Mr. Trump: o pix é nosso!

Imagem: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
image_pdf

Por LISZT VIEIRA*

O Pix, inovação brasileira que oferece transferência gratuitas, desafia o capitalismo neoliberal defendido por Trump, que vê na gratuidade uma ameaça aos lucros das grandes empresas estadunidenses

1.

Donald Trump é um ferrenho defensor do capitalismo, que tende a transformar tudo em mercadoria. Em sua versão neoliberal, transforma até direitos em mercadoria.

O capitalismo em crise encontrou em Donald Trump um guerreiro que defende de forma intransigente os interesses das empresas dos EUA. Essa é a fonte principal das taxações comerciais impostas a vários países, inclusive o Brasil, punido com 50% de taxas sobre produtos brasileiros. Isso representa um golpe forte na economia brasileira, mas também vai prejudicar a economia americana, com aumento da inflação e carência de produtos.

Talvez o melhor exemplo seja o Pix que poderia estar dando lucros fantásticos a empresas americanas. Em vez disso, é de graça! Como assim, não precisa pagar para mandar um Pix? Isso é um absurdo! É um atentado às empresas dos EUA como, por exemplo, a VISA e a Mastercard. A ofensiva de Donald Trump vai acabar produzindo uma campanha do tipo: O Pix é nosso!

Como assinalou o cientista político Sebastião Velasco e Cruz, ao acionar o Departamento de Comércio contra o Brasil, Donald Trump sinaliza passar de taxação à sanção, o que tem implicações muito mais graves. E, acrescenta ele, Donald Trump nega o ditado que diz “Quando um não quer, dois não brigam”. Nesse caso, um não quer mas os dois brigam, porque o que não quer é obrigado a brigar.

A taxação de Donald Trump possibilitou a Lula fazer o discurso de defesa da soberania nacional e dos interesses da economia brasileira. Os políticos trumpistas de direita, como Jair Bolsonaro, Tarcísio de Freitas e outros, que sempre defenderam Donald Trump, tornaram-se inimigos da economia brasileira e estão sendo atacados até mesmo por jornais conservadores, como o Estadão, tradicional defensor da burguesia paulista.

Os setores econômicos afetados pressionaram o Governo Lula para pedir negociação, o que foi feito. Mas negociar com Donald Trump? Ele rompe hoje o acordo de ontem, e vai romper amanhã o acordo de hoje. E o problema não é só com o Brasil. Donald Trump impôs taxas comerciais ao Canadá, México, União Europeia, Japão, China, Coreia do Sul etc.

2.

Donald Trump simboliza o declínio da economia norte-americana e a crise da hegemonia unilateral dos EUA no mundo, que tende hoje à multipolaridade. Essa transição é permeada de conflitos e guerras. Donald Trump ataca os países que apoiam o BRICS que propõe, a longo prazo, a criação de uma nova moeda internacional para substituir o dólar. E a OTAN ameaçou o Brasil por ter relações comerciais com a Rússia.

Mas Donald Trump paga um preço político importante. Internamente: a inflação vai levar ao descrédito do seu governo. No exterior, o apoio militar direto a guerras, como o apoio a Israel e sua ofensiva militar no Oriente Médio, já começou a desacreditar Donald Trump que havia se comprometido em abandonar guerras e se concentrar nos seus lemas de MAGA e America First. No caso de Israel, só pessoas muito ingênuas ou de má fé acreditam que Israel está se defendendo do ataque terrorista do Hamas.

O genocídio do povo palestino, com massacre de milhares de crianças e civis, escandalizou a consciência moral da humanidade e deixou a nu a atitude cúmplice da Europa que finge ignorar o genocídio. E, em 16 de julho último, Israel bombardeou a Síria, em mais um gesto de dominar o Oriente Médio como braço militar dos EUA na região.

Tudo indica que a decadência do capitalismo norte-americano levará a mais conflitos e guerras. Em defesa das empresas dos EUA e de seus investimentos e lucros, Donald Trump entra em conflito com o resto do mundo. No caso do Brasil, está na hora de rever os acordos político e militares como, por exemplo, os exercícios militares dos EUA no Brasil. O Governo Lula deveria pressionar as Forças Armadas para rever acordos de cooperação militar com um país que declarou guerra comercial com o Brasil.

A percepção sobre as tradicionais relações de amizade do Brasil com os Estados Unidos tende a sofrer uma mudança paradigmática. O molho açucarado está sendo substituído pelo amargo fel da realidade. E isso deixa a direita sem discurso e perdida entre defender Donald Trump ou defender o Brasil.

O Governo Lula, enredado nos acordos com a direita em nome da governabilidade, foi empurrado para a esquerda por Donald Trump e também pelo Congresso ao rejeitar o projeto do IOF. Lula defendeu a soberania nacional e a justiça tributária, e seu índice de apoio no eleitorado já avançou segundo a última pesquisa Quaest. Enquanto isso, a direita, sem rumo, vai levar um bom tempo buscando um candidato não comprometido com o bolsonarismo trumpista.

*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond). [https://amzn.to/3sQ7Qn3]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Energia nuclear brasileira
06 Dec 2025 Por ANA LUIZA ROCHA PORTO & FERNANDO MARTINI: Em um momento decisivo, a soberania energética e o destino nacional se encontram na encruzilhada da tecnologia nuclear
3
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
4
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
5
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
6
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
7
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
8
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
9
Considerações sobre o marxismo ocidental
07 Dec 2025 Por RICARDO MUSSE: Breves considerações sobre o livro de Perry Anderson
10
O agente secreto
07 Dec 2025 Por LINDBERG CAMPOS: Considerações sobre o filme de Kleber Mendonça Filho, em exibição nos cinemas
11
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
12
Insurreições negras no Brasil
08 Dec 2025 Por MÁRIO MAESTRI: Um pequeno clássico esquecido da historiografia marxista brasileira
13
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
14
As lágrimas amargas de Michelle Bolsonaro
07 Dec 2025 Por CAIO VASCONCELLOS: Estetização da política e melodrama: A performance política de Michelle como contraponto emocional e religioso ao estilo agressivo de Jair Bolsonaro
15
O empreendedorismo e a economia solidária – parte 2
08 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Quando a lógica do empreendedorismo contamina a Economia Solidária, o projeto que prometia um futuro pós-capitalista pode estar reproduzindo os mesmos circuitos que deseja superar
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES