se ampliar ao longo dos anos. De acordo com Robert McNeal, “no início dos anos 1930, porém, a base real do Partido começou a se tornar cada vez menos proletária, em parte por causa da inserção dos proletários em cargos administrativos e técnicos, em parte por causa do recrutamento de um número cada vez maior de pessoas que ocupavam postos de uma certa responsabilidade no âmbito econômico”. Ver Robert McNeal, “As instituições da Rússia de Stálin”, em Eric J. Hobsbawm. História do marxismo: o marxismo na época da Terceira Internacional, a URSS da construção do socialismo ao stalinismo (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986), p. 250. Sobre a questão da burocratização na URSS, ver, por exemplo, Leon Trótski, The Revolution Betrayed (Nova York, Pathfinder, 1970); Alex Callinicos, Trotskyism (Minneapolis, University of Minnesota Press, 1990); Vladimir I. Lenin, Contra la burocracia/Diario de las secretarias de Lenin (Buenos Aires, Pasado y Presente, 1974); e Tamás Krausz, Reconstructing Lenin: An Intellectual Biography (Nova York, Monthly Review, 2015), p. 338-45. Ver também, no Brasil, Maurício Tragtenberg, “Evolução da Revolução Russa de 1917 até hoje”, em Maurício Tragtenberg, Teoria e ação libertárias (São Paulo, Editora Unesp, 2011), p. 374-85; e Maurício Tragtenberg, “De Lênin ao capitalismo de Estado (parte II)”, em Maurício Tragtenberg, A falência da política (São Paulo, Editora Unesp, 2009), p. 154-9.

[lxii] Caio Prado Júnior, URSS, um novo mundo, cit., p. 235-6.

[lxiii] Nikolai Bukharin, Tratado de materialismo histórico (São Paulo, Edição Caramurú, 1933 e 1934, 4 v.). Vale ressaltar que, na folha de rosto do livro, na parte interna, o título é distinto: A teoria do materialismo histórico: manual popular de sociologia marxista. E o próprio nome da editora é colocado de forma diferente: “Edições Caramurú”. Aqueles eram livros populares, em formato de bolso, bastante baratos e sem maior cuidado editorial.

[lxiv] Edgard Carone, O marxismo no Brasil: das origens a 1964, cit., p. 68 e 88; e Edgard Carone, “Caio Prado Júnior”, cit., p. 214; disponível on-line.   

[lxv] Caio Prado Júnior, URSS, um novo mundo, p. 236.                        

[lxvi] Ver Caio Prado Júnior, URSS, um novo mundo, cit., p. 236-7.

[lxvii] Ver Stephen Cohen, Bukharin: uma biografia política (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990), p. 168-9; e Milovan Djilas, A nova classe: uma análise do sistema comunista (Rio de Janeiro, Livraria Agir, 1958). Bukharin chegou a comentar, ainda na década de 1920, que “nos poros de nosso gigantesco aparato se alojaram elementos de degeneração burocrática absolutamente indiferentes às necessidades das massas, à sua vida e seus interesses materiais e culturais… Os funcionários estão dispostos a elaborar qualquer tipo de plano”. Ver Pierre Broué, O partido bolchevique (São Paulo, Sundermann, 2014), p. 270. Segundo Pierre Broué, Bukharin acreditava que qualquer tentativa de criar recursos econômicos (fosse de forma voluntária ou por “militarização”) não poderia gerar nada além de uma edificação estatal estranha ao espírito do socialismo, sendo isto o principal fator de degeneração que o partido vivia desde 1918. Ver Ibid, p. 271. Sendo assim, segundo aquele dirigente bolchevique, a “participação das massas deve ser garantia fundamental contra uma possível burocratização de um grupo de quadros”. Ver Ibid. Já para Trótski, segundo Brian Pearce, a burocracia no poder não é vista como uma “nova classe”, mas como uma excrescência parasítica, e a sociedade soviética não como um “capitalismo de Estado”, mas como um “Estado operário degenerado”. Ver Brian Pearce, “Trotsky”, em Tom Bottomore, Laurence Harris, V. G. Kiernan e Ralph Miliband (eds.). A Dictionary of Marxist Thought (Cambridge, Harvard University Press, 1983), p. 490; e Pierre Broué, O partido bolchevique (São Paulo, Sundermann, 2014), p. 301. 

[lxviii] Ver Caio Prado Júnior, URSS, um novo mundo, cit., p. 41.

[lxix] Ibidem, p. 62-3.

[lxx] Ver, por exemplo, Ray Gamache, Gareth Jones: Eyewitness to the Holodomor (Welsh Academic Press, 2018); e Gareth Jones, Tell Them We Are Starving: The 1933 Soviet Diaries of Gareth Jones (Kashtan Press, 2015). Já os artigos de Gareth Jones podem ser encontrados em https://www.garethjones.org/soviet_articles/soviet_articles.htm.   

[lxxi] De acordo com Ralph Miliband, “em sua fase inicial, de 1929 a 1933, o stalinismo representava o que o que o próprio Stálin chamava de ‘revolução pelo alto’, projetada para assentar a base para a transformação da União Soviética em um país industrializado”. Ver Ralph Miliband, “Stalinism”, em Tom Bottomore, Laurence Harris, V. G. Kiernan e Ralph Miliband (eds.). A Dictionary of Marxist Thought (Cambridge, Harvard University Press, 1983), p. 462.  

[lxxii] Ibidem, p. 229.

[lxxiii] Ibidem, p. 230-1.

[lxxiv] No apêndice do livro de Julio Álvarez del Vayo, A nova Rússia, os editores informam: “Tendo a casa Garroux, em cujas oficinas se imprimiu esta obra, informado a editora Pax haver a Delegacia de Ordem Política e Social determinado a apreensão dos seus originais, bem como a exibição e venda da obra Impressões de Moscou,por nós editada, não nos conformando com essa medida, requeremos ao exmo. sr. juiz da 2ª Vara Cível de São Paulo um interdito proibitório, que foi publicado na imprensa… Em 23 do corrente, a polícia desta capital, representada pelo Delegado de Ordem Política e Social, intimou o gerente e o chefe das oficinas da casa editora Garraux [para comparecerem na] delegacia, a fim de prestarem declarações sobre as obras que se achavam em impressão nas oficinas tipográficas daquela casa, tendo sido pelos mesmos informada que ali se achavam, nessas condições, entre outras, e por encomenda da suplicante, a obra intitulada A nova Rússia, de Julio Álvarez del Vayo, atual embaixador da República espanhola no México. […] Aquela autoridade ordenou, então, a suspensão imediata dos trabalhos de impressão, exigindo também que fossem levadas à aludida delegacia, e ali depositadas, as provas da referida obra. Além disso, determinou mais, que fossem suspensas as vendas de todas as obras que fizessem quaisquer referências à Rússia, mandando retirá-las das exposições nas vitrines”. Julio Álvarez del Vayo, A nova Rússia (São Paulo, Pax, 1931), p. 153-4. De acordo com Edgard Carone, “de 1931 é a editorial Pax, localizada em São Paulo. Por informação de Astrojildo Pereira, parece que Luiz Carlos Prestes, exilado no Uruguai, foi um dos seus financiadores. Sua linha de divulgação restringe-se a obras de viagem e romances, sendo a primeira no Brasil a fazer aparecer alguns dos já clássicos romances proletários: Michael Gold, Lebedinski, Vierassaief, Larissa Reisner, Kurt Klaber. Da sua linha editorial, além dos viajantes, temos a primeira edição de Kollontai, livro com inúmeras edições posteriores. Ela é fechada com a revolução de 1932”. Edgard Carone O marxismo no Brasil: das origens a 1964 (Rio de Janeiro, Dois Pontos, 1986), p. 67. Nesse sentido, Lincoln Secco informa: “Em 1924, a polícia do Rio de Janeiro queimou mil exemplares do Programa comunista e de O comunismo scientífico de Bukhárin (a tiragem era de 2 mil). No mesmo ano, parte da primeira edição de Rússia proletária e centenas de exemplares da primeira edição brasileira do Manifesto Comunista foram destruídos em Porto Alegre. Boa parte da segunda edição (São Paulo, Unitas, 1931) foi apreendida pela polícia, o que torna a primeira e segunda edições do Manifesto raridades de marxistas bibliófilos. […] O caso do livro de Amadeo Bordiga é mais trágico. Não há referências dele na época. Sua obra O fascismo,com tiragem de 2 mil exemplares, pode ter sido quase totalmente destruída pela polícia”. Lincoln Secco, A batalha dos livros, cit.,p. 85. No caso do livro de Caio, isso ocorre provavelmente “pelas medidas coercitivas do governo em fins de 1935, quando fecha editoras, apreende os seus estoques e processa-as”. Ver Edgard Carone, O marxismo no Brasil, cit., p. 69.     

[lxxv] Ver “Constituída a Sociedade Brasil-URSS”, O Estado de S. Paulo, 25 de junho de 1960, p. 11. 

[lxxvi] Ver, por exemplo, carta de Jacob Bazarian a Caio Prado Júnior, Moscou, 22 de setembro de 1959, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-CP-BAZ006. 

[lxxvii] Jacob Bazarian, Mito e realidade sobre a União Soviética: análise imparcial do regime soviético por um ex-membro do Partido Comunista (São Paulo, s.e., 1970).

[lxxviii] João Pinheiro Neto comenta que “até hoje não se encontram vestígios de supérfluo. O vestuário do povo é modesto. A moradia é precária. Não há automóveis particulares. […] Mas todo esse sacrifício teria de produzir alguma coisa. E produziu. O ritmo do crescimento industrial é espantoso. Os feitos científicos são do conhecimento de todos. […] Em 1918, 97% de analfabetos. Somente 3% nos dias atuais. Três milhões de livros novos são editados por dia na Rússia. As tiragens de Balzac, Cervantes, Shakespeare, Anatole France e Maupassant são, hoje, em língua russa, maiores que quaisquer outras em qualquer língua. […] Na Universidade de Moscou estudam 25 mil alunos, sem despender um níquel, com bolsas de estudos, que variam de acordo com o aproveitamento de cada um. […] É uma realidade contundente, que corresponde às esperanças do homem aflito, desamparado e atônito de nossos dias. Precisa ser entendida, analisada e meditada”. João Pinheiro Neto, URSS, a grande advertência (Rio de Janeiro, Pongetti, 1961), p. 14-5.

[lxxix] Ver Josef Wilczynski. An Encyclopedic Dictionary of Marxism, Socialism and Communism (Londres: The Macmillan Press, 1981), p. 284-285. 

[lxxx] Segundo Raquel Mundim Tôrres, “em 1957, a Intourist começou a receber cinco vezes o número de visitantes anuais do que o período anterior à Segunda Guerra. Apesar de pequeno se comparado ao trânsito para os centros turísticos europeus majoritários, esse número dobrou novamente para um milhão entre 1957 e 1965. Em 1959, a publicidade soviética declarou que a URSS estava aberta para visitantes de todos os países. Novas relações com firmas turísticas estrangeiras foram negociadas, houve reorganização de estruturas bancárias no início da década de 1960, e pronunciamentos públicos de Nikita Khruschov apontavam cada vez mais essa mudança. […] Funcionários da Intourist foram também encorajados a diminuir seus custos. Foi sugerido, por exemplo, que os guias que não levassem os grupos turísticos a tempo de seus voos, deveriam ser penalizados. Caso cumprissem com sucesso suas receitas, os funcionários também receberiam prêmios./ Com o fim da VOKS e o aumento expressivo do comércio na década de 1960, a Intourist passou cada vez mais a fornecer um turismo voltado a lucrar com o consumismo burguês: a partir de 1964, 50% da sua receita passou a ser da venda de souvernirs e mantimentos para os viajantes. Mercadorias passaram a ser vendidas em todas as áreas visitadas pelos estrangeiros”. Ver Raquel Mundim Tôrres, Transpondo a Cortina de Ferro, cit., p. 156-157.   

[lxxxi] João Pinheiro Neto, URSS, a grande advertência, cit., p. 12.   

[lxxxii] Cartão de Caio Prado Júnior a Roberto Nioac Prado, Moscou, 27 jul. 1960, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-RNP120.

[lxxxiii] Ver Carta de Caio Prado Júnior a Roberto Nioac Prado, Wuhan, 21 ago. 1960, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-RNP130.      

[lxxxiv] Idem. 

[lxxxv] Carta de Caio Prado Júnior a Roberto Nioac Prado, Pequim, 1º set. 1960, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-RNP133.

[lxxxvi] Caio Prado Júnior, “Convivência pacífica”, Revista Brasiliense, n. 33, jan.-fev. 1961, p. 5-6.

[lxxxvii] Idem.

[lxxxviii] Idem.

[lxxxix] Nikita Khruschov, O desarmamento geral e completo, garantia da paz e da segurança dos povos: discurso pronunciado em 10 de julho de 1962, no Congresso Mundial pelo Departamento Geral e pela Paz, realizado em Moscou (Rio de Janeiro, Aliança do Brasil, 1962).

[xc] Idem, Impedir a guerra é a tarefa fundamental: trechos de entrevistas, informes e discursos pronunciados nos anos 1956-1963 (Rio de Janeiro, Vitória, 1963).

[xci] Idem, O imperialismo, inimigo dos povos, inimigo da paz: trechos de entrevistas, informes e discursos pronunciados nos anos 1956-1963 (Rio de Janeiro, Vitória, 1963).

[xcii] Idem, Informe sobre a atividade do Comitê Central: discurso de encerramento ao XXII C. PCUS (Rio de Janeiro, Vitória, 1962).

[xciii] Idem, O movimento de libertação nacional: trechos de entrevistas, informes e discursos pronunciados nos anos 1956-1963 (Rio de Janeiro, Vitória, 1963).

[xciv] Idem, O movimento revolucionário operário e comunista: trechos de entrevistas, informes e discursos pronunciados nos anos 1956-1963 (Rio de Janeiro, Vitória, 1963).

[xcv] Caio Prado Júnior, O mundo do socialismo (São Paulo, Brasiliense, 1962), p. 1.

[xcvi] Ibidem, p. 2-3.

[xcvii] Ver carta de Mario Fiorani a Caio Prado Júnior, Fazenda Santa Elza, Santa Cruz das Palmeiras, São Paulo, 24 mar. 1962, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-CP-FIO003; e carta de Moisés Gicovate a Caio Prado Júnior, São Paulo, 2 maio 1962, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-CP-GIC001.

[xcviii] Álvaro Augusto Lopes, “O mundo do socialismo”, A Tribuna, 25 mar. 1962.

[xcix] Elias Chaves Neto, “Biografia do autor”, em Caio Prado Júnior, O mundo do socialismo (São Paulo, Brasiliense, 1967), p. 185.

[c] Edgard Carone, “Caio Prado Júnior”, cit., p. 215; disponível on-line.   

[ci] Caio Prado Júnior, O mundo do socialismo, cit., p. 26.

[cii] Ibidem, p. 27.

[ciii] Ibidem, p. 35-6. Ele ainda afirma: “As concepções igualitaristas continuam sendo, como sempre foram no passado, fortemente criticadas e combatidas na teoria e na prática do regime socialista e colocadas no rol das utopias pequeno-burguesas que não encontram lugar no marxismo. Não é pelo caminho do igualitarismo, isto é, forçando indiscriminadamente para níveis idênticos os padrões de todos os indivíduos, que se marcha para a verdadeira igualdade, isto é, para o comunismo”. Ibidem, p. 145.

[civ] Ibidem, p. 58.

[cv] Ibidem, p. 59.

[cvi] Ibidem, p. 59-60.

[cvii] Ibidem, p. 63.

[cviii] Ibidem, p. 65. Caio Prado Júnior afirmaria que “para as novas gerações, educadas e formadas no socialismo, que na União Soviética já constituem hoje a imensa maioria, a noção da propriedade privada dos meios produtivos, é qualquer coisa de inteiramente estranho, esdrúxulo, modernamente inconcebível, tanto como a prestação de serviços remunerados para particulares, o salariato capitalista. […] Ninguém poderia séria e honestamente defendê-los em nossos dias e pleitear seu retorno. Ibidem, p. 66-7.

[cix] Ibidem, p. 71.

[cx] Ibidem, p. 139.

[cxi] Ibidem, p. 93.

[cxii] Ibidem, p. 107.

[cxiii] Ibidem, p. 148-9.

[cxiv] Ver Luiz Bernardo Pericás, “Caio Prado Júnior: carta a correligionários do PCB (1932) e telegrama para a Embaixada da União Soviética (1968)”, Margem Esquerda,São Paulo, Boitempo, n. 20, mar. 2013, p. 111-7.

[cxv] Ver carta de Sergei Mikhailov a Caio Prado Júnior, 1966, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-CP-EURSS001; e carta de Sergei Mikhailov a Caio Prado Júnior, Rio de Janeiro, 30 de abril de 1968, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-CP-MIK001.   

[cxvi] Ver Luiz Bernardo Pericás, Che Guevara e o debate econômico em Cuba (São Paulo, Boitempo, 2018); e Che Guevara, Apuntes críticos a la economía política (Havana, Ocean Sur, 2006). 

[cxvii] Caio Prado Júnior, O mundo do socialismo,cit., p. 57.

[cxviii] Ibidem, p. 168.

[cxix] Ibidem, p. 169. Caio elogiaria o XXII Congresso do PCUS, de outubro de 1961, e o novo programa do partido para o comunismo. Para mais informações sobre as discussões preparatórias, anteriores a este congresso, ver George Paloczi Horvath. Kruschev: su camino hacia el poder (Buenos Aires: Plaza & Janes, 1963), p. 225-231. E para uma discussão do próprio congresso e do novo programa do partido, ver Wolfgang Leonhard. O futuro do comunismo soviético (Rio de Janeiro: Nórdica, 1977), p. 78-98.          

[cxx] Ver “Tópico do relatório No. 239, de 5 de abril de 1956, SOG, SS”, Sops. 

[cxxi] Caio Prado Júnior, “Através das democracias populares: Tchecoslováquia e Polônia”, Fundamentos, n. 11, São Paulo, jan. 1950, p. 4-13 e “Através das democracias populares: Tchecoslováquia e Polônia”, Fundamentos, n. 12, São Paulo, fev. 1950, p. 31-6.

[cxxii] Ver, por exemplo, carta de Caio Prado Júnior a Roberto Nioac Prado, Havana, 3 de janeiro de 1962, Fundo Caio Prado Júnior, IEB/USP, CPJ-RNP138. No Brasil, Caio deu palestras e participou de eventos em solidariedade a Cuba. Em 26 de julho de 1962, proferiu a conferência “A revolução e a realidade de Cuba”, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos em São Paulo e em 1º de setembro do mesmo ano, deu a palestra “Reforma agrária de Cuba e da América Latina”. Já em 8 de março de 1963, Caio presidiu o ato público na sede do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Construção Civil de São Paulo, preparatório para o Encontro Nacional e o Congresso Continental de Solidariedade a Cuba, que ocorreriam naquele mesmo mês. Cuba também seria mencionada em seus artigos e livros. Ver Caio Prado Júnior, “O estatuto do trabalhador rural”, Revista Brasiliense, No. 47, maio e junho de 1963, e reproduzido em Caio Prado Júnior. A questão agrária no Brasil (São Paulo: Editora Brasiliense, 1979), p. 153-154. Ver também Caio Prado Júnior. A revolução brasileira (São Paulo: Brasiliense, 2004), p. 20-21. 

[cxxiii] Publicado originalmente como “Apresentação”. In: Caio Prado Júnior. URSS, um novo mundo e O mundo do socialismo. São Paulo: Boitempo, 2023. 


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