A lógica do capital

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ALYSSON LEANDRO MASCARO*

Ao capitalismo, o Brasil já é o que deve ser. O desenvolvimento será socialista

As posições relativas dos países no desenvolvimento capitalista mundial não são devidas a incapacidades ou omissões ou ausência de vontades e de acordos suficientes para o progresso. São, fundamentalmente, posições materialmente bastantes de exploração, dominação e acumulação. Por isso, não cabe a imagem de um topo geopolítico mundial ao qual alguns países subiram por esforço e mérito, cabendo aos demais chegarem também.

A divisão de classes e as diferenças entre países e formações sociais no plano externo e interno são exatamente o modelo de reprodução social capitalista. O Brasil, mesmo sendo periférico no quadro mundial, é grande o suficiente para não poder se resolver de modo autônomo sem impactar os interesses do capital internacional, que se interpenetra de modo indissolúvel com o capital brasileiro. Nessa dialética de potência e limite, não faltaram meios econômicos, quadros nem ideias que ensejassem um pleno desenvolvimentismo capitalista brasileiro: faltam estruturas de sociabilidade.

A contradição do Brasil é exatamente a mesma contradição do capitalismo no plano mundial. Não será por melhor astúcia, acordo, suavidade, concórdia, boa razão, republicanismo, legalidade e cumprimento dos princípios constitucionais, ou por exaustão das mesmas tentativas, que o desenvolvimento estável e inclusivo então chegará ao Brasil: o erro é na forma da luta, não na arte do empreendimento. Pelo século XX, formações sociais de grande peso no mundo, como é o peso da brasileira, só cambiaram com êxito mediante revoluções socialistas.

Os casos russo e chinês dão demonstrações de refundações da sociabilidade e de suas instituições que se provaram suficientes para uma reescrita pujante de suas próprias histórias. Muito disso se deve à aglutinação social das classes trabalhadoras – via de regra forjada mediante guerras – e, em especial, pela tomada de poder autonomista e progressista que altera estruturalmente instituições como as forças armadas (no caso russo e chinês, reformuladas a partir de novo padrão, de exércitos populares) ou mesmo as funções institucionais executivas, legislativas e judiciárias (também reescritas em tais países mediante o centralismo de partidos comunistas).

Os casos de câmbio progressista dentro do sistema capitalista só se deram sob subordinação aos Estados Unidos e mediante estrito interesse geopolítico deste – Europa sob plano Marshall, Coreia do Sul e Japão como cunhas no oriente soviético-chinês. Mas o Brasil representa aos interesses dos EUA, exatamente, aquilo que já é. Tudo o que caminhar a ser distinto altera posições e sofre imediato bloqueio. E, no que tange às relações sociais internas, as classes capitalistas e os grupos dominantes do Brasil não esperam outro tipo de pujança nem se orientam pela igualdade e pelo progresso de pobres e trabalhadores, igual a qualquer outra classe capitalista e dominante de qualquer outro país capitalista do mundo.

A lógica do capital é a manutenção suficiente e ótima dos próprios padrões de acumulação já dados, ou a modulação apenas para sua ampliação. Por isso, uma transformação social progressista só pode se dar mediante as classes trabalhadoras. Sob condições capitalistas, o capital e suas instituições destroem as lutas inclusivas logo que tal processo comece a se concretizar. Somente a ruptura das formas, com novas coesões e forjas de poder, ação e interesses, conduzindo ao término da dinâmica de acumulação do capital, é capaz de reestruturar a sociedade brasileira, bem como qualquer outra sociedade.

Todas as outras tentativas, operando dentro das formas do capital, são tragadas e bloqueadas pelas próprias formas e instituições já dadas. Avista-se, para as contradições estruturais das lutas sob o capitalismo, apenas uma fresta estreita na história, a revolução que altere o modo de produção. Os câmbios socialistas são difíceis como o foram e têm sido já há quase dois séculos por muitas plagas do mundo, mas, peculiarmente, são ainda assim mais fáceis do que mudar uma sociedade da exploração para a inclusão mantendo o quadro geral das formas e instituições que só operam a acumulação e que bloqueiam o câmbio progressista. A história é aberta. A utopia é concreta. O desenvolvimento é possível. Se existir de modo vitorioso e perene, ele será socialista.

*Alysson Leandro Mascaro é professor da Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros livros, de Estado e forma política (Boitempo).

“Teses sobre desenvolvimento e capitalismo”, publicado originalmente no livro Utopias para Reconstruir o Brasil, organizado  por Gilberto Bercovici, João Sicsú e Renan Aguiar. Rio de Janeiro, Editora Quartier Latin do Brasil, 2020.

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
João Sette Whitaker Ferreira Jean Marc Von Der Weid Paulo Fernandes Silveira Marcos Silva Eliziário Andrade Tarso Genro José Raimundo Trindade Carla Teixeira Heraldo Campos Andrew Korybko Igor Felippe Santos Lucas Fiaschetti Estevez Marcelo Módolo Alysson Leandro Mascaro Samuel Kilsztajn Paulo Martins José Costa Júnior Luiz Carlos Bresser-Pereira Luiz Marques André Singer José Geraldo Couto Boaventura de Sousa Santos Chico Whitaker Daniel Afonso da Silva Luis Felipe Miguel João Adolfo Hansen Anselm Jappe Francisco Fernandes Ladeira Jorge Luiz Souto Maior José Luís Fiori Sergio Amadeu da Silveira Renato Dagnino Luiz Werneck Vianna Dênis de Moraes Claudio Katz Ari Marcelo Solon José Dirceu Michel Goulart da Silva Daniel Costa Manuel Domingos Neto Tadeu Valadares Gilberto Maringoni Ronald Rocha Thomas Piketty Lincoln Secco Antônio Sales Rios Neto Leonardo Avritzer Airton Paschoa Vanderlei Tenório Alexandre Aragão de Albuquerque Armando Boito Eugênio Bucci Rafael R. Ioris Caio Bugiato Ricardo Antunes Yuri Martins-Fontes João Carlos Salles Sandra Bitencourt Francisco de Oliveira Barros Júnior Celso Frederico Otaviano Helene Antonio Martins Ronald León Núñez Marilia Pacheco Fiorillo Andrés del Río Gilberto Lopes Julian Rodrigues Rubens Pinto Lyra Luiz Roberto Alves Eleonora Albano Liszt Vieira Berenice Bento Slavoj Žižek Paulo Nogueira Batista Jr Vladimir Safatle Antonino Infranca Dennis Oliveira Luciano Nascimento Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Tales Ab'Sáber Rodrigo de Faria Denilson Cordeiro Marcos Aurélio da Silva Fernão Pessoa Ramos Mário Maestri Leda Maria Paulani Elias Jabbour Everaldo de Oliveira Andrade Marjorie C. Marona Luís Fernando Vitagliano Paulo Capel Narvai Matheus Silveira de Souza Afrânio Catani Milton Pinheiro João Lanari Bo Érico Andrade Chico Alencar Ricardo Fabbrini Anderson Alves Esteves Jean Pierre Chauvin Vinício Carrilho Martinez Gabriel Cohn Remy José Fontana Marilena Chauí Leonardo Boff Eugênio Trivinho Fernando Nogueira da Costa Atilio A. Boron José Machado Moita Neto Paulo Sérgio Pinheiro Juarez Guimarães Bruno Machado Benicio Viero Schmidt Alexandre de Lima Castro Tranjan Leonardo Sacramento Jorge Branco Francisco Pereira de Farias Bruno Fabricio Alcebino da Silva João Feres Júnior Bernardo Ricupero Lorenzo Vitral Eleutério F. S. Prado André Márcio Neves Soares Luiz Renato Martins Ronaldo Tadeu de Souza Luiz Bernardo Pericás Walnice Nogueira Galvão Valerio Arcary Salem Nasser João Carlos Loebens Ricardo Musse Luiz Eduardo Soares Gerson Almeida Priscila Figueiredo Ricardo Abramovay Marcelo Guimarães Lima Maria Rita Kehl Carlos Tautz Alexandre de Freitas Barbosa Manchetômetro Celso Favaretto Flávio R. Kothe Osvaldo Coggiola Fábio Konder Comparato Kátia Gerab Baggio Annateresa Fabris Henry Burnett João Paulo Ayub Fonseca Michael Löwy Bento Prado Jr. Marcus Ianoni Flávio Aguiar Michael Roberts Daniel Brazil Plínio de Arruda Sampaio Jr. Henri Acselrad Eduardo Borges Ladislau Dowbor José Micaelson Lacerda Morais Mariarosaria Fabris

NOVAS PUBLICAÇÕES