Vibração ondular

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Por LUIZ RENATO MARTINS*

Um quadro pequeno, estrito e sintético como um projeto, com o valor de um marco histórico

Luiz Sacilotto (1924 – 2003), Vibração ondular,
Pintura: esmalte sobre madeira, 42.5 x 50.5 x 0 cm, 1953

Desafio

No início de 2004, Taisa Palhares, então curadora do acervo da Pinacoteca, organizou um ciclo de conferências, cada uma dedicada a uma peça do acervo. Propôs-me que falasse sobre uma obra de Luiz Sacilotto (1924-2003): Vibração Ondular (1953, esmalte sobre aglomerado, 42,5 x 50,5 cm, São Paulo, Pinacoteca do Estado), um quadro pequeno, estrito e sintético como um projeto, com o valor de um marco histórico. O conteúdo crucial e decisivo da designação se delineou não de pronto, mas quando, ao distinguir o seu teor emblemático e avesso – oposto até ao momento nacional em curso –, comecei a entendê-lo como um chamado a um estudo histórico demorado e denso.

Afinal, como o país havia passado, no curso dos últimos 50 anos, da situação plena de promessas em que fora concebido Vibração ondular, à situação de caos, incertezas e frustrações em que mergulhara? Aceitá-lo ou não? Encruzilhada crucial, prenhe de desdobramentos. Em suas premissas e limites, este livro é um deles.

Diagnóstico: sem futuro

Não fazia muito, àquela altura, que Chico de Oliveira (1933-2019) lançara o seu Ornitorrinco (2003).[i] Com o autor acompanhado, nos debates e mesas-redondas de então, pelo prefaciador Roberto Schwarz e o também interlocutor Paulo Arantes, o tom dominante era o de que o país estava com o futuro amputado e os dias contados.[ii] O salto adiante do capitalismo globalizado liquidara o projeto nacional de modernização em todas as suas variantes. Pulverizaram-se as ideias de nação e da sua formação – assim como a da luta contra o subdesenvolvimento – que haviam informado e permeado decisivamente o debate brasileiro por vários decênios.

De fato, a visão de Vibração ondular, tão destoante no contexto, levantava uma interrogação. Em meio à tônica do desmanche do país, a discreta simplicidade da pintura, composta tão somente de signos brancos e pretos, e de traços distribuídos regularmente, suscitava logo um estranhamento. Este deu lugar à questão: de onde vinha tanta vontade por uma linguagem geometrizada? Afinal, o que acometera e contagiara as artes visuais brasileiras entre 1950 e 1964, ou, na escala geral, entre a volta de Getúlio Vargas (1882-1954) ao poder e o golpe empresarial-militar de 1964?

Reconheci, senão o quadro, o fato em mim, de que fora fisgado – e sem apelo – ante o feitio entre severo e revelador, estranho e familiar. Em suma, deparava a voragem do inquietante ou do unheimlich, no dito de Freud. A vertigem levou-me, como disse, ao que o leitor ora tem em mãos.

Um campo comum

A economia pictórica lacônica soava como a alegoria remota de um país que se supunha rumo ao futuro. Não custou muito que eu fosse dar, a fim de reconstruir a perspectiva do passado, na ideia de “formação de um sistema”, como dizia Antonio Candido (1918-2017). Com efeito, o sentimento de sistematicidade embutido em Vibração ondular, no vigor insólito que trazia, também parecia trazer comportar alguma jovialidade ou novidade.

De fato, é só lembrar brevemente do movimento modernista de 1922. Unidade programática e conversas em comum ocorreram principalmente entre os literatos. Ou, no máximo, constituíram-se diálogos entre Tarsila do Amaral (1886-1973) e o escritor Oswald de Andrade (1890-1954), Anita Malfatti (1889-1964) e Mário de Andrade (1883-1945).

Já entre os pintores, basta um relance sobre suas obras para se notar: Tarsila para um lado, Anita para outro; Di Cavalcanti (1897-1976) para um terceiro. Pintoras e pintores davam-se as costas uns aos outros. Observando-se o que se seguiu, o que se vê é similar. Em suas trajetórias subsequentes, os pintores modernistas parecem ter se desligado de suas próprias obras. Entregaram-se a meios e caminhos díspares. Entraram na marcha errática do ecletismo e da “volubilidade” das ideias[iii] – enfim, na famigerada marcha das mudanças disparatadas, tão características dos processos esvaziados de “causalidade interna”.[iv] Disparidades que não faziam senão espelhar sequelas do passado colonial e da condição periférica irrefletida.

Em contrapartida, o ineditismo do ocorrido no período de 1950 ao pré-64 é marcante. Quando recontamos os fios que vieram a compor aquela vontade de geometria – primeiro uns raros e esparsos, que datam do final do decênio de 1940, e depois a trama espessa e resistente que veio a compô-la nos anos seguintes –, resistente a ponto mesmo de aguentar uma divisão como aquela que rasgou em dois campos rivais em junho de 1957 a arte concreta e a neoconcreta, que proveio da cisão, nota-se, a despeito de tal divisão, a constituição de um campo de linguagem comum, malgrado as divisões e os conflitos da hora.

Apresenta-se assim um processo que, em termos de inclusão e duração, traz dimensões inéditas na história da cultura brasileira. Não é preciso destacar essa diferença, que é muito evidente. O necessário é pensar dialeticamente sua complexidade e desdobramentos, o que não foi feito.

Em síntese, nunca até então as mudanças artísticas de ordem visual haviam ocorrido em tal escala e em tal grau no país. De um modo ou de outro, com a disputa se travando em torno de alguns princípios e objetivos comuns – a ponto de, em sua dinâmica conflituosa, vir-se a constituir um todo denso de questões conexas –, delineou-se o campo, diverso mas unificado, das tendências geométricas da arte brasileira.

Geometrias híbridas

Circularam em tal território, além das correntes programáticas principais – a concreta e a neoconcreta –, muitas experiências artísticas singulares que, de variados modos e em diversos graus, também recorriam à geometria. Assim, atuavam no entorno ou nas margens desse campo vários artistas que, se não inseriam as suas pesquisas nas correntes majoritárias, podem ser alinhados, quanto ao recurso intermitente à geometria, no grupo dos “sincréticos”: Volpi (1896-1988), Flexor (1907-1971), Maria Leontina (1917-1984), Milton Dacosta (1915-1988) etc.[v]

Além disso, quando se aprofunda a prospecção da organicidade dialética do campo em questão, é possível distinguir até nos artistas pró-expressionistas do período, como Oswaldo Goeldi (1895-1961), os sinais de um diálogo em curso ou de uma interação viva e múltipla com as tendências geométricas. Pertencem a tal dinâmica, possivelmente, elementos estruturais da linguagem do último Goeldi, desde meados do decênio de 1940: não apenas o vulto geometrizado do casario, com forte influência no resultado, mas também a espacialidade e os riscos que a engendram, os cortes que atuam como formas econômicas ou sínteses estruturantes das cenas, todos trazem espírito de geometria.[vi]

Em suma, a proposição geometrizada da espacialidade funda e precede, em Goeldi, a definição dos materiais afetivos subjetivos, próprios à tradição expressionista. Desse modo, o espaço geometrizado confere à cena um grau de objetividade bem diverso da ambiência fundamentalmente subjetiva, que é a dos materiais expressionistas na versão original da Europa nórdica.

De modo análogo, a opção de Iberê Camargo (1914-1994) em privilegiar a forma do carretel, no final dos anos 1950, empresta, mesmo inconfessadamente, a inteligência dos esquemas modulares e seriais da arte concreta e neoconcreta. Igualmente, mais adiante, a explosão da “forma-carretel”, que se verifica na obra do pintor gaúcho em meados do decênio de 1960, sugere uma sintonia com a superação dos esquemas formais da arte neoconcreta, nas poéticas de Lygia Clark (1920-1988) e Hélio Oiticica (1937-1980). Enfim, mesmo nas operações de um artista incomum do período, Arthur Amora, um interno da clínica psiquiátrica de Engenho de Dentro, revela-se a presença marcante da geometria.[vii]

Em suma, isso significa que os exemplos mais marcantes da arte brasileira do período são, mesmo na denegação – et pour cause –, todos híbridos de geometria. A predominância da vertente artística geométrica vai a ponto de hibridizar pesquisas artísticas cujos fundamentos lhe seriam naturalmente antitéticos.

Formação

Constituiu-se assim – de fato, e para além de todos os esquemas e dicotomias das tendências e movimentos da arte europeia – a unidade dialética das tendências de marca geométrica na arte brasileira; unidade que alcançou força hegemônica de 1950 a 1964. Coesão entre diversos, e para além dos atritos e rivalidades de grupo e de condutas, manifesta na constituição de um campo discursivo em que os trabalhos interagiam, ainda quando pela repulsão mútua. Debates e confrontos desenvolveram-se assim no curso de um jogo, compreendendo, de um modo ou de outro, determinações recíprocas.

Decerto os termos da questão irão mudar profundamente após 1964, com o movimento da Nova Figuração que carreou alguns expoentes do abstracionismo-geométrico, arrebatando-os tanto do grupo da arte concreta quanto daquele da arte neoconcreta. Mas por ora a questão não é essa e sim estabelecer o núcleo inicial da vontade de geometria. É nele que nasce e se desenvolve a atividade artística de Luiz Sacilotto, que é emblemática da arte concreta, dos seus princípios e objetivos mais caros.

Caso exemplar

Nesse sentido, a obra de Luiz Sacilotto serve como parâmetro coletivo e é útil à aferição do método e da sua aspiração à luz da hora histórica. Com efeito, com sua lógica ética, rigor operacional e a reta austeridade da sua destinação programática, tal poética queria deslocar a forja artesanal e subjetiva da arte, subsumindo a singularidade do trabalho e do caso a um projeto estético maior. Pretendia instituir uma verdade estética atualizada e nutrir um partido poético coletivo. O manifesto Ruptura (1952) era claro quanto a isso.[viii]

Dos casos avulsos ao sistema

Quanto à visão geral e sintética do processo, cabe estabelecer um paralelo histórico. A emergência no país do ciclo das tendências geométricas ecoa e duplica um episódio precedente: aquele da formação do sistema da arquitetura moderna brasileira, cerca de 15 a 20 anos antes.[ix]

A partir de depoimentos e comentários de Lucio Costa (1902-1998), Otília Arantes estabeleceu marcos e fatores decisivos de tal processo.[x] Assim, destacou a formação do sistema, em contraste com a ocorrência de casos avulsos ou “desemparceirados”, como dizia Lucio Costa.[xi] O marco decisivo nessa perspectiva foi a encomenda oficial, em 1937, do projeto arquitetônico para a nova sede do Ministério da Educação e Saúde Pública.

Delineia-se em consequência o processo estruturante de um sistema, integrado por autores, obras e público, unidos por relações mútuas e consistentes o bastante para engendrar parâmetros e elementos transmissíveis de uma experiência para outra, a partir dos nexos recíprocos. Nasce daí uma continuidade na forma de um tecido de experiências históricas entrecruzadas, o qual as experiências posteriores podem consultar e desenvolver.

Gênese e critérios da ideia de formação

O conceito de formação de um sistema artístico-cultural nacional provém de Antonio Candido, que o estabeleceu segundo parâmetros literários, em Formação da Literatura Brasileira – Momentos Decisivos 1750-1880.[xii] Já a ideia original de formação vem de antes. Provém de vários autores que começaram a escrever sobre ela, na esteira das mudanças trazidas pela chamada “Revolução de 1930”: Gilberto Freyre (1900-1987), Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e Caio Prado Jr. (1907-1990).[xiii] Antes, em 1931, Mário de Andrade fora o primeiro em âmbito brasileiro a levantar a questão e a realçar a importância do objetivo da formação.

Algumas gerações antes, Sílvio Romero (1851-1914), que foi estudado por Candido, apontara o problema da ausência de continuidade nas ideias como uma questão brasileira, o que delineou o problema ao qual a ideia de formação buscou responder.[xiv]

Na arquitetura, os elementos que pesaram de modo combinado foram: um fator histórico maior, a Revolução de 1930 e seus desdobramentos políticos e culturais,[xv] e o “influxo externo” ou fato seminal, consubstanciado na vinda ao Brasil do arquiteto franco-suíço Le Corbusier (1887-1965).

No caso da pintura, é notório que desde o início do decênio de 1950 assistiu-se à consolidação progressiva de um habitat para a arte abstrata e geométrica no Brasil, como ocorrera antes na Argentina.[xvi] Daí é que veio se dar a constituição da chamada arte concreta no Brasil.[xvii]

O totem e o habitat

Como no caso do esquema da formação da arquitetura moderna no país, dois fatores, um processo histórico maior e um fato de ordem externa – e com função que se pode dizer “totêmica” –, combinaram-se para resultar na propagação do novo evangelho da arte concreta em círculos artísticos de São Paulo e do Rio de Janeiro.

O processo histórico manifestou-se, dentre outros sinais, pela fundação dos museus que vieram constituir um habitat para as tendências geométricas: o Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 1947, e os dois Museus de Arte Moderna, de São Paulo (MAM-SP), em 1948, e do Rio (MAM-RJ), em 1949. Analogamente, ocorreu em 1951 o início da série das Bienais Internacionais de Arte de São Paulo.[xviii]

Todas essas instituições repousavam no mecenato privado: para ficar no caso de São Paulo, que tomou a dianteira, no industrial F. Matarazzo Sobrinho (1898-1977), responsável pela Bienal e pelo MAM-SP, e no magnata Assis Chateaubriand (1892-1968), proprietário de um conglomerado de jornais e mídias, no caso do MASP. Logo, foi, na verdade, a partir do circuito criado pela expansão capitalista da produção na indústria, nos serviços e no comércio internacional de commodities e manufaturas que a arte concreta se nutriu, tal como suas formações congêneres na América do Sul.

No campo dos discursos visuais, tais florações da geometria eram coetâneas não apenas à expansão da produção de manufaturas e do comércio internacional e à fundação de novos museus, mas à construção de novas instituições multilaterais para regular a economia internacional: o Banco Mundial (1945), o Fundo Monetário Internacional (1945) e a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), da Organização das Nações Unidas (1948).

Partilhavam todas elas de um ideário de racionalidade weberiana. Assim, as linguagens geométricas gravitavam simbolicamente, a seu modo, em torno dos programas desenvolvimentistas de alguns países periféricos, que depositaram otimismo e investiram expectativas de várias ordens na premissa de racionalidade para o comércio e as finanças, alegada pela expansão da produção e do comércio internacional.

Função-totem: naturalizar genealogias externas

À instalação na escala maior de um habitat para as linguagens geométricas – condizente com a adoção de instâncias e padrões de regulação na escala internacional – veio se somar a intervenção pontual de outro fator externo, exercido, no caso, pela vinda em 1950 do artista e arquiteto suíço Max Bill (1908-1994) para uma exposição retrospectiva de suas obras no Museu de Arte de São Paulo. De modo análogo à série de efeitos deflagrados no campo da arquitetura no Brasil pela vinda em 1937 de Le Corbusier, o impacto de Max Bill nas artes visuais brasileiras se traduziu no papel totêmico que exerceu no ciclo das tendências geométricas.

Max Bill era àquela altura o articulador principal da Escola de Ulm, sucedâneo declarado da Bauhaus (1919-33) fundada por Gropius (1883-1969) e fechada pelos nazistas. O arquiteto e designer suíço, estudante da Bauhaus de Dassau em 1927 e 1928, arrebatou por aqui um punhado de jovens interessados ou já iniciados nas linguagens geométricas e no design, e vinculou-os às atividades desenvolvidas em Ulm. Aliás, de modo análogo, também iria levar para lá, em 1955, o artista gráfico argentino Tomás Maldonado (1922-2018).

Em síntese, verificou-se nesses termos a ocorrência combinada de duas tendências características dos processos de dependência: a da intervenção de um agente externo – logo totemizado – em conjugação com a oscilação dual oucompensatória entre o localismo e o cosmopolitismo.[xix] Desse modo, pode-se esquematizar sumariamente os processos ocorridos, tanto em relação a Le Corbusier quanto a Max Bill: o autor estrangeiro, desfrutando do prestígio inerente a um acervo de realizações no exterior, propõe um paradigma novo e, com este, traz perspectivas maiores. Além disso, oferece a possibilidade da união entre um grupo local e instituições metropolitanas.

Resulta daí uma oportunidade de internacionalização e de sair da condição provinciana – em suma, a chance de reconhecimento pelo maior, que é altamente valorizada em culturas periféricas semicoloniais ou dependentes. Tais processos se repetem historicamente, mediante a renovação dos ciclos totêmicos que, por sua vez, estruturam e reproduzem relações de dependência.

Quando a geometria fez prole

Logo veio a I Bienal Internacional de Arte de São Paulo (20.10 – 23.12.1951). Além de Max Bill, nela foram premiados alguns dos jovens locais iniciados nas virtudes da geometria: Antonio Maluf (1926-2005), Ivan Serpa (1923-1973), Almir Mavignier e Abraham Palatnik (1928-2020). Vieram a seguir outros fatos que exaltavam os mesmos valores: a I Exposição Nacional de arte Abstrata, aberta em 20.02.1952 no Hotel Quitandinha, em Petrópolis; o manifesto de fundação do grupo Ruptura e sua primeira exposição em dezembro de 1952, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP).

Seguiu-se a fundação do grupo carioca Frente, cuja mostra inicial, aberta em 30.06.1954, deu-se na galeria do Instituto Cultural Brasil – Estados Unidos, no Rio de Janeiro. A I Exposição Nacional de Arte Concreta – realizada em dezembro de 1956 no MAM-SP (4 – 18.12.1956) e, em seguida, no MAM-RJ (em janeiro e fevereiro de 1957), cuja sede provisória estava então instalada no Ministério da Educação e Saúde – representou o corolário dos esforços de artistas paulistas e cariocas unidos em prol da arte geométrica.

Em junho de 1957 ocorreu o rompimento entre as famílias regionais paulista e carioca, envolvendo diferenças de práticas e de perspectivas. A cisão foi protagonizada, de um lado, pelo crítico de arte e poeta Ferreira Gullar (1930-2016), que viria depois a exercer papel-chave na constituição do movimento neoconcreto, e, de outro, pelos poetas concretos paulistas.[xx] Dessa crise nasceram a I Exposição de Arte Neoconcreta, aberta em 22 de março de 1959, no MAM-RJ, e concomitantemente o “Manifesto neoconcreto”, publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil.[xxi] Enfim, em vez de enfraquecimento, crise e cisão, gerando exposições e manifestos, exibem vigor e abrem novas frentes de produção.

Vibração ondular – caso exemplar

Posto o ângulo geral, ora é preciso também especificar a questão na escala molecular da pintura Vibração ondular, que deflagrou e motiva este estudo. A construção bicromática e curvilínea, mediante sucessão regular de hastes ou segmentos modulares em branco, traçados sobre um plano preto, longe de constituir um achado,arbítrio autoral ou fruto de intenção mimética, estabelece o esquema gráfico rigoroso do desenvolvimento maquinal de uma dinâmica ondular, tal os sinais de um trajeto.

Apresentaria o projeto de um mecanismo ou o diagrama previsto do seu funcionamento? Nesse sentido, se lhe atribuirmos a função de projeto ou planta, bem poderia aludir a uma esteira rolante, ou à representação esquemática parcial de duas peças circulares dentadas que, reciprocamente engatadas, giram de modo inverso.

Registro feito, decerto, não vem ao caso atribuir função à curva, posto que como objeto pictórico o quadro destina-se à contemplação. Nesse sentido, seu significado primeiro é indissociável da afirmação de um programa visual assentado em princípios de clareza e ordem. Além disso, uma vez que as estruturas das duas seções da curva – embora aquela da esquerda tenha sentido ascendente e a da direita descendente – são essencialmente iguais apesar de opostas, pode-se deduzir que a construção, para além dos rumos inversos, atende à simetria, bem como implica desenvolvimentos equitativos, ainda que com sentidos distintos ou opostos; portanto, de certo modo, também sugere liberdade.

São qualidades peculiares à obra? Bem ao contrário, a consulta a trabalhos de Luiz Sacilotto de 1952 e 1953, e de artistas que, ao seu lado, integraram o movimento da arte concreta, indica que Vibração ondular pode ser tomada como exemplo precursor do programa da arte concreta no Brasil.

Na constância dos propósitos e procedimentos, e na homogeneidade dos resultados alcançados nas obras, dois aspectos recorrentes levam a inferir: (ii) a afirmação reiterada da supremacia da ideia sobre a execução, vale dizer, do ato planejado sobre a imprevisibilidade dos fenômenos; (ii) a recusa de ambivalência ou ambiguidade na linguagem adotada.

Ainda uma vez, trata-se acaso de idiossincrasias ou singularidades estilísticas de Luiz Sacilotto? É certo que não. Além de se encontrarem atitudes e obras congêneres em outros artistas do grupo Ruptura, o que ocorre aqui é a aplicação rigorosa dos princípios do manifesto de fundação do grupo – o qual, por sua vez, atende rigorosamente aos preceitos explícitos no texto “Bases da arte concreta”, escrito em 1930 e publicado em Paris pelo artista holandês Theo Van Doesburg (1883-1931).[xxii]

O texto estipulava seis princípios fundamentais para a arte concreta: “(i)a arte é universal; (ii) a obra de arte deve ser inteiramente concebida e formada pelo espírito antes de sua execução. Ela não deve receber nada dos dados formais da natureza, nem da sensualidade, nem da sentimentalidade […]; (iii) o quadro deve ser inteiramente construído com elementos puramente plásticos. Isto é, planos e cores. Um elemento pictural só significa a ‘si próprio’ e, consequentemente, o quadro não tem outra significação que ‘ele mesmo’; (iv) a construção do quadro, assim como seus elementos, deve ser simples e controlada visualmente; (v) a técnica deve ser mecânica, isto é, exata, anti-impressionista; (vi) [impõe-se o] esforço pela clareza absoluta”.

O texto concluía: “a maior parte dos pintores trabalham à maneira dos confeiteiros e das modistas. Ao contrário, nós trabalhamos com os dados das matemáticas (euclidianas ou não euclidianas) e da ciência, isto é, com meios intelectuais. Com o humanismo em arte, justificaram-se muitas bobagens. Se não se consegue traçar uma linha reta à mão livre, toma-se a régua […]. A obra de arte assim concebida realiza a clareza que será a base de uma nova cultura”. [xxiii]

Será que a arte concreta paulista e aquela de Sacilotto, nela incluída, atendem a tais preceitos? Com efeito, em Vibração ondular, inexiste qualquer valor ou artifício tonal, em termos cromáticos. O “pensamento-cor” é claro e distinto. Impera, em Vibração ondular, uma oposição dual entre formas lineares brancas e um fundo preto, que contrastam duramente, ainda mais por serem à base de esmalte. Obedecem, portanto, ao preceito das relações cromáticas “claras, simples e controláveis visualmente”, como preconizavam os princípios referidos da arte concreta.

Igualmente, no âmbito do desenho, tem-se duas séries similares de hastes ou segmentos de reta, que se articulam entre si. Uma série, como vimos, desenvolve-se para cima; a outra, para baixo. A disposição em continuidade dos dois desenvolvimentos totaliza-se na figura ondular, referida pelo título. O segmento ou haste central, que interliga as duas séries, corresponde a uma secção da diagonal principal do quadro. Nenhum dos demais componentes da onda, dada pela distribuição regular das hastes brancas ou dos segmentos modulares, pôs-se tampouco de modo casual ou irregular.

Muito provavelmente, seu traçado foi estabelecido consoante a utilização de régua e similar. Assim, a régua foi fixada, para a série da esquerda, no canto inferior esquerdo, e, para a série da direita, no canto superior direito. Os ângulos regulares e iguais entre um segmento modular e o seguinte devem-se, análoga e provavelmente, ao uso de um transferidor ou equivalente. Em suma, proporções e números iguais, à direita e à esquerda, estabelecem a similitude dos dois desenvolvimentos curvilíneos, apesar dos sentidos inversos.

Tem-se aqui, portanto, o manejo da superfície pictórica mediante o planejamento de seus limites e divisões ou ordens internas, segundo uma lei ou ideia constante. Que ideia é essa? A ideia rítmica, mais gráfica do que pictórica, de duas curvas que evocam trajetórias de ponteiros, de quadrantes distintos e centros opostos, e que se integram numa terceira curva. A última rege a união de ambas em continuidade e simetria. Assim, da justaposição acertada das duas curvas simples nasce uma terceira, essa composta e, como vimos, com o seu ápice à esquerda e seu ponto inferior à direita.

Basta, diria um dos artistas concretos! Nesses termos, apresenta-se estabelecido e fixado o campo de leitura lícito, segundo o projeto original do quadro. Revelou-se à observação atenta como o quadro foi pensado, ou seja, o sistema das leis nele em vigor. É o que se obtém como síntese e corolário do modo de contemplação proposto pela obra.

Com efeito, nos limites da poética concreta é indevido extrapolar os dados apresentados para especular sobre significados, o que acarretaria ultrapassar o universo da pintura, e atribuir – indevidamente – um conteúdo semântico aos componentes gráficos e cromáticos antes referidos. Afinal, consoante a carta de princípios, “o quadro não tem outra significação que ‘ele mesmo’ (…). Uma mulher, uma árvore, uma vaca, são concretos no estado natural, mas no estado de pintura, são abstratos, ilusórios, vagos, especulativos, ao passo que um plano é um plano, uma linha é uma linha; nem mais, nem menos”.

Porém, uma leitura histórica e dialética não pode se ater ao valor de face. Deve seguir a contrapelo do que reza a carta de princípios ou o programa da arte concreta. Sigamos em frente. O que se nota, então, para além do programa-totem e do seu tabu?[xxiv]

*Luiz Renato Martins é professor-orientador do PPG em Artes Visuais (ECA-USP); autor, entre outros livros, de The Long Roots of Formalism in Brazil (Chicago, Haymarket/ HMBS).

Notas


[i] Francisco de OLIVEIRA, Crítica à Razão Dualista / O Ornitorrinco. São Paulo, Boitempo, 2003.

[ii] Ver Roberto SCHWARZ, “Prefácio com Perguntas”, in Francisco de OLIVEIRA, op. cit., pp. 11-23. Ver também “Fim de Século”, in idem, Seqüências Brasileiras, São Paulo, Companhia das Letras, 1999, pp. 155-62; Paulo Eduardo ARANTES, “A Fratura Brasileira do Mundo”, in Zero à Esquerda, São Paulo, Conrad, 2004; e o bloco de textos n. 5, sobre o Brasil, in idem, Extinção, São Paulo, Boitempo, 2007, pp. 245-92.

[iii][iii] Para a volubilidade como traço estético da estrutura social brasileira, ver R. SCHWARZ, Um Mestre na Periferia do Capitalismo, São Paulo, Duas Cidades, 1990, e idem, “Um Mestre na Periferia do Capitalismo” (entrevista) in idem, Seqüências…, op. cit., pp. 220-6.

[iv] “Um estágio fundamental na superação da dependência é a capacidade de produzir obras de primeira ordem, influenciadas, não por modelos estrangeiros imediatos, mas por exemplos nacionais anteriores. Isto significa o estabelecimento do que se poderia chamar um pouco mecanicamente de causalidade interna, que torna inclusive mais fecundos os empréstimos tomados às outras culturas.” Cf. Antonio CANDIDO, “Literatura e Subdesenvolvimento”, in Argumento, ano 1, n. 1, São Paulo, outubro, 1973, republicadoin idem, A Educação pela Noite e Outros Ensaios,São Paulo, Ática, 1989, p. 153.

[v] Ver Paulo Sérgio DUARTE, “Modernos fora dos eixos”, in Aracy AMARAL (org.), Arte Construtiva no Brasil: Coleção Adolpho Leirner [catálogo de mostra], São Paulo, Companhia Melhoramentos/ DBA Artes Gráficas/ MAM-SP, 1998, pp. 183-221.

[vi] Ver, por exemplo, imagens on-line de Oswaldo Goeldi: O Ladrão (1955), <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra32915/o-ladrao>; Favela (s.d.), <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra57998/favela>; Casa Maldita (c. 1955), <http://www.centrovirtualgoeldi.com/paginas.aspx?menu=obras_interior&opcao=F&pagina=221&ano=&FirstYear=&LastYear=&iditem=221>; Silêncio (c. 1957), <http://www.centrovirtualgoeldi.com/paginas.aspx?menu=obras_interior&opcao=F&pagina=493&ano=&FirstYear=&LastYear=&iditem=493>; Noturno (c. 1950, 19,5 × 27 cm), <http://www.centrovirtualgoeldi.com/paginas.aspx?menu=obras_interior&opcao=F&pagina=136&ano=&FirstYear=&LastYear=&iditem=136>; Noturno (c. 1950, 20,8 × 26,9 cm), <http://www.centrovirtualgoeldi.com/paginas.aspx?menu=obras_interior&opcao=F&pagina=138&ano=&FirstYear=&LastYear=&iditem=138>; e Noturno (c. 1950, 20,5 × 27,7 cm), <http://www.centrovirtualgoeldi.com/paginas.aspx?menu=obras_interior&opcao=F&pagina=289&ano=&FirstYear=&LastYear=&iditem=289>.

[vii] As informações sobre Artur Amora são escassas. Para uma nota breve, mas instigante, do pintor Almir Mavignier (1925-2018) – à época diretor-fundador do ateliê de pintura do hospital psiquiátrico do Engenho de Dentro – sobre as composições em preto e branco produzidas por Amora entre 1949 e 1951, pertencentes ao acervo do Museu de Imagens do Inconsciente (Rio de Janeiro), ver <http://www.ccms.saude.gov.br/cincoartistas/amora.php>. Acessado em 16.09.2024.

[viii]“[…] É o velho: todas as variedades e hibridações do naturalismo; a mera negação do naturalismo, isto é, o naturalismo ‘errado’ das crianças, dos loucos, dos ‘primitivos’, dos expressionistas, dos surrealistas, etc…; o não-figurativismo hedonista, produto do gosto gratuito, que busca a mera excitação do prazer ou do desprazer. É o NOVO: as expressões baseadas nos novos princípios artísticos; todas as experiências que tendem à renovação dos valores essenciais da arte visual (espaço-tempo, movimento, e matéria); a intuição artística dotada de princípios claros e inteligentes e de grandes possibilidades de desenvolvimento prático; conferir à arte um lugar definido no quadro do trabalho espiritual contemporâneo, considerando-a um meio de conhecimento deduzível de conceitos, situando-a acima da opinião, exigindo para o seu juízo conhecimento prévio.” Ver Lothar CHARROUX, Waldemar CORDEIRO, Geraldo de BARROS, Kazmer FEJER, Leopold HAAR, Luís SACILOTTO, Anatol WLADYSLAW, “Manifesto Ruptura”, in A. AMARAL (org.), Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950-1962), catálogo de mostra (São Paulo, Pinacoteca do Estado, 14.06 – 03.07.1977; Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna), Rio de Janeiro/ São Paulo, MEC – Funarte/ Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro/ Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo/ Pinacoteca do Estado de São Paulo, 1977, p. 69.

[ix] Ver “‘Forma-livre’: O modo brasileiro de abstração ou mal-estar na história”, in A Terra É Redonda, 20.10.2024, disponível em: https://aterraeredonda.com.br/forma-livre/.

[x] Em “Esquema de Lucio Costa”, Otília Arantes combina elementos do relato e certas ideias decisivas do urbanista ao esquema de Antonio Candido, segundo o qual este apontou a formação de um sistema literário no Brasil que funcionou como um fio condutor dos debates acerca do país. Ver O. B. F. Arantes, “Esquema…”, in Ana Luiza NOBRE, João Masao KAMITA, Otavio LEONÍDIO, Roberto CONDURU (orgs.), Um Modo de Ser Moderno: Lucio Costa e a Crítica Contemporânea, São Paulo, Cosac & Naify, 2004, pp. 84-103.

Para a retomada da mesma perspectiva em torno do problema da formação, em outros ensaios da autora, ver também idem e Paulo Eduardo ARANTES, Sentido da Formação: Três Estudos sobre Antonio Candido, Gilda de Mello e Souza e Lucio Costa, São Paulo, Paz e Terra, 1997.

[xi] Ver L. Costa, “Muita construção, alguma arquitetura e um milagre” in Registro de uma Vivência, Brasília, Empresa das Artes, 1995, apud O. B. F. ARANTES, “Esquema…”, op. cit.

[xii] Ver, para as noções em questão de formação e sistema, Antonio CANDIDO, “Prefácio da Segunda Edição”, in Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos 1750-1880, Rio de Janeiro, Ouro sobre Azul, 2006, pp. 17-22; idem, “Variações sobre temas da Formação” (reunião de entrevistas) in idem, Textos de Intervenção, seleção, apresentação e notas de Vinicius Dantas, São Paulo, Livraria Duas Cidades/ Editora 34, 2002, pp. 93-120.

[xiii] Ver A. CANDIDO, “O significado de Raízes do Brasil”, in S. B. de HOLANDA, Raízes do Brasil, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Ed., 1969, 6ª edição, pp. XI-XXII.

[xiv] “Nossa formação nacional não é natural, não é espontânea, não é, por assim dizer, lógica”, cf. M. de ANDRADE, Aspectos da Literatura Brasileira [1931],São Paulo, Martins, s. d., p. 8, apud P. E. ARANTES, “Providências de um crítico literário na periferia do capitalismo”, in Sentido da Formação…, op. cit., p. 18. Sobre a “descoberta da falta”, por Sílvio Romero, ver idem p. 15. Sobre a evolução e desdobramentos do debate, passando pelas ideias de “tradicionalizar” o novo e da acepção de formação como descolonização, ver R. SCHWARZ, “Os sete fôlegos de um livro”, in idem, Seqüências Brasileiras, op. cit., p. 48 e ss. Sobre observações e reflexões a partir de 1912, de Trótski, acerca da mesma matéria, ver L.R. MARTINS, “Muito além da forma pura”, in Neil Davidson, Desenvolvimento Desigual e Combinado: Modernidade, Modernismo e Revolução Permanente, org. e rev. crítica L.R. Martins, apr. Steve Edwards, pref. Ricardo Antunes, trad. Pedro Rocha de Oliveira, São Paulo, Editora Unifesp/ Ideias Baratas, 2020, pp. 283-348.

[xv] Sobre a Revolução de 30 e seus desdobramentos, ver Antonio CANDIDO, “A Revolução de 30 e a cultura”, in idem, A Educação pela Noite, Rio de Janeiro, Ouro sobre Azul, 2006, 5ª edição, pp. 219-40.

[xvi] Para a precedência e as características de fenômenos similares de surgimento de tendências geométricas na América do Sul, também chamadas de “construtivas” (sic), ver A. AMARAL, “Abstract constructivist trends in Argentina, Brazil, Venezuela, and Colombia”, in Latin American Artists of the Twentieth Century, Waldo Ramussen (ed.) com Fatima Bercht e Elizabeth Ferrer, New York, The Museum of Modern Art, 1993, pp. 86-99. Para a discussão de tal denominação, ver adiante.

[xvii] Em 1947, o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) publicou, no número 9 da revista Joaquim, de Curitiba, o artigo “Invencionismo” sobre os pintores concretos argentinos (devo tal indicação a Aracy Amaral). Entre 1948 e 49, Mário Pedrosa escreveu a sua tese sobre a gestalt: Da Natureza Afetiva da Obra de Arte (apresentada em 1949). Paralelamente, alguns artistas, quase sempre isoladamente, começaram a realizar experiências com formas geométricas: Mary Vieira (1927-2001), Franz Weissmann (1911-2005), Luiz Sacilotto (1924-2003), Abraham Palatnik (1928-2020), Almir Mavignier (1925), Geraldo de Barros (1923-1998), Waldemar Cordeiro (1925-1973), então na Itália, etc. Para a tese de Pedrosa, ver M. PEDROSA, Forma e Percepção Estética: Textos Escolhidos II, org. O. B. F. Arantes, São Paulo, Edusp, 1996, pp. 105-230. Ver também a respeito O. B. F. ARANTES, Mário Pedrosa: Itinerário Crítico, São Paulo, Cosac & Naify, 2005, p. 55.

[xviii] Ver Mário PEDROSA, “A Bienal de cá para lá”, in idem, Política das Artes: Textos Escolhidos I, organização e apresentação Otília Beatriz Fiori Arantes, São Paulo, Edusp, 1995, pp. 216-84. Ver também Francisco ALAMBERT e Polyana CANHETE, Bienais de São Paulo: da Era dos Museus à Era dos Curadores, São Paulo, Boitempo, 2004.

[xix] “Se fosse possível estabelecer uma lei de evolução de nossa vida espiritual, poderíamos talvez dizer que toda ela se rege pela dialética do localismo e do cosmopolitismo, manifestada pelos modos mais diversos. Ora a afirmação premeditada e por vezes violenta do nacionalismo literário, com veleidades de criar até uma língua diversa; ora o declarado conformismo, a imitação consciente dos padrões europeus. […] Pode-se chamar dialético a esse processo porque ele tem realmente consistido numa integração progressiva de experiência literária e espiritual, por meio da tensão entre o dado local (que se apresenta como substância da expressão) e os moldes herdados da tradição européia (que se apresentam como forma da expressão).” A. CANDIDO, “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, in idem, Literatura e Sociedade, Rio de Janeiro, Ouro sobre Azul, 2008, 10ª edição, p. 117.

[xx] A cisão dos grupos foi selada com a publicação de dois textos: do lado carioca, “Poesia concreta: uma experiência intuitiva”, de Reynaldo Jardim (1926-2011), Ferreira Gullar e Oliveira Bastos; do lado paulista, “Da fenomenologia da composição à matemática da composição”, de Haroldo de Campos (1929-2003). Cf. A. AMARAL (org.), Arte Construtiva…, op. cit., p. 294.

[xxi] O manifesto saiu na edição Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21-22.03.1959, firmado por: Amilcar de Castro (1920-2002), Ferreira Gullar, Franz Weissmann (1911-2005), Lygia Clark (1920-1988), Lygia Pape (1927-2004), Reynaldo Jardim e Theon Spanudis (1915-1986).

[xxii] O termo “arte concreta obteve seu certificado oficial de nascença numa revista de mesmo título, editada por Van Doesburg. Companheiro de Mondrian (1872-1944) no movimento neoplasticista, ele foi também professor da Bauhaus, de 1922 a 1924.

[xxiii] Cf. T. Van Doesburg, “Arte Concreta”, apud A. AMARAL (org.), Projeto Construtivo…, op. cit., pp. 42-44.

[xxiv] Agradeço a revisão de Regina Araki.


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