Justiça para as cidades

Imagem: Caroline Cagnin
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Por ALFREDO ATTIÉ*

Uma teoria para a justiça misturada à cidadania: justiça cidadã e cidadania justa

Just what is truth? I cannot tell, cannot feel.”[i]

O presente texto pretende ser uma breve discussão sobre o tema da justiça — como prática e valor, por um lado, e como instituição, por outro —, com o objetivo de formular a propostas ou um projeto de uma justiça para a cidade.

Tento entender a razão de inexistência de uma estrutura de justiça mais próxima de cidadãos e cidadãs, e propor algo que possa ser constituído e implementado pela, e na cidade, com a participação do povo e exercício pelo próprio povo. E que sirva como equipamento público  (que pode ser implementado sem muitos custos, nos próprios equipamentos municipais existentes, como escolas, bibliotecas, parques e centros de cultura) e experiência educacional e cultural para a recondução de suas experiências cotidianas — que têm sido de injustiças constantes, em casa, nas vias públicas, no transporte, nas escolas, no trabalho e até nas atividades de lazer –  para a confiança recíproca, para a criação de laços de convivência e corresponsabilidade pela segurança da vida comum.

Desse projeto de justiça cidadã também faz parte a implementação de espaços, tempos e mecanismos de encontro presenciais e virtuais para a discussão das mais variadas questões locais e regionais, que possam ser ampliadas pela criação de uma rede social pública, que sirva não apenas para que o povo seja chamado com frequência para decidir questões por plebiscitos e referendos, mas também para debater termas de interesse comunitário e comum. Penso que a capacidade de se reunir e debater temas é importante. Mais importante, porém, é que esses debates gerem decisões, de responsabilidade ou corresponsabilidade das pessoas que participam da discussão.  É um investimento em autonomia com responsabilidade, capacitação e empoderamento sobretudo de jovens, mas de todo mundo que possua desejo de fazer e participar, de mudar o modo como as coisas se têm apresentado, que habilita à construção da cidadania, em seu verdadeiro, talvez único, sentido.[ii]

A seguir, passo, portanto, a justificar teoricamente a proposta que compõe o cerne do presente trabalho.

Ela inclui o projeto de uma justiça-cidadã, de instrumentos de participação no governo, na governação e no controle do poder, e uma discussão e propostas relativas aos Conselhos municipais e aos Conselhos de Representantes.

Uma teoria para a justiça misturada à cidadania: justiça cidadã e cidadania justa

A justiça é o motor da cidadania.[iii] Cidadania não é apenas sinônimo de política, mas, em verdade, é o seu substituto, na modernidade, que preferiu guardar o nome latino da civitas para o que os gregos chamavam de polis. Política é a qualidade da polis, o que lhe dá vida, pela presença das pessoas que ocupam seu espaço e seu tempo, exercendo as atividades ligadas à sua constituição como lugar e tempo da experiência comum. Portanto, na nossa época, é a cidadania que exerce esse papel constitutivo, assim se tornando a qualidade da cidade.[iv]

Essa capacidade de experienciar as coisas com os outros, na conjunção do espaço e no tempo materiais e imateriais da cidade, é que vincula a justiça à cidadania. Isso porque as relações que se estabelecem entre as pessoas e as coisas, na cidade, tocam a sensibilidade dos que delas participam, além de serem compreendias como justas ou injustas segundo critérios que a própria convivência conduz e expressa. É preciso, para que a cultura se encaminhe para a compreensão do que significa, na prática cotidiana, que haja um mecanismo que interprete os sinais das relações na cidade, para dizer o que é justo e o que é injusto. É preciso que a palavra tome o lugar da força e se imponha na diferenciação das experiências que encaminham a uma vida melhor, portanto mais justa, para todo mundo, e não apenas para uma minoria que se apropria de direitos e os constitui em privilégios, que negam deveres e políticas efetivamente públicas.

A justiça, assim, aparece nas reivindicações ainda mais do que a igualdade,[v], ou mesmo da liberdade. Ainda mais hoje em dia, em que há a busca da afirmação das diferenças, vistas como sinais da identidade e da diversidade,[vi] que se opõe à universalidade, esta considerada como falsa, na medida em que o que é diferente é posto fora do ambiente de exercício de direitos. Isso por razões históricas que se tornaram parte de uma cultura perversa de discriminações e preconceitos, gerando hierarquias, além de violência constante, voltada para proteger os que têm contra os que não têm. Essa perversidade cultural das relações e a violência real e simbólica que a acompanha e caracteriza são os maiores fatores de insegurança pública: testemunhar e sofrer injustiças e violências todos os dias e não enxergar soluções, sentir que as coisas não mudam leva à desagregação social, destruição de laços que conectam e conferem confiança ao viver comum.

A justiça, assim, é fator de agregação social e política, porque ela é indicação de confiança e comodidade, de se sentir bem com os outros — ao lado deles. Por isso, ela traz segurança[vii] à cidade. É como se, no ambiente social — sem que percebamos essa presença materialmente -, fossem instalados de mecanismo de compensação das frustrações do dia-a-dia, que permitissem recuperar energias perdidas pelos obstáculos que se opõem — numa sociedade injusta, não apenas porque desigual ao extremo, mas também por motivos o mais diversos de insatisfação constante, geradores de conflitos que não se resolvem — e permitir o exercício de pensamento e de atividades de solução desses entraves, de desatamento dos vários nós da convivência. Essa presença imaterial de mecanismos é capturada por empreendimentos privados, que buscam fazer uso dessas necessidades de acomodação e de satisfação quase que exclusivamente para fins lucrativos: é a origem e o motor das redes sociais, que conseguem exercer uma atração ainda maior do que comer pipoca em frente da televisão ou no cinema.

É assim que a justiça se dá entre as pessoas. Não apenas porque não há justiça no isolamento. – em si mesmo injusto, em decorrência da condição humana gregária -, mas porque a justiça ocupa esse instante e esse espaço vazio entre todos as pessoas, todos nós. Ela é como que uma força que aproxima (quando se sente que a situação é justa) e desaproxima as pessoas (quando, ao contrário, a percepção é de que o que se instala é injusto). O que é injusto incomoda. O que é justo acomoda. Isso tudo nas tensões constantes das relações humanas.

Concretamente, a justiça por se constituir em uma rede social ou política pública, em contraponto às redes privadas, nas quais há um sentido único de exploração constante. Comunicar-se sem ser explorado, oprimido, submetido, enganado é fundamental para uma existência feliz. A justiça é e pode ser esse meio de comunicação saudável, não porque seja perfeita, mas porque permite a cada pessoa que sinta que a solução dos problemas está em seu poder, em suas mãos. E que cada um não está sozinho com seus problemas e revezes, pode contar com os outros, por meio de mecanismos concretos. Para isso, a justiça-instituição não pode ficar apenas nas mãos do Estado e de seus agentes (juízes, juízas, desembargadores, desembargadoras, ministros, ministras, na coleção de vocábulos hierarquizados dessa instituição). Na verdade, esse tomar conta da justiça por um grupo social é sinônimo de privatização e violência, pois tira das pessoas — de todas, mas sobretudo das mais comuns — a capacidade e a visão da capacidade de resolver problemas com as demais, de poder decidir seu destino, cada destino e o destino comum.

O ser humano não é justo no isolamento, mas na relação com os outros. É preciso pensar na justiça, então, como presença e como encontro. E pensar no tempo/espaço (experiência/aproximação/convivência/cidadania) público não como res publica, mas como cidade, política/cidadania.

Assim, fazer justiça é criar um tempo e um espaço apropriados para o encontro: prática social de se reunir para discutir e resolver um problema — como no “dr” — o (discutir a relação), que tanto anima uns e assusta outros, entre os casais. Se o dr é uma experiência na intimidade, que permite expor insatisfações e acomodar diferenças, solucionar problemas entre casais, portanto problemas sociais, no seu aspecto mais pequeno, e não apenas pessoais, que exigem exposição, expressão, coragem de dizer o que desgosta ou pode desgostar, praticada, não sem dificuldades, nas relações humanas, é preciso criar um momento e um espaço para que as relações da pluralidade se expressem e se exponham, para compor uma solução que aprimore a vida das pessoas envolvidas, todas as pessoas. Esse momento e esse espaço formam a justiça autenticamente instituição (política) e permitem realizar justiça, bem e valor (políticos). E disso se vê como é nocivo jogar todas as cartas numa instituição da justiça que aliena as pessoas de sua capacidade de dizer e melhorar a experiência, a sensação, o sentimento comum.

Assim como a política se dá por criação, ocupação e comunicação do espaço/tempo público da cidade, a justiça se faz, constrói-se pela criação do tempo/espaço de encontro e decisões agonísticas coletivas.

A política e a justiça se fazem com originalidade de criar espaços e tempos novos

Não se recuperam instituições, que, igualmente, são refratárias a qualquer processo de mudança, mesmo a pequenas reformas. Um projeto de justiça para a cidade tem que ser original: o povo vai ocupar/criar o tempo/espaço público, construir mecanismos de compreensão, orquestração, composição, cooperação, governo, governação e controle do que se dispõe nesse novo espaço/tempo (dizer, decidir, fazer, realizar, como práxis e poíesis).

Parte-se da ideia evidente de que há uma ausência. Uma ausência que não é sem querer, resultado de descuido com o que é público. A ausência é proposital. Visa a justificar a usurpação da justiça pelos que são donos do poder e impedem consciência e ação por meio de mecanismos que permitam compreender a realidade das injustiças, seus motivos e motivações. Lembro o momento importante da ocupação pelos estudantes das escolas, na luta por participação e melhor educação. Passaram a olhar o ambiente das escolas e refletir sobre o que ali faltava: educação — as escolas negavam a si mesmas e denegavam futuro a seus sujeitos. Houve, também, olhar sobre o entorno das escolas, o contexto em que se mostravam ausentes: estudantes subiram em lajes e nas escassas árvores das escolas e viram o bairro em que moravam, suas precariedades, as ausências que ali dramaticamente se faziam presentes aos olhares jovens e ávidos por transformar a violência a que estavam submetidos, como sujeitos-súditos.[viii]

Essa criação é constante, faz-se e se refaz, inventa e reinventa-se continuamente, porque é não só ação/emoção (movimento), mas reação/paixão (contramovimento), resistência e oposição à permanência dos ataques dos poucos detentores do poder, que querem exclusividade, em seus projetos, literalmente, oligárquicos da ganância e da violência.

Justiça é participação e partilha

Por definição, a justiça é participativa: partilha e compartilha bens (materiais e imateriais) e põe no circuito das relações (redes) valores que se contrapõem aos do circuito material a que estamos habituados como consumidores e consumidoras de bens e serviços. A justiça é um comércio (circulação, fluição, troca) de valores. Contrasta e desafia a pretensa naturalidade ou normalidade da prática e do discurso comerciais predominantes, quase que exclusivos, com as quais se pretende impor a ilusão de um espaço/tempo públicos, fazendo ocupar corações e mentes das pessoas com a presença do mercado. Marketing é a constituição e a reiteração constante, repetitiva e intimidatória, que exige repetição e gera permanente insatisfação, anticatártica, de necessidades inventadas. O mercado é um ruído[ix] que atrapalha e quase impede que se escute o chamado (do) público. A música da presença, que tem capacidade de embalar os encontros, e os desejos que animam esses encontros e as trocas que geram. Assim, a justiça não é apenas, muito menos principalmente, uma instituição provedora (pretensamente) de bens e serviços, não é uma loja comercial, que vende produtos, que, aliás, raramente entrega e, quando entrega, faz isso para quem não necessita, na maioria das vezes.

Esse comércio de valores na contracorrente do comércio de produtos, permite reprodução ou imitação, mimese (mimesis) e satisfação de desejos – catarse (catharsis): sentir e fazer a coexistência mais fluida, agradável, compensadora. Imitação do que é efetivamente relevante. Satisfação pela produção de movimentos de encontro e não de desencontro: relações entre iguais que se respeitam na busca de seus interesses, e não relações de desigualdade, em que muito poucos ganham na perda de muitos.

E esse circuito deve encaminhar a uma participação e a uma partilha de bens justa: não de quase tudo para poucos e quase nada para muitos. A discriminação de uma justiça-instituição que protege os que têm e incrementa seu patrimônio, com decisões que são verdadeiras expropriações de bens e de vida, causa desamparo e aumenta o grau de injustiça, de modo hipócrita, o mais das vezes. É a (in)justiça de poucos, que formam seus soldados para abrigar suas ideias, seus interesses e permitir que continuem a explorar os que nada têm ou têm pouco.

Por isso, não basta levar representantes dos mais pobres e das periferias, dos gêneros discriminados, da maioria do povo, negros, e dos verdadeiros donos da terra, indígenas, a ocuparem lugares na justiça-instituição tradicional. Claro que é preciso ver na justiça o que corresponde ao perfil do povo brasileiro. Contudo, mais importante é fundar espaços/tempos públicos para que o povo possa efetivamente ocupar e tomar conta daquilo que lhe pertence e recuperar as vivências que o emancipem da tutela perversa de quem diz fazer por ele, mas faz contra ele.

Exemplo disso que chamo de usurpação é o trabalho envelopado de jurídico, mas verdadeiramente de natureza administrativa, que a justiça-instituição vem desempenhando — como herança, aliás, de sua origem colonial e escravista -, por meio do qual busca-se enquadrar administrativamente o povo e seu território e não prestar justiça — casos dos chamados CEJUSC[x] e das diligências e “políticas” do CNJ.

Dizem “cidadania” e “políticas públicas,” contudo negando agência e subjetividade — agência e subjetividade que deveriam ser de fato cidadania e prestação de serviço público a quem é titular de direitos e não objeto de controle e administração.

Uma justiça cidadã, verdadeiramente, recuperaria para a cidade e para a cidadania a atribuição de construir capacidade de participação e de compreender direitos, praticar deveres e exigir, compor e controlar políticas públicas.

Um projeto de justiça cidadã, enfim, parte da ideia dessa participação plenamente praticável, além de desejável, como forma de realização da justiça, e da partilha justa de valores, bens e serviços, como conteúdo e resultado de se fazer parte da vida das pessoas e de fazer com que as pessoas dela façam parte.

A experiência de fazer justiça permite a sensação e o sentimento de decidir, ação que mais satisfaz o que se entenda por possuir cidadania, ou seja, ter capacidade de atuar junto com os outros para a solução concreta de conflitos e problemas — a maior parte deles se apresentando como individuais, mas se constituindo, realmente, como sintomas de questões coletivas e complexas. Compreender isso está ao alcance de uma constituição de uma justiça local, que pense e haja sobre o coletivo.

Para exercer a função de julgar não há necessidade de educação jurídica formal. O julgador ou a julgadora precisa ter sensibilidade social e capacidade de compreender o contexto em que os conflitos e os problemas ocorrem, assim observando a relação entre o conflito e as pessoas envolvidas, que, em geral, vão além daquelas que diretamente apresentam o problema. É preciso entender essa relação, bem como perceber a influência que a solução dada à questão apresentada no próprio ambiente, além das consequências que gerará no contexto mais amplo da comunidade, da sociedade, da cidade. Há uma complexidade dos conflitos, que é apreensível a partir de métodos facilmente desenvolvidos a partir da experiência de julgar. A capacidade de julgamento pertence a todos e a cada um. Quando exercida coletivamente, permite a troca de experiências e de entendimento, qualificando ainda mais a solução oferecida.

Vincular justiça e segurança na cidade

“Quem soprou esta toada/ Que cobri de redondilhas/Pra seguir minha jornada/E com a vista enevoada/ Ver o inferno e maravilhas”[xi]

A justiça, vista desse modo, que a vincula à cidadania — e rejeita as fórmulas prontas e viciadas dos especialistas, que querem monopolizar o saber e o manejar do direito -, quando praticada de modo democrático, portanto, participativo, permite diminuir o sofrimento, porque quem julga vive, observa e compreende as injustiças, que são muitas no cotidiano: casa, transporte, escola, trabalho, lazer e no próprio espaço público, que se apresenta como lugar de recusa da presença e de imposição de exclusividades e privilégios. Na verdade, todas essas experiências de injustiça são como que emanações da casa (oikos, domus), na qual a estrutura da necessidade de sobrevivência e as pressões da exploração vivida em torno da necessidade de sobrevivência, acabam por impor experiências de desigualdade e de constantes tensões. É uma estrutura em que não há reconhecimento de igualdade, em que direitos e deveres não se compreendem plenamente, que acaba adquirindo caráter hierárquico, inclusive pela imposição de um modelo anacrônico de convivência, papéis que não mais se conseguem desenvolver sem que sejam frustrações de expectativas próprias e alheias, exigências desumanas de trabalho, e fragmentação em relação ao entendimento do próprio modo de ser doméstico e familiar. A casa acaba por se tornar o primeiro modelo de ruptura, que dissocia, em vez de permitir as primeiras impressões de acolhimento e cuidado. Aqui, questões culturais interagem e influenciam a partir de pretensões de universalidades e anacronismos, como, por exemplo, a religião e os preconceitos da tradição irrefletida, além das lições vulgares de uma economia que submete e limita, na exigência de papéis de subserviência, advindos de uma cultura dobrada sob a presada desconsolação do escravismo estrutural. É a vivência da domesticação do disciplinamento. Além de ser a experiência da opressão do abandono, quando se expressam as diferenças, sobretudo de jovens.

A política não entra na casa, mas permite que a casa entre na política, fazendo do espaço público, doméstico, extensão da casa e de suas contradições antipolíticas.

O que entra na política e entra na casa e permite a solução dessas contradições e desses problemas, é o jurídico, o direito, portanto, a justiça. Se forem bem manejados, em direção à cidadania, permitem que se desatem os nós da convivência. No modelo atual da justiça-instituição, o que há é agravamento dos conflitos, sempre resolvidos numa direção e num sentido, que é o da desativação dos poderes políticos cidadãos. A justiça-instituição presente quer tomar conta das questões — e o faz de modo muito precário, quer impor um saber inadequado e discriminatório às relações. Atua com soberba, sem sensibilidade social.

Onde há discriminação, preconceitos, violências constantes, cria-se e se reproduz uma sociedade que se recusa a ser social, que se torna insociável, que agride a si mesma. Mais grave é que estão postas estruturas de poder ilegítimas — como o caso da justiça-instituição, – que privilegiam e estendem as redes de poder a todos os lugares, impondo a domesticação da sociedade, nos múltiplos sentidos que aqui explorei de doméstico. Trata-se, portanto, a justiça-instituição atual de um elemento anticivilizacional.

Ao contrário dessa experiência posta e imposta pelo mainstream jurídico, a justiça-cidadã se faz como chamado a participar. Veja-se o caso dos júris, por exemplo, ou da participação social na administração do processo eleitoral. São duas experiências vistas como anômalas pelos juristas tradicionais — no que há muito de ignorância e preconceito. Algo como “o povo brasileiro não está preparado para votar” (sic), que se estende para “o povo não sabe julgar,” enfim, o povo nada pode, simplesmente, não pode. Ou seja, a negação do próprio caráter democrático enunciado pela Constituição, que, em oposição a tais discriminações injustificadas e injustificáveis, afirma que “todo poder pertence ao povo.”[xii]

A justiça-cidadã, pode, então, dar-se em muitos lugares, que se institucionalizam para a pluralização participativa, para o cuidado do que se faz justo, contra o injusto.

A justiça não é, mas se faz ou se dá. Quer dizer, ela resulta da experiência de a exercer. No presente, na situação ilegítima de monopólio do saber e do poder fazer sobre a justiça-instituição, não há como experimentar a justiça. E se perpetua a injustiça, com uma ou outra exceção, aqui e ali, que não desfaz o nó estrutural de um sistema voltado a produzir e reproduzir injustiças, sob o pretexto de fazer direito. Não se se notam, mas a prática da justiça-instituição tradicional e atual é acompanhada de muitas desculpas: “perdoem as nossas falhas, mas as coisas são assim, somos obrigados e obrigadas a decidir desse jeito.” No limite, é a afirmação soberba de sempre, corporativista, de um lado, mas ciente de que é preciso manter as coisas como estão, fingir a neutralidade para manter as hierarquias e os privilégios. Parodiando o velho ditado, pode-se dizer que quem quer, faz justiça, quem não quer, arranja uma desculpa.

Não tendo dono ou dona, a justiça pertence a todos. O direito é algo que também deve ser ocupado por todo mundo, cujo saber pode e deve ser compartilhado, até porque lida com objetos que são comuns, como leis e decisões judiciais. Nisso não se quer dizer simplesmente que as leis ou o direito devem ser escritos para a compreensão do povo, ou que o vocabulário jurídico se deve simplificar. O que importa é que o direito e a justiça sejam ocupados pelo povo, com o fito de pertencimento, não de consumo. No sentido de fazer o direito e fazer a justiça e não ser objeto nem destinatário meramente de um ou de outra.

O modelo da justiça-instituição usurpação está esgotado.[xiii] Nada gera, apenas mantém as situações como estão e não deseja participar de sua mudança, de que é agente o povo e não o direito nem a justiça. A gente é agente da justiça.

Essa justiça participativa, que partilha e compartilha, é sentimento e ação contra a ganância e a violência. Compassiva e não arbitrária.

Aspectos práticos e um projeto: justiça para todos

A partir dos pressupostos de experiência e conceituais apresentados brevemente, é possível encaminhar algumas propostas para uma justiça-cidadã, quer dizer, uma justiça da cidade, que somente se pode desenvolver na cidade e partir de um governo democrático, que pense em estruturas de governação e de controle que se libertem de amarras administrativas e se façam verdadeiramente constitucionais.

Apresento a seguir essa proposta, também de modo breve, para permitir a instauração de um debate mais frutífero e a implementação de mecanismos que transformem a experiência e o modo de ser da justiça-instituição.

A ideia básica está em que criar mecanismos de participação e controle é fazer e constituir justiça.

A) Há um vazio institucional e democrático que precisa ser preenchido com um projeto consistente de justiça cidadã: criar, assim, mecanismos de justiça (participativa) nas cidades e nas metrópoles.

Justiça, portanto, local — para bairros e regiões ditas administrativas, justiça municipal e justiça metropolitana, num País que estruturou seu poder judicial na forma do distanciamento e da alienação da capacidade jurídica de seus cidadãos e cidadãs — tirando deles e delas, pois, tal qualidade, ao deixa-los meramente sujeito ou súditos — chamados com eufemismo de “destinatários” do serviço da justiça.

É bem por esse motivo que o Brasil só tenha estabelecido justiças federal e estadual. Também, que tenha concebido seu sistema e suas estruturas judiciais — a justiça meramente instituição — a partir do monopólio do exercício da função de julgamento por representantes do Estado 9e não, como exige a Constituição, da cidadania). Também foi por essa razão que a “Constituição Cidadã” resolveu alienar a capacidade — portanto, o poder — do povo de fazer atuar seus interesses coletivos e difusos, estabelecendo a legitimidade de um órgão estatal — deslegitimado pela ausência de escolha popular, descumprindo mais um aspecto do Princípio democrático constitucional — para a ação civil pública.[xiv]

A criação de uma justiça-cidadã, como mecanismo de discussão e decisão a respeito de questões locais, municipais e metropolitanas — mesmo que como porta de entrada, no caso da justiça metropolitana, para a jurisdição dos Estados -, possibilita cobrir a lacuna do desenho institucional da justiça, no Brasil.[xv]

O bairro e a cidade precisam de justiça. 

Penso que a estrutura dessa justiça cidadã deve ter como agentes as próprias pessoas, por meio da institucionalização de conselhos participativos.[xvi]

Nesse modelo, a própria comunidade, sob a orientação da Prefeitura, escolheria pessoas, das mais variadas formações e experiências, para exercer a função de julgadores dos conflitos locais. As questões trazidas à discussão e decisão desses conselhos democráticos de justiça teriam necessariamente a apreciação coletiva, em seu duplo sentido.

Por um lado, a discussão da solução e a elaboração da decisão seriam levadas a cabo por um órgão colegiado. Contaria, assim, com a participação de diferentes pessoas, profissões, experiências de vida.

Mais importante, porém, seria a adoção de uma segunda forma de entender o termo coletivo. Nesse caso, os membros dos conselhos democráticos de justiça teriam de observar os conflitos aparentemente individuais, que lhes fossem trazidos ao conhecimento, de uma perspectiva contextual, isto é, algo como um sinal ou sintoma de um problema coletivo, que se apresenta como individual. Para isso, teriam de realizar estudos do local em que a questão individual surgiu, buscar a aproximação com moradores ou usuários de determinado serviço, realizar pesquisas ou louvarem-se em trabalhos realizados por instituições de credibilidade, com institutos e universidades — o número e a qualidade dessas instituições são notáveis e elogiáveis, sobretudo em São Paulo, pelo que há disponibilidade de pessoas e de instrumentos para ajudar no entendimento dos problemas sociais que envolvem os conflitos.

Esses conselhos teriam a tarefa de construir bancos de dados relevantes sobre as comunidades e a cidade, em geral, permitindo não apenas a ação da participação cidadã, mas igualmente do controle cidadão sobre a presença e qualidade dos bens e serviços existentes nas regiões da cidade e da metrópole.

A imensa maioria das questões que são, hoje, postas à apreciação da justiça-instituição — e que envolvem, aparentemente, direitos ditos disponíveis — poderiam ser submetidos e apreciados por esses conselhos democráticos de justiça: conflitos locais, de consumo, de vizinhança, familiares, delitos de menor potencial ofensivo (que passariam por uma processo de descriminalização, para serem entendidos como questões civis e não mais penais), problemas relativos à prestação de serviços por órgãos privados,  públicos, concedidos, permitidos ou exercidos em parceria público-privada, uso de equipamentos públicos, sua difusão e proteção e cuidado, proteção ambiental mais rigorosa, inclusive a preservação de recursos naturais de modo efetivo, mobilidade, etc.

Enfim, a maioria das questões poderia passar pela apreciação desses conselhos, recebendo seja uma decisão definitiva — no caso de conflitos que se resumissem ao âmbito local -, seja uma apreciação e uma proposta de decisão inicial — no caso de conflitos que tivessem complexidade ao ponto de envolverem interesses para além do local, envolvendo outros espaços da cidade, ou o espaço metropolitano.

Nesses casos de complexidade interlocal, um mecanismo de interação entre os vários conselhos poderia ser institucionalizado — o que seria mais recomendado — ou a submissão da decisão a uma revisão por órgãos da Administração e da justiça-instituição também poderia ocorrer, fazendo vincular o sistema de justiça cidadã ao tradicional — sobretudo para permitir a abertura de espaços democráticos neste último.

Ao mesmo tempo, para evitar que forcas antipolíticas ou oligárquicas locais tomassem conta da iniciativa, haveria o mecanismo de constante rodízio de participantes, com eleições frequentes, assim como a fiscalização, mediante recursos pelo sistema da justiça-instituição, assim juízes e juízas de direito.

A compreensão coletiva e contextual dos conflitos dotaria o sistema geral de justiça de instrumentos mais eficazes para compreender a realidade social brasileira. Seriam mecanismos mais próximos da realidade cotidiana e postos ao alcance da compreensão e do poder de decidir de cidadãos e cidadãs. Nesse aspecto, contrastariam com o modo de atuação do Conselho nacional de Justiça, na medida em que os projetos em atuação por esse órgão — que, constitucionalmente só possui a função de controle (interno) do judiciário — são fragmentários e sofrem do vício do distanciamento e do caráter de alienação da justiça-instituição presente.

Esses conselhos funcionariam em equipamentos públicos já existentes, como escolas, centros culturais, parques, bibliotecas, empregados em horários alternativos, que permitissem a realização do trabalho por todas as pessoas. Para isso, igualmente, uma ajuda de custo, visando a facilitar o acesso, a mobilidade e a disponibilidade de tempo, poderia ser estabelecida. Esses recursos poderiam vir do orçamento municipal e metropolitano, ou ser obtidos mediante a realização de parcerias ou de recursos de instituições nacionais e internacionais.

Uma virtude adicional estaria em ver os equipamentos públicos existentes transfigurados também em centros de justiça: desperiferizando a cultura perversa de exclusivismo vigente, estabelecendo a pluralização de centralidades; e conferindo à instituição da justiça uma legitimidade maior, ao coloca-la ao alcance da capacidade das pessoas e sob seu cuidado e controle.

Desperiferizar e criar centralidades é um processo importante de inclusão e integração, construtivo em si de cidadania ativa.

A justiça tem essa faculdade importante de não apenas poder amealhar participação, expandir o modo de compreensão da realidade social, mas, sobretudo, de permitir o exercício da capacidade de decidir questões que são relevantes para cada pessoa e para todas. Optar e indicar caminhos coletivos de ação, a servirem de exemplo, imitação para outras diferentes e múltiplas ações. Proporcionar a catarse das tensões sociais.

Outros detalhas podem ser discutidos no momento de reflexão e implementação desse mecanismo.

Duas questões importantes, porém, devem ser aqui analisadas.

A primeira diz respeito ao modo de amealhar as pessoas que figurarão julgadores e julgadores no âmbito do Conselho. Tomo, aqui, como modelos, não apenas a experiência do Setor de Assessoria e Orientação Jurídica e Social (veja-se acima), mas igualmente o modo como são pensadas as magistrates courts, no Reino Unido. Lá, para ser magistrado, sinônimo de juiz leigo, não há necessidade de qualquer educação jurídica formal. A pessoa precisa ter entre 18 e 74 anos (deve-se aposentar aos setenta e cinco, se estiver prestando esse serviço), e precisa demonstrar possuir certas habilidades — que são aqueles necessárias para ser julgador, em qualquer circunstância, mesmo juiz ou juíza, no interior da justiça-instituição: ter consciência das questões sociais, maturidade, compreensão das pessoas e sentido de justiça, ser confiável e demonstrar vocação para servir a comunidade, ter compreensão de documentos e intuição sobre o sentido das provas, pensamento lógico e capacidade de comunicação efetiva, respeitando as demais pessoas, em sentimento de igualdade, horizontalidade, construir argumentos e alcançar uma decisão justa.  Claro que as pessoas que se candidatarem devem demonstrar certa experiência, no trabalho, na escola, na comunidade, em atividades voltadas a construir boas relações e ter construído em relação a colegas e comunidade confiança. Além disso, é preciso demonstrar não ter cometido atos (ações e omissões) que descaracterizem esse liame de confiança, no passado, ou justificar uma mudança plausível, sustentável ou durável das bases de tais comportamentos descaracterizadores de confiança, bem como ter reparado os erros cometidos, em atuação de empatia e compaixão reparadoras, reconhecidamente.

É preciso fixar um mandato para o cumprimento da função de julgador, julgadora, com a proibição de permanência por mais de um certo lapso de tempo, evitando que haja perpetuação no exercício do mandato, bem como que haja mecanismos justos de recall, para o caso de existirem incompatibilidades que se apresentem no exercício da função, no sentido de descaracterizar sua finalidade de construção de uma justiça verdadeiramente cidadã.

É preciso que não haja conflito de interesses, isto é, que candidatos e candidatas (que se apresentem à eleição) ou julgadores e julgadoras (após eleição) não possuam interesses que se choquem com a finalidade do exercício da função e com os casos que lhes forem submetidos à analise e julgamento. Especial cuidado, relativamente a proibições, deve ser dado, com proibição de exercício, a funcionários públicos civis e militares. Além disso, no presente, é preciso estabelecer salvaguardas para que não haja pessoas ligadas a, ou financiadas por facções e milícias, que venham exercitar a função de julgamento.[xvii]

Questão importante está na fixação de ajuda de custo para o exercício da função, durante os períodos em que houver realização de sessões e de trabalhos de pesquisa e de visita a comunidades.

É preciso sublinhar que a justiça municipal e seu exercício caracterizam-se como atividades de interesse público, distinguindo-se, assim, de outras atividades de predominância de interesses privados, ligadas ao universo dos que, no âmbito internacional, chamam-se meios e métodos de alternative dispute resolution, experimentados no Brasil sob a denominação de mediação e arbitragem, que  se têm construído sob alguma regulamentação do Conselho Nacional de Justiça e de instituições privadas, em que prevalece o sentido econômico e bastante tímido institucional, em desvalorização perante a justiça-instituição, por um lado, no caso das mediações (altamente reguladas, com descaracterização de sua autonomia e lhes retirando a vinculação com a cidadania, para as tornar órgãos auxiliares da justiça estatal, mediante remuneração), e sobrevalorização, por outro, no caso das arbitragens, em que se tem buscado a criação de uma justiça privada cara e diferenciada, a implicar no aprofundamento das desigualdades sociais, econômicas e políticas no Brasil.

B) A segunda questão importante é relativa ao enquadramento institucional de tais conselhos democráticos de justiça.

Aqui, cabe uma análise e interpretação da Lei Orgânica Municipal e de outras leis que auxiliem na compreensão dessa moldura jurídico-normativa.

O princípio democrático na Constituição Federal, na Estadual e na Lei Orgânica

A Lei Orgânica Municipal de São Paulo – LOMSP, ao dizer, no artigo 3º, que “o poder municipal pertence ao povo,” estende e aprofunda a efetivação do princípio democrático, previsto na Constituição Federal – CF, que refere o poder popular como uma emanação que legitima a representação política, por meio do voto. A CF já afirma a capacidade de exercício direto do poder pelo povo, por meio, por exemplo, dos conselhos e de júris soberanos, além da participação, por convocação na administração e fiscalização das eleições, e prevê os mecanismos de democracia semidireta, assim a iniciativa popular de leis, os plebiscitos e os referendos.

Essa extensão e aprofundamento democráticos dão-se, em primeiro lugar, pelo modo como a LOMSP enuncia os valores fundamentais da cidade, buscando fazer deles mais do que valores, pelo uso de linguagem direta e menos abstrata do que aquela pela qual optou a CF. A Lei Orgânica fala, então de “I – a prática democrática, soberania e a participação popular, transparência e o controle popular na ação do governo, respeito à autonomia e à independência de atuação das associações e movimentos sociais, garantia de acesso, a todos, de modo justo e igual, sem distinção de origem, raça, sexo, orientação sexual, cor, idade, condição econômica, religião, ou qualquer outra discriminação, aos bens, serviços, e condições de vida indispensáveis a uma existência digna, acolhida e o tratamento igual a todos os que, no respeito da lei, afluam para o Município, defesa e a preservação do território, dos recursos naturais e do meio ambiente do Município, preservação dos valores históricos e culturais da população, e idoneidade dos agentes e dos servidores públicos.”  (artigo 2º e incisos).

Por meio dessa linguagem incisiva (os princípios são postos como diretrizes), a LOMSP dota a cidadania de bens imateriais, aptos a garantir que a política se desenvolva, no interior da cidade e em sua comunicação com os demais componentes da federação – pela “programação e o planejamento sistemáticos,” conjugando e articulando o “exercício pleno da autonomia municipal” com a “cooperação com os demais entes federados.” (incisos V, VI e VII do mesmo artigo) -, em associação com a cidadania.

A LOMSP insiste em dizer que o “povo exerce o poder” e acrescenta especificações nada abstratas ao rol de direitos e garantias fundamentais previsto na CF e na Constituição Estadual de São Paulo — CESP: “é dever do Poder Municipal, em cooperação com a União, o Estado e com outros Municípios, assegurar a todos o exercício dos direitos individuais, coletivos, difusos e sociais estabelecidos … e daqueles inerentes às condições de vida na cidade, inseridos nas competências municipais específicas, em especial no que respeita a meio ambiente humanizado, sadio e ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, para as presentes e futuras gerações, dignas condições de moradia, locomoção através de transporte coletivo adequado, mediante tarifa acessível ao usuário;, proteção e acesso ao patrimônio histórico, cultural, turístico, artístico, arquitetônico e paisagístico, abastecimento de gêneros de primeira necessidade, ensino fundamental e educação infantil, acesso universal e igual à saúde, acesso a equipamentos culturais, de recreação e lazer.”

Muito bem, a partir desses valores-bens e direitos-garantias, a cidade engendra mecanismos concretos de participação efetiva do povo no exercício do poder.

Os Conselhos na democracia municipal

A autonomia municipal abrange a capacidade-competência de criação, por lei, de conselhos “compostos de representantes eleitos ou designados, a fim de assegurar a adequada participação de todos os cidadãos em suas decisões.” A dicção da LOMSP é perfeita ao referir a finalidade dos Conselhos: a participação de todos os cidadãos nas decisões tomadas no âmbito da cidade.

Quando falamos de Conselhos, tocamos também no tema da descentralização.[xviii]

Penso que a descentralização deve ser vista como instrumento não apenas de participação de governo, governação e controle políticos, mas igualmente como meio de racionalização da composição de planos, orçamentos,[xix] projetos e decisões sobre a partilha dos bens materiais e imateriais, fazeres, serviços, intervenções etc., envolvidos na política. Isso quer dizer que não se trata apenas de pensar a cidade do ponto de vista administrativo, mas sobretudo de elevar a reflexão e a ação de governantes e parceiros da sociedade um patamar efetivamente constitucional ou político-jurídico. Fazer da administração, conjugada com a constituição, uma atividade verdadeiramente política.

Isso significa que existe um objetivo cidadão, na criação de Conselhos, e que a matéria do cuidado dos Conselhos criados é a mais ampla possível, no sentido de preencher com efetividade os valores-bens e os direitos-garantias previstos na CF, na CE e na LOMSP. Insisto em que a competência de que são dotados os Conselhos abrange a efetivação da cidadania, por meio da consecução dos direitos, deveres e políticas públicas constitucionais(termo que abrange os três âmbitos normativos que referi, ou seja, federal, estadual e municipal, claro que no que diz respeito à vida do Município e sua articulação e cooperação com os demais entes federativos, o que abrange não apenas União e Estados e outros Municípios, mas igualmente a ideia de metropolização).

Já por isso se vê que a criação de mecanismos de justiça municipal, por meio de conselhos, é não só aceita, como recomendada pela LOMSP, o que é reconhecido integralmente pela jurisprudência (conjunto das decisões judiciais, no âmbito da justiça-instituição) e, como exporei a seguir, com validade e eficácia não apenas para o Município de São Paulo, mas para todos os Municípios do País.

A justiça é, antes de tudo, compreendida como direito (de acesso amplo e a uma decisão justa, com qualidade e no tempo adequado), também como um dever (a que não pode se subtrair nem os Estado nem os particulares, portanto a que se submetem o poder público e o setor privado), além de uma política pública de consecução dos demais direitos, deveres e políticas públicas. É com essas características e com essas funções que deveria se preocupar a tradicional justiça-instituição. E é para esses fins e com essas qualidades que se deve efetivar a criação de uma justiça cidadã.

O artigo 9º da LOMSP estabelece matérias de tratamento obrigatório nas leis que criarem Conselhos, não limitando, porém, a competência desses ao embaraço de tais assuntos.

O espaço normativo e institucional dos Conselhos é aquele adequado à configuração dos conselhos democráticos de justiça, em síntese.

Não penas isso, todavia. Há um tema que recebeu decisão favorável após longo debate judicial, em que vários empecilhos de preconceito e de concepção oligárquica da política foram superados. Trata-se da questão dos chamados Conselhos de Representantes, de que tratarei a seguir, brevemente.

A institucionalização dos Conselhos de Representantes e sua validade jurídico-política

A LOMSP previu, em seus artigos 54 e 55, a criação dos Conselhos de Representantes, da seguinte forma: “a cada área administrativa do Município, a ser definida em lei, corresponderá um Conselho de Representantes, cujos membros serão eleitos na forma estabelecida na referida legislação;  aos Conselhos de Representantes compete, além do estabelecido em lei, as seguintes atribuições:  participar, em nível local, do processo de Planejamento Municipal e em especial da elaboração das propostas de diretrizes orçamentárias e do orçamento municipal bem como do Plano Diretor e das respectivas revisões; participar, em nível local, da fiscalização da execução do orçamento e dos demais atos da administração municipal; encaminhar representações ao Executivo e à Câmara Municipal, a respeito de questões relacionadas com o interesse da população local.”

Ou seja, estabeleceu um mecanismo sofisticado e bastante atual de governo compartilhado, de governação descentralizada e de controle da cidade – governo, governação e controle participativos.

Os dois artigos constitucionais da cidade foram regulamentados pela Lei municipal 13881/2004.

Da conjugação da interpretação dos artigos da LOMSP e da lei de regulamentação, observa-se que os Conselhos de Representantes possuem caráter público, sendo organismos autônomos da sociedade civil, reconhecidos pelos Poderes públicos. São órgãos de representação da sociedade, de cada região da cidade, destinados a exercer os direitos inerentes à cidadania de controle social, fiscalizando ações e gastos públicos, bem como manifestando demandas, necessidades e prioridades na área de sua abrangência (artigo 1º da Lei 13881).

A lei ainda fala em articulação dos Conselhos de Representantes com os demais Conselhos Municipais, Conselhos Gestores e demais fóruns criados pela Constituição Federal, por Leis Federais ou Municipais.

Assim, a previsão legal pensa o próprio exercício da funções políticas, administrativa e, acrescento, judiciais, da cidade, como uma constelação participativa, que se articula, com autonomia e complementariedade com as funções públicas estatais. Trata-se de inovação importante, a gerar reflexos na própria concepção da cidade.

Os Conselhos de Representantes devem, ainda, observar os valores-bens previstos nos documentos constitucionais, sobretudo na LOMSP, que, como vimos, alargam e aprofundam a concepção do Estado Democrático de Direito, tornando-o corpo passível de percepção e apropriação/ocupação pela sociedade. O artigo 2º da Lei, reitera esses valores-bens: “defesa da elevação do padrão de qualidade de vida e de sua justa distribuição para a população que vive na região da Subprefeitura, defesa e a preservação do meio ambiente, dos recursos naturais e dos valores históricos e culturais da população da região da Subprefeitura, colaboração na promoção do desenvolvimento urbano, social e econômico da região e no acesso de todos, de modo justo e igualitário, sem qualquer forma de discriminação, aos bens, serviços e condições de vida indispensáveis a uma existência digna desenvolvimento de suas atividades e decisões pautado pela prática democrática, pela transparência e garantia de acesso público sem discriminação e ocultamento de informações à população da região da Subprefeitura, apoio às várias formas de organização e representação do interesse local em temas de defesa de direitos humanos e sociais, políticas urbanas, sociais, econômicas e de segurança, não sobreposição à ação de conselhos, fóruns e outras formas de organização e representação da sociedade civil, desenvolvendo ação integrada e complementar às áreas temáticas de cada conselho, zelo para que os direitos da população e os interesses públicos sejam atendidos nos serviços, programas e projetos públicos da região, com qualidade, equidade, eficácia e eficiência, participação popular, respeito à autonomia e à independência de atuação das associações e movimentos sociais, programação e planejamento sistemáticos.

A ênfase se dá nos fundamentos da realização das atividades governativas e de controle, na forma da participação, na descentralização, com a repetição do termo “subprefeitura,” várias vezes, e racionalização, planejamento, como se houvesse um jogo complexo e complementar de descontração e contração, descentralização e centralização.


As previsões legais são virtuosas precisamente por esse cuidado de integração entre representação e participação, não se esquecendo da configuração político-partidária do espaço público, a par da divisão territorial sob critérios, portanto, mais do que administrativos, geopolíticos.

A Lei foi regulamentada, no prazo por ela estabelecido, pelo Decreto Municipal 45551 do mesmo ano.

Fiz a citação da lei porque, até o presente, agiu o poder público municipal como se ela não existisse. Anoto, inclusive, que há dificuldade em encontrar seu texto, sendo que, na maioria dos locais de busca, existe a anotação errada de que tanto a Lei 13881 quanto os artigos 54 e 55 da LOMSP teriam tido sua eficácia suspensa, em decorrência de decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que teria julgado, por unanimidade, ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Ministério Público de São Paulo, por meio de seu Procurador-Geral, declarando-os inconstitucionais.

Muito embora o Ministério Público tenha, de fato, proposto tal ação e tenha obtido ganho de causa, no Tribunal de São Paulo, houve recurso da Procuradoria do Município ao Supremo Tribunal Federal, que por maioria de votos (seis a cinco) revogou a decisão do Tribunal de Justiça paulista, declarando constitucionais tanto os artigos da LOMSP quanto a Lei que os regulamentou, em 2020.

Vê-se que foi uma longa e demorada batalha judicial, que se iniciou com a concessão de liminar pelo Tribunal paulista, a pedido do Ministério Público paulista, suspendendo a aplicação das duas Leis democráticas, a partir, lamentavelmente, de um entendimento oligárquico — de ordem anticonstitucional — de que não poderia haver previsão legal de participação democrática no governo e no controle da gestão pública, sob a justificativa — absolutamente antijurídica — de que essa gestão seria exclusividade do poder executivo municipal. Um disparate evidente, diante de todas as normas que referem a participação popular como fundamento da democracia brasileira, que têm seu fundamento na CF.

A decisão definitiva do Supremo Tribunal federal foi dada dezesseis anos após a publicação da Lei, que ficou com a eficácia suspensa por todo esse período por causa de uma liminar concedida pelo Tribunal paulista.

Em 2020, contudo, o acórdão, decisão definitiva, foi publicado. Não só o Supremo entendeu serem válidas LOMSP quanto Lei 13881/2004, como estendeu esse entendimento a todos os casos futuros, portanto entendendo que previsões semelhantes podem se dar em qualquer município brasileiro e, sem solicitar demais a interpretação, em qualquer órbita de nossa federação, incluindo os estados e a própria União.

Em artigo separado, farei o comentário dessas leis e dessas decisões judiciais. Aqui, basta saber que têm plena validade e é direito de cidadãs e cidadãos de São Paulo vê-los implementados, assim como é dever do governo municipal cumprir o que determinam.

Observando, porém a experiência da sucessão dos governos municipais, é de se prever que o cumprimento da lei constitucional municipal e de sua regulamentação somente vai ocorrer como programa político de um governo realmente democrático.[xx]

É isso, efetivamente que proponho, uma vez que os mecanismos relativos aos Conselhos de Representantes servem a cobrir com um manto constitucional-democrático o exercício dos demais Conselhos municipais, assim, portanto, como assunto da consecução de uma justiça cidadã.

Observo, dessa maneira, que uma justiça cidadã se empreende pela cooperação de um regime efetivamente constitucional e democrático com o povo, determinando a integração de mecanismos e instrumentos, de modo a facilitar não apenas a vida cívica, a cidadania, mas igualmente destravar a busca pela consecução do que determina a Constituição. O oposto é embaralhar o que está posto na Constituição, opor-lhe obstáculos de toda monta, pretextos de descumprimento sistemático, e prejudicar a vida das pessoas, excluindo-as da visão e do exercício do poder.

De 2004 a 2020, procurou-se travar uma iniciativa constitucional e democrática, com artifício jurídico errôneo, mera expressão de discriminação oligárquica — reação constante do mainstream jurídico à busca de construir a democracia no Brasil e findar de vez com a ordem escravista. Por um fio, consegue-se derrotar essa empreitada anticonstitucional: seis a cinco: votaram a favor da democracia e da Constituição os Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello; votaram contra a validade da LOMSP e da Lei 138881/2004, os Ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia e Gilmar Mendes, além dos Desembargadores que compunham o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, por provocação do Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, representando o Ministério Público de São Paulo.

Dada a decisão que confirmou a validade das Leis, de 2020 até hoje se espera por sua implementação.

Os dispositivos da LOMSP e a Lei 13881, conferem uma força inédita ao princípio democrático e à capacidade de participação democrática no governo, na governação e no controle.

C) Fazer justiça por meio da realidade e da igualdade da abertura de espaço para a expressão das pessoas, de seus desejos e planos para a ocupação e transformação dos espaços coletivos e do espaço público

Abrir espaço para a voz é, em si, fazer justiça e construir cidadania. É um dos conceitos e experiências mais antigos da democracia: isegoria, igual direito do uso da voz, levantar-se a presentar sua opinião, sua sugestão, seu voto.

Como parte de um projeto de justiça-cidadã, bem assim, é preciso introduzir plebiscitos e referendos para que cidadãs e cidadãos sejam incentivados a apresentar sua opinião sobre projetos e instrumentos legais, com frequência.

Para isso, basta fazer uso dos instrumentos já existentes para esse tipo de cidadania ativa, de democracia semidireta, que estabelece um diálogo constante entre as atividades legislativa e administrativa e o povo, que, segundo a Constituição, teria de deter o poder.

Do ponto de vista normativo, é preciso referir que esses instrumentos estão previstos na LOMSP e estão regulamentados — muito embora o veto extenso e parcial que o Poder Executivo impôs ao Projeto de Lei de iniciativa dos então Vereadores Soninha e Paulo Teixeira, ambos representando, na época, o Partido dos Trabalhadores.

Para permitir observar a distância entre a lei e o projeto, cito, a seguir, seus textos:

O Projeto:

PROJETO DE LEI 01-0151/2005 “Regulamenta a Lei Orgânica do Município em matéria de plebiscito, referendo e iniciativa popular. A Câmara Municipal de São Paulo DECRETA: Art. 1o. Esta lei regulamenta os dispositivos da Lei Orgânica do Município, referentes a plebiscito, referendo e iniciativa popular. Art. 2o. O povo decide soberanamente em plebiscito, no interesse especifico do Município, da cidade e de bairros sobre: I – o cumprimento do dever dos Poderes Públicos, de assegurar a todos o exercício dos direitos individuais, coletivos, difusos e sociais, referidos no art. 7o da Lei Orgânica do Município; II – a realização das politicas públicas relativas às matérias constantes dos Títulos V e VI da Lei Orgânica do Município; III – a concessão administrativa de serviço publico, em qualquer de suas modalidades; IV – a mudança de qualificação dos bens públicos de uso comum do povo e dos de uso especial; V – a alienação, pela Prefeitura Municipal, do controle de empresas públicas;
VI – a realização de obras de valor elevado, ou que tenham significativo impacto ambiental.
Parágrafo único. Os plebiscitos mencionados nos incisos IV e V deste artigo são obrigatórios, e realizar-se-ão previamente à edição de leis ou à celebração dos atos neles indicados, sob pena de invalidade. Art. 3o. A iniciativa dos plebiscitos indicados no art. 2o, I, II e III compete ao próprio povo, ou a um terço dos membros da Câmara Municipal, e será́ dirigida ao Presidente desta. Parágrafo único. A iniciativa popular referida no caput exige a subscrição do pedido de manifestação do povo por, no mínimo, um por cento do eleitorado, observado o disposto no art. 11, parágrafos 1o e 2o. Art. 4o. O plebiscito mencionado no art. 2o, VI, será́ obrigatoriamente realizado por iniciativa da Câmara de Vereadores ou do Prefeito Municipal, conforme o disposto no art. 10 da Lei Orgânica do Município, à vista de declarações do Tribunal de Contas do Município e o Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável/CADES, instituído nos termos dos artigos 22 a Lei n. 11.426, de 18 de Outubro de 1993, atestando que as obras a serem empreendidas são de valor elevado e causam grande impacto ambiental. Art. 5o. O objeto do plebiscito limitar-se-á́ a um só assunto. Art. 6o. Conforme o resultado do plebiscito, proclamado pela Justiça Eleitoral, os Poderes competentes tomarão as providencias necessárias à sua implementação, inclusive, se for o caso, com a edição de lei. Art. 7o. Por meio do referendo, o povo aprova ou rejeita soberanamente, no todo ou em parte, o texto de leis ou de atos normativos baixados pelo Poder Executivo. Art. 8o. O referendo é realizado por iniciativa popular, ou por iniciativa de um terço dos membros da Câmara Municipal, dirigida, em ambos os casos, ao Presidente desta. Parágrafo único. A iniciativa popular referida no caput exige a subscrição do pedido de manifestação do povo por, no mínimo, um por cento do eleitorado, observado o disposto no art. 11, paragrafo 1o e 2o. Art. 9o. Recebida a solicitação de plebiscito ou referendo, a Câmara Municipal convocará o povo, dentro de um mês, a manifestar-se no prazo máximo de seis meses, podendo este prazo ser prorrogado até doze meses, a fim de que a realização da consulta popular coincida com as eleições. Art. 10. Uma vez proclamado o resultado do referendo pela Justiça Eleitoral, compete à Câmara Municipal, mediante decreto legislativo, declarar que o texto normativo, objeto da decisão popular, foi confirmado ou rejeitado pelo povo. Parágrafo único. Os efeitos revocatórios do referendo têm inicio na data da publicação do decreto legislativo. Art. 11. A Lei Orgânica do Município pode ser emendada por iniciativa de cidadãos, que representem, no mínimo, cinco por cento dos eleitores do Município. § 1o. Os signatários devem declarar o seu nome completo e sua data de nascimento, vedada a exigência de qualquer outra informação adicional. § 2o. A proposta de emenda não poderá́ ser rejeitada por vicio de forma, cabendo à Câmara Municipal, pelo seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação. Art. 12. A iniciativa de projetos de lei, de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, pode ser feita, junto à Câmara Municipal, pela subscrição de, no mínimo, cinco por cento, conforme o caso, do eleitorado do Município, da cidade ou dos bairros Parágrafo único. Aplicam-se à iniciativa popular objeto deste artigo as disposições dos parágrafos 1o e 2o do artigo anterior. Art. 13. As propostas de emenda à Lei Orgânica do Município, bem como os projetos de lei, que sejam de iniciativa popular, têm prioridade, em sua tramitação, sobre todos as demais propostas de emenda à Lei Orgânica, ou projetos de lei. Art. 14. A alteração ou revogação de um dispositivo da Lei Orgânica do Município, ou de uma lei, cuja proposta ou projeto originou-se de iniciativa popular, quando feitas por emenda ou projeto que não teve iniciativa do povo, devem ser obrigatoriamente submetidas a referendo popular.”

E o que restou dele, após os vetos, a Lei:[xxi]

“LEI Nº 14.004, DE 14 DE JUNHO DE 2005 (Projeto de Lei nº 151/05,

Regulamenta a Lei Orgânica do Município em matéria de plebiscito, referendo e iniciativa popular. JOSÉ SERRA, Prefeito do Município de São Paulo, no uso das atribuições que lhe são conferidas por lei, faz saber que a Câmara Municipal, em sessão de 11 de maio de 2005, decretou e eu promulgo a seguinte lei:

Art. 1º Esta lei regulamenta os dispositivos da Lei Orgânica do Município, referentes a plebiscito e iniciativa popular. Art. 2º, incisos e parágrafo único (vetados); Art. 3º e parágrafo único (vetados); Art. 4º (vetado); Art. 5º O objeto do plebiscito limitar-se-á a um só assunto. Art. 6º Conforme o resultado do plebiscito, proclamado pela Justiça Eleitoral, os poderes competentes tomarão as providências necessárias a sua implementação, inclusive, se for o caso, com a edição de lei. Art. 7º Por meio do referendo, o povo aprova ou rejeita soberanamente, no todo ou em parte, o texto de leis ou de atos normativos baixados pelo Poder Executivo.

Art. 8º e parágrafo único (vetados); Art. 9º (vetado); Art. 10 e parágrafo único (vetados);

Art. 11 A Lei Orgânica do Município pode ser emendada por iniciativa de cidadãos que representem, no mínimo, 5% (cinco por cento) dos eleitores do Município. § 1º (vetado);  § 2º A proposta de emenda não poderá ser rejeitada por vício de forma, cabendo à Câmara Municipal, pelo seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação. Art. 12 e parágrafo único (vetados); Art. 13 As propostas de emenda à Lei Orgânica do Município, bem como os projetos de lei que sejam de iniciativa popular têm prioridade em sua tramitação sobre todas as demais propostas de emenda à Lei Orgânica ou projetos de lei. Art. 14 A alteração ou revogação de um dispositivo da Lei Orgânica do Município ou de uma lei, cuja proposta ou projeto originou-se de iniciativa popular, quando feitas por emenda ou projeto que não teve iniciativa do povo, devem ser obrigatoriamente submetidas a referendo popular.”

Não importando saber as razões por trás das razões de veto, fica claro, da comparação, que a lei se esvaziou precisamente do conteúdo democrático que o projeto queria conferir aos instrumentos da democracia indireta. Isto é, retirou da visão do povo — a quem pertence e quem exerce o poder, e o que faz exercer por meio dos representantes eleitos, também — precisamente sua capacidade de perceber a existência concreta desse poder em suas mãos, que era o objetivo da LOMSP.

Entretanto, pelo caráter lacônico da regulamentação restante, talvez ao contrário do que se pretendia com os vetos, os instrumentos constitucionais restaram íntegros e passíveis de emprego, por um regime autenticamente democrático, do modo mais amplo e abrangente, tocando todos os assuntos atinentes à vida na cidade.

Nesse caso, para que se constitua uma experiência justa da convivência cidadã, os governantes farão incentivar a participação, abrindo canais e chamando, com frequência e intensidade ímpares, o povo a opinar, a escolher, a decidir, a cooperar, enfim, a governar e a controlar.

E essa experiência de participação decisiva gera exatamente o esclarecimento necessário à presença da cidadania. Isso traria o aprimoramento definitivo da capacidade de compreender os assuntos públicos, as causas, consequências e as soluções possíveis para os problemas e conflitos.

Basta, portanto, que sejam criados instrumentos para a manifestação popular e que o chamado a essa manifestação seja constante, repita-se até dizer chega. Copiando a insistência daqueles que desejam o consumo desenfreado e bombardeiam consumidores e consumidoras com ofertas e propaganda. A oferta do bom governo, quando acena com publicidade e convoca à participação pública, é o sentimento de responsabilidade pelo espaço e pelo tempo comuns.

D) Educação, Cultura e Ambiente como meios de governo e governança: a construção de uma ágora ampliada, inclusive pelos meios da tecnologia da informação e da comunicação

Por esses meios, faz-se da educação, da cultura e do ambiente não apenas fins da atividade de governar, mas meios pelos quais se atingem os valores-bens e os direitos-garantias constitucionais. Exercem-se os direitos como deveres. Constroem-se políticas públicas como conquistas.

Nesse sentido, reinstalar-se o orçamento participativo parece um dever indeclinável de um regime democrático. Até como um tributo que se paga à história desse instrumento inovador, pelo qual o Brasil é muito responsável, como reconhece a sociedade internacional.

Até o orçamento faz-se instrumento de justiça. E a experiência pode ser aperfeiçoada, mediante o emprego dos artigos 54 e 55 da LOMSP e da Lei 13881, como acima referi.

Portanto, um olhar para o passado, outro, para o futuro, para que o presente se faça efetivamente constitucional: cumprimento dos desejos que o povo expressou em seus documentos constitucionais e expressão da constituição de uma transformação libertadora. Uma constituição sempre em movimento.[xxii]

O espaço e o tempo da política devem ser vistos como objetivos a serem construídos e alcançados persistentemente. Isso significa abrir canais e redes de consulta, diálogo reiterados, constantes: escolas participativas, centros culturais e esportivos participativos, bibliotecas participativas, atividades de lazer participativas, espaços de trabalho participativo.

Para que o espaço e o tempo da política se recomponham como públicos, assim na forma de assembleias como concepção do que seja participar — assembleias pensadas de modo material e imaterial, bem assim, como presença e encontro reais e virtuais, é preciso que se empreguem instrumentos mais do que de mediação, mas de aproximação mais sofisticados.

Penso, aqui, na constituição de uma rede pública de interação social, ou, simplesmente, numa rede social pública, como meio para que flua a participação sem nós, entraves e interesses de ordem privada: sem ganância e sem violência simbólica.

Uma rede social pública dependerá apenas de investimento simples e direto na produção de um espaço de concepção tecnológica que permita a convocação e a realização de assembleias simplificadas, na forma da proposição de problemas e de projetos, que podem ser criados ou ofertados pelo chamado poder público tradicional, ou pelo poder público popular e de seus movimentos sociais — ou seja, por representantes e por representados e corpos intermediários.

Nesse espaço e nesse tempo assemblear, opiniões seriam colhidas e difundidas, debatidas, até o momento de se alcançar uma decisão de conjunto. Reproduzindo, assim, a experiência própria das assembleias presenciais.

Virtual e presencial não se excluiriam, havendo temas mais apropriados à deliberação num e. outro meio. Servindo o virtual, evidentemente, para suprir a misteriosa questão do esgotamento das energias de ir ao encontro dos outros, para trocar experiências, agir e reagir, dispor interesses, razões e paixões. Mas será que o exercício de falar e ser ouvido, mesmo que por meio de uma rede social pública não ajudaria a destravar as forcas que levam aos encontros e contatos verdadeiros?

Há muito mais a sugerir e a provocar. Em outros momentos podemos fazer isso juntos, pois não há de se esgotar um tema e nada deixar para a reflexão de quem lê e participa de sua constituição.

Para todos?

O álbum do grupo Metallica “… e Justiça para todos”, de 1988, vendeu quase dez milhões de cópias, só nos Estados Unidos. Na capa cinza, trazia a imagem da justiça, cujo caráter universal era ironizado na faixa título. A realidade tornava a justiça serviçal do dinheiro, da mentira e da força nua e crua da violência, presa da vaidade e da vontade de poder, ajudando a oprimir e a confundir a verdade. O sucesso que teve o álbum definiu o destino da banda, até ali underground, tornado-a paradoxalmente mais deleitável ao mainstream musical. A instituição da justiça e sua imagem feminina – chamada de Doris pela banda, que exibia sua réplica em shows em torno do mundo — eram postas como algozes da própria justiça, vilipendiada de suas virtudes pelo assalto dos poderosos.

Nessa imagem crítica da justiça, a venda é retirada de seus olhos para ser posta em sua boca. Ela passa a enxergar o mundo e observá-lo de modo discriminado, preconceituoso, enfim, injusto. E não pode mais falar. Suas palavras são subtraídas por aquele que passa a ditar as regras em seu nome, o dinheiro. Os que necessitam da justiça são atacados por lobos, que os devoram impiedosamente, seguindo exclusivamente seu apetite. Um ataque feito à porta do tribunal, sob o frontão, no qual tradicionalmente se inscreve o lema parodiado.

A expressão Justice for All, posta no frontispício ou na decoração de tribunais norte-americanos deriva provavelmente do texto do pledge of allegiance,[xxiii] composto no final do século XIX e adotado legalmente, com o acréscimo dos dizeres “Under God”,[xxiv] durante a Guerra Fria.

O texto, a referência à divindade, assim como a obrigatoriedade de recitação desse texto, espécie de prece de submissão à unidade nacional, teriam sido objeto de controvérsia por muito tempo, nos Estados Unidos. Duas composições competiram pela preferência das instituições norte-americanas, no início. Um deles, de autoria de veterano da Guerra Civil e auditor do New Board of Education, instituição responsável pela difusão das escolas públicas na era que se seguiu ao fim do conflito interno dos Estados Unidos, previa o engajamento de corações e mentes na unidade do País e da religião cristã: um único país, uma língua, única bandeira – We give our heads and hearts to God and our country; one country, one language, one flag! — É o sistema educacional que será contestado durante a luta pelos Direitos Civis, nas décadas de 1950 e 1960, por seu caráter de exclusão. De fato, a implantação dos princípios educacionais públicos não apenas decorria de preocupação em forjar a unidade do País, após o conflito fratricida, mas, igualmente, visava a impor uma concepção político-cultural-educacional de mundo aos a todos os habitantes dos Estados Unidos, fosse meles indígenas, negros e imigrantes. A segunda versão da prece de engajamento nacional, que acabou prevalecendo, teve redação de um reverendo batista, de convicções socialistas – I pledge allegiance to my Flag and the Republic for which it stands, one nation, indivisible, with liberty and justice for all. O tecer da unidade e indivisibilidade se tornou mais cuidadoso, ao se estabelecer a ligação da República a seu símbolo, a bandeira. Mas Francis Bellamy tomou a iniciativa de justificar tanto a união indissolúvel do Estado quanto o engajamento de seus componentes, ao estabelecer os princípios da justiça e da liberdade como universais. Resistiu, contudo a tentação de referir a igualdade e a fraternidade, entre tais valores, porque os considerava inatingíveis em seu tempo. É significativo que o texto configurou uma das iniciativas voltadas a estabelecer o Dia de Cristóvão Colombo Columbus Day — como feriado nacional, o que acentuava ainda mais o caráter excludente dos nativos americanos, e fixava a inauguração da América — de cujo nome os Estados Unidos se apropriaram, com exclusividade — como marco inicial de sua própria história. Isso obrigava, igualmente, todos os que vieram após os colonizadores a se adaptarem a um projeto de nação de cuja constituição, com toda certeza, não participaram. Esse um dos vícios de origem da concepção nacional, que teve sua história apagada, pela insistência no caráter fundador da Guerra de Independência e nas Declaração e Constituição que gerou. Claro que essa tônica no movimento de independência é importante. Mas a invisibilidade da construção nacional da desigualdade e da exclusividade, submersa na propaganda em torno da afirmação revolucionária de que “All Men are created equal, and endowed by their Creator with certain Unalienable Rights, that among them are Life, Freedom, and the Pursuit of Happiness”todo homem nasce livre e dotado por seu criador de certos direitos inalienáveis, entre eles a vida, a liberdade e a busca da felicidade, na elegante fórmula jeffersoniana. Quer dizer, como William Douglass já havia observado no século XIX, nem todas as pessoas estavam incluídas na expressão “todo homem”, e mormente os escravizados estavam dela afastados absolutamente. A crítica do Metallica referia não apenas essa hipocrisia da expressão da universalidade, mas indicava que, mesmo entre os dotados de direitos inalienáveis, havia os mais poderosos, que, dotados do direito, tomavam a justiça e a liberdade como bens seus.

A existência, o uso e a obrigatoriedade dessa prece cívica foram sempre contestados perante a justiça-instituição norte-americana, que nunca enfrentou a questão com a radicalidade que uma concepção constitucional demandaria. Isso demonstra a incapacidade de uma justiça concebida como órgão de Estado, tão-somente, possui para decidir as questões mais fundamentais da cidadania, mesmo incentivá-la.

Demonstra, em conclusão, que a justiça não se esgota e não se pode esgotar numa instituição. Como já disse, a visão da tripartição de poderes é falsa porque ela retira precisamente da justiça o seu caráter de autonomia, de ser uma instituição da sociedade e não estatal. O que está fora do arranjo dos chamados poderes permite o exercício constante da autonomia em face do Estado que se repete em buscar alienar a capacidade político-jurídica das pessoas.

É o velho embate entre cidadania, que cria e ocupa espaços de sociabilidade, inventando a política como democracia, e a usurpação daqueles que desejam a ilusão do espaço público, disfarce da violência e ganância privadas, guardião de preconceitos, discriminações, exclusões, privilégios e hierarquias.

É preciso, pois, voltar a pensar o Direito e a Cidadania vinculados, como constituição, para que se possibilite voltar a captar e praticar os vínculos entre o povo, entre os povos.

Assim como for all não é para todos, forró não é for all.

O termo forró, que qualifica a presente proposta, ao designar não apenas uma experiência cultural, mas igualmente um género de música – que conjuga algumas espécies ou estilos, como o baião,[xxv] o xote e o xaxado — foi confundido, na história de sua interpretação, como corruptela da expressão inglesa “for all”, que teria sido estampada na entrada de bailes franqueados ao público, em geral, pelas tropas norte-americanas estabelecidas no Rio Grande do Norte, durante a Guerra Mundial. A história dessa versão, na verdade, diz muito sobre quem a teria construído, isto é, uma cultura de desvalorização brasileira e de sua língua perante a inglesa, a par de uma autorização ínsita de invasão do espaço público por festas realizadas por ocupantes do território, que o privatizam ao ponto de poder gerir a chave do que se abre ou se fecha à presença de toda gente.

Contra essa visão cultural hierarquizada, exclusivista e falaciosa, claro, levanta-se a presença, em verdade, da cultura africana no Brasil, que cunhava o termo forrobodó para as festas e alegrias populares, em espaço compartilhado e povoado — contra o ruído da privatização e do mercado (ganância e exclusão) e do militarizado (violência e miliciarização dos territórios): dois signos, como aqui explicitei, antidemocráticos, assim, antipolíticos — por músicas e ritmos também populares.

O forró, portanto, é a experiência da presença e do encontro que gostaria de ver como figuração de uma justiça e de uma política revitalizadas pelo que de mais autêntico há na convivência humana e das coisas (a natureza, o meio ambiente). A palavra circulando com a leveza da música, e o pensamento e os gestos embalados pelos ritmos que aceleram e tranquilizam, às vezes se fazem silêncio, na pausa dada nas tensões passionais, que nos fazem desejar levantar, liberar nossos movimentos e tomar conta de nosso destino comum.

Pelo mesmo impulso, penso que uma comissão de revisão da memória da cidade e de mudança de nomes das ruas, praças, avenidas, espaços públicos, escolas de São Paulo fariam bem ao espírito da cidade. Em época de gps, google maps, waze etc., não mais se justifica que os nomes de sabidos escravistas, de juristas defensores de relações de submissão humana cruel, de escravocratas e seus familiares e clientes, de latifundiários-posseiros, déspotas de todos os tipos e de várias épocas, ícones dos atos torpes de ditaduras, continuem a observar a triste condição de nossos concidadãos e concidadãs nas ruas, a partir de placas que guardam seus nomes da julgamento da história, nas condições tristes dos espaços que permanecem invadindo, em perpetuação da posse que impuseram, por meio de seus instrumentos injustos de poder, mera força disfarçada, condições pela quais são responsáveis, antes de qualquer outra pessoa ou ocasião. Que tipo de postura devemos ter em relação a nossa história? Que tipo de memória queremos preservar nos espaços verdadeiramente públicos? Que impressão de tempo queremos construir? A construção da democracia passa pela intensa rediscussão de um passado que nos nega a possibilidade de prosseguir.

“Il n’est pas indifférent que le peuple soit éclairé. Les préjugés des magistrats ont commencé par être les préjugés de la nation”[xxvi]

*Alfredo Attié é Desembargador na Justiça paulista. Autor, entre outros livros, de Direito constitucional e direitos constitucionais comparados (Tirant Brasil). [https://amzn.to/4bisQTW]

Notas


[i] Justamente, o que é a verdade? Não posso dizer, não posso sentir. Metallica. “And Justice for All” in And Justice for All: Album. Los Angeles: Elektra Records, 1988.

[ii] A oportunidade para o debate que proponho está na possibilidade de um governo democrático para São Paulo, representado pela aliança liderada por Guilherme Boulos, reconhecido político ativista de causas políticas fundamentais para a construção da cidadania, na busca de implementar políticas que já fazem parte do conjunto de direitos e deveres da cidadania previstos nos instrumentos jurídicos constitucionais (Constituição, Tratados Internacionais, Jurisprudência Internacional, Constituições Estaduais, Leis Orgânicas Municipais). Que o texto sirva, igualmente, para quem se preocupa, em outros projetos efetivamente democráticos, com a consecução da justiça, na forma da participação e controle populares.

[iii] Na Antiguidade Clássica, o assunto mais importante da vida na cidade (polis) era a justiça. Platão, por exemplo, escreveu todo um tratado para discutir o seu sentido e como poderia ser implantada Esse tratado chamou-se Constituição (Politeia), muito embora a tradição tenha-lhe reservado o nome de República. É de Aristóteles a definição de que o que movimenta a vida política é a justiça, expressa no tratado que foi transmitido com o nome de Política.

[iv] ATTIÉ, Alfredo. Brasil em Tempo Acelerado. Política e Direito. São Paulo: Tirant, 2021.

[v] Hoje se fala em igualdade por seu negativo: antirracismo, por exemplo. É preciso implementar na cidade a Convenção Interamericana contra toda forma de discriminação:  igualdade ativa e construtiva.

[vi] É importante valorizar as reivindicações sociais como elas se apresentam. Se a dialética, que faz movimentar a vida social, contrapõe classes, é preciso saber não apenas como querem e agem os que têm poder, mas, sobretudo, como desejam, sofrem e reagem os destituídos de poder. É da resultante desse embate que se constituem a matéria do direito, sobretudo as leis, mas também os textos teóricos e o próprio exercício da justiça-instituição e suas decisões, a jurisprudência. Ver ATTIÉ, Alfredo. Brasil em Tempo Acelerado: Política e Direito. São Paulo: Tirant, 2021; Towards International Law of Democracy: a Comparative Study. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2022; A Reconstrução do Direito: Existência, Liberdade, Diversidade. Porto Alegre: Fabris, 2003.

[vii] Segurança é liberdade: estar bem com os outros e sentir presente o laço social — não como emanação de uma raiz comum (abstrata e inventada, portanto, fictícia), mas como liame que aceita o outro e se adapta a mudanças constantes, vai construindo conexões, ligações, sem permitir que se estabeleçam nós de concentração de poder, nem nós de entrave de informação e comunicação. É preciso construir redes digitais políticas (e não privadas).

[viii] Veja-se o Parecer que ofereci à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 2016, relativa ao direito de estudantes de ocuparem as escolas.

[ix] Ver ATTIÉ, Alfredo. Towards International Law of Democracy. Valencia: Tirant, 2022, sobre esse conceito do ambiente público como ruído.

[x] O Cejusc é a apropriação e o desvirtuamento de uma experiência que empreendi no interior de São Paulo e de que falarei, ao enunciar as propostas.

[xi] Chico Buarque. “Paratodos” in Paratodos: álbum, Rio de Janeiro: BMG/RCA, 1993.

[xii] Mesmo que na fórmula, como veremos, abstrata e mitigada do “emanar.”

[xiii] ATTIÉ, Alfredo. :Justiça Esgotada” in Portal 247, 14/julho/2023, acessível em https://www.brasil247.com/blog/justica-esgotada

[xiv] ATTIÉ, Alfredo. “Corporativismo Estatal e Societal: estatuto do Ministério Público e Proposta de Defensoria Nacional da Justiça” in

[xv] Caso, que ocorreu também no âmbito da segurança e, até o presente, impede de se estabelecer uma segurança (mais do que pública,) cidadã, mas próxima das pessoas, sobretudo no âmbito de cidades e metrópoles — e como um projeto nacional para a preocupante e atual questão da segurança. O debate sobre as Guardas Civis municipais e metropolitanas, suas atribuições e seu modo de atuar, exemplifica esse problema.

[xvi] Nos moldes da experiência que desenvolvi no interior do Estado de São Paulo, por meio do SAOJUS — Setor de Orientação e Assessoria Jurídica e Social. Ver: ATTIÉ Jr, Alfredo. “O Setor de Assessoria e Orientação Jurídica e Social (SAOJUS: Proposta de Controle, Políticas Públicas e Julgamento pelo Ombudsman Municipal)” in Revista Brasileira de Direito Eleitoral, n. 9, Fortaleza, junho de 1996, p. 23-28.

[xvii] Veja-se o parágrafo 2º do artigo 8º da Lei Orgânica Municipal de São Paulo, sobre a vedação de participação em Conselhos a pessoas condenadas à inelegibilidade, por exemplo.

[xviii] Vivente Trevas, ao recontar, em breve e importante texto, a história da descentralização, na cidade de São Paulo, afirma, a meu ver, corretamente, que “Governar uma Cidade como São Paulo requer uma administração pública que seja capaz de lidar com as dinâmicas socio-territoriais em suas diferentes escalas. Essa necessidade ganha relevância numa cidade marcada pela desigualdade. Uma cidade que se desenvolve reproduzindo segregações socioespaciais. A descentralização é um imperativo não apenas para administrar competências, políticas e serviços públicos, mas uma premissa para viabilizar uma governança democrática, participativa e efetiva. A descentralização do Governo, da Gestão e da Governança é uma agenda política irrenunciável, ao mesmo tempo uma agenda adormecida. A indagação a fazer é se a agenda da descentralização terá relevância nas eleições municipais e será assumida pelo novo governante.” (Os desafios da descentralização: texto para debate no Conselho Superior da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, abril de 2024)

[xix] Sobre a questão fundamental da racionalização orçamentária, em crítica à prática altamente nociva — dos pontos de vista político e administrativo – dos “orçamentos secretos” — cuja invalidade jurídica já foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal, Carlos Alberto dos Santos Cruz e Tarso Genro escreveram importante e breve texto, ressaltando que “É hora de acabar com o absurdo crescimento de valores de emendas originados no “orçamento secreto” e reverter os recursos para ações de governo como ajuda emergencial e plano de reconstrução. Não é possível o Brasil continuar tendo o crescimento de valor das emendas como forma de acesso ao dinheiro público e pressão política.  As emendas do relator, assim chamadas, foram criadas para comprar apoio político. Pelas dificuldades na identificação de responsabilidades, distribuição e acompanhamento da execução, é que receberam o apelido de “orçamento secreto”. Inadmissíveis no trato do dinheiro público. Inaceitáveis. No ambiente brasileiro, aonde a prática do desvio é histórica e por demais conhecida, foi uma irresponsabilidade. Mesmo extinto pela Justiça, o “orçamento secreto” inspirou um crescimento vertiginoso de valores no conjunto das emendas. Os bilhões dessa parcela do orçamento são pulverizados e não produzem nada de visível, com impacto positivo concentrado. É simplesmente uma grande pulverização do dinheiro público. É hora de reverter essa situação, com cancelamento ou contingenciamento e reversão dos recursos para o governo federal aplicar em auxílio emergencial e num plano de reconstrução para o Rio Grande do Sul e outros casos semelhantes que possam ocorrer. A distribuição e a responsabilização seguem a organização federativa — concentração dos recursos no governo federal e distribuição aos estados (nesse caso, o RS) e municípios. A fiscalização no Brasil precisa mudar e ter mais participação das organizações civis e da sociedade. Todos os projetos com seus detalhes e orçamentos precisam ser acompanhados pela sociedade, com ampla divulgação e transparência.  Os órgãos de controle e de investigação têm suas responsabilidades definidas, mas são deficientes por várias razões, incluindo o excesso de politização, politicagem e até mesmo ineficiência de longa data. É hora de aperfeiçoar a fiscalização pela sociedade.” (Rio Grande do Sul: Emergência e Reconstrução, maio de 2024).

[xx] No jargão da política oligárquica e da imprensa corporativa, os governos que cumprem a Constituição são chamados “de esquerda”. Os que não cumprem e até militam contra ela, são chamados “de direita.” Penso que os termos certos para a qualificação desses governos seja, respectivamente, regimes constitucionais e regimes anticonstitucionais. Os preconceitos corporativos e oligárquicos tentam naturalizar práticas de desprezo pela democracia e pelo estado de direito, em nosso País. Os governos que levaram a sério deveres democráticos e constitucionais constituem minoria entre as experiências municipais paulistanas. Antes da Constituição de 1988, tivemos Mario Covas — Prefeito nomeado por Franco Montoro, já no início da redemocratização do País, pós ditadura civil-militar de 19641985/86 — e Luiza Erundina. Depois de 1988, apenas Marta Suplicy e Fernando Haddad.

[xxi] Tendo a justificativa de veto restado mais extensa do que o próprio texto da norma:

“em que pese sua nobre intenção, impõe-se veto parcial ao texto aprovado, atingindo, em seu inteiro teor, os artigos 2º, 3º, 4º, 8º, 9º e 10, o § 1º de seu artigo 11, e o artigo 12, por inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos das considerações a seguir aduzidas. O texto vindo à sanção, embora sem indicar os dispositivos da Lei Maior local destinatários da mencionada regulamentação, estabelece as matérias passíveis de consulta popular, disciplina o exercício da iniciativa legislativa dos cidadãos, prevê regras para a realização dos procedimentos correlatos e dispõe sobre competências, conferindo novas atribuições a órgãos do Poder Executivo e ao Poder Legislativo, além de determinar novos requisitos, prazos e condições para as manifestações da soberania popular. Todavia, ao uniformizar procedimentos e afastar exigências consideradas injustificadas por seus idealizadores, a propositura acaba por contrariar, chegando mesmo a modificar, em vários de seus dispositivos, as normas correspondentes da Lei Orgânica do Município de São Paulo que regem a matéria, ao mesmo tempo em que deixa de obedecer preceitos constitucionais de observância obrigatória pelos Municípios, bem como disposições previstas na legislação federal aplicável, incorrendo em inconstitucionalidade e ilegalidade. Com efeito, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular constituem importantes instrumentos de participação do povo, “ex vi” do disposto no artigo 14 da Constituição Federal, cuja execução acha-se regulamentada pela Lei Federal nº 9.709, de 18 de novembro de 1998, que normatiza o assunto, estabelecendo os conceitos, exigências e regras gerais a serem observados por Municípios, Estados, Distrito Federal e União. Ressalte-se que a supracitada lei federal explicita, em seu artigo 2º, que a matéria passível de referendo e plebiscito é aquela que tiver acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa, determinando, ainda, em seu artigo 6º, que nas questões de competência dos Municípios, a convocação será realizada de conformidade com as respectivas Leis Orgânicas. No âmbito municipal, o tema já é disciplinado pela Lei Maior local que, em seus artigos 10, 14, inciso X, 36, inciso III, 37, “caput”, 44 e 45 (com a redação alterada pela Emenda nº 24, de 27 de dezembro de 2001), dispõe sobre as hipóteses, requisitos e condições, em consonância com os mandamentos constitucionais e as normas legais acima referidas. Ocorre que o projeto de lei aprovado, ao arrolar as matérias objeto de plebiscito em seu artigo 2º, nele inseriu praticamente todas aquelas de competência privativa do Executivo, sem, todavia, estabelecer qualquer parâmetro ou critério que permita definir em quais condições seriam, efetivamente, passíveis de consulta popular. Daí se pode inferir que a quase totalidade das ações da Administração Municipal a ela estaria sujeita, o que, naturalmente, não se coaduna com a finalidade específica desse instituto. Assim, desatendeu tanto a regra prevista no artigo 2º da referida lei federal, que destina ao plebiscito e ao referendo somente a matéria de acentuada relevância, quanto as normas da Lei Orgânica local, que os admite nas hipóteses de obras de valor elevado ou que tenham significativo impacto ambiental, bem como de questões relevantes aos destinos do Município ou do relevante interesse da cidade ou de bairros. Não obstante, determina, ainda, no parágrafo único de seu artigo 2º, que nos casos de mudança de destinação de bens públicos de uso comum ou especial e de alienação do controle de empresas públicas, os plebiscitos serão obrigatórios e realizados previamente à edição das leis ou à celebração dos atos neles indicados, sob pena de invalidade. Por outro lado, considerando os longos prazos estipulados no artigo 9º da propositura para manifestação do povo nos plebiscitos, as ações da Administração Municipal restariam, inevitavelmente, comprometidas, ficando paralisada, durante os extensos períodos de realização dessas consultas, a implantação de políticas públicas de saúde, educação, meio ambiente, habitação, abastecimento, transporte coletivo, assistência social e política urbana, concessões administrativas de serviços públicos e desafetação de bens públicos, o que é inviável numa cidade com as demandas do porte e da urgência de São Paulo, denotando a patente desconformidade desses dispositivos com o interesse público. Vê-se, inclusive, no tocante às obras de elevado valor ou que causem impacto ambiental, aludidas no inciso VI de seu artigo 2º, que o texto aprovado deixou de veicular a normatização pertinente, a qual, nos expressos termos do artigo 10 da Lei Orgânica do Município, deve ser estabelecida em lei. Dessa forma, em lugar de estipular os critérios, definições e parâmetros necessários, o artigo 4º da propositura limitou-se tão-somente a atribuir ao Tribunal de Contas do Município de São Paulo e ao Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – CADES os ônus de atestar, respectivamente, que as obras a serem empreendidas são de elevado valor e causam grande impacto ambiental, deixando de contemplar, todavia, os elementos normativos imprescindíveis a essa aferição, o que inviabiliza sua aplicação. Ademais, as incumbências ora conferidas aos dois órgãos não se inserem nas competências legais da Corte Municipal de Contas ou do CADES, na conformidade das respectivas Leis nº 9.167, de 3 de dezembro de 1.980, alterada pela Lei nº 9.635, de 30 de setembro de 1.983, e nº 11.426, de 18 de outubro de 1993. Nesse sentido, além da impropriedade acima mencionada, o artigo referenciado, nesse aspecto, padece do vício de iniciativa, por legislar sobre assunto relacionado à organização administrativa e serviços públicos, impondo novas atribuições e procedimentos a órgãos municipais, matéria cujo impulso legislativo cabe privativamente ao Executivo, por força do disposto no artigo 37, § 2º, inciso IV, combinado com os artigos 69, inciso XVI, e 70, inciso XIV, todos da Lei Maior local, ferindo, ao mesmo tempo, ao nível da Constituição Federal, o princípio da independência e harmonia entre os Poderes. Também incidem em contrariedade à Lei Orgânica do Município e, consequentemente, em inconstitucionalidade e ilegalidade, as disposições contidas no artigo 3º e no parágrafo único do artigo 8º da propositura, as quais fixam o percentual mínimo único de 1% (um por cento) do eleitorado, exigido para a realização de qualquer plebiscito ou referendo, haja vista que acabam por modificar, por via imprópria, o percentual mínimo determinado no artigo 45 da LOMSP (com a redação alterada pela Emenda nº 24, de 2001), segundo o qual, “as questões relevantes aos destinos do Município poderão ser submetidas a plebiscito ou referendo por proposta do Executivo, por 1/3 (um terço) dos vereadores ou por pelo menos 2% (dois por cento) do eleitorado, decidido pelo Plenário da Câmara Municipal. A par de versar sobre questão que não comporta regulamentação, cumpre ponderar que as regras contidas na Lei Orgânica do Município somente podem ser alteradas mediante emenda, nos expressos termos de seu artigo 36, jamais por lei ordinária, que lhe é hierarquicamente inferior. Por outro lado, a disposição contida no “caput” do artigo 8º exclui a possibilidade de convocação do referendo pelo Executivo, vez que prevê somente a iniciativa popular e a de 1/3 dos Vereadores da Câmara, o que também viola o “caput” do artigo 45 acima citado. Da mesma forma, o artigo 10 da mensagem aprovada abriga outras impropriedades incontornáveis. A primeira deflui de seu “caput”, vez que a homologação do resultado do referendo pela Justiça Eleitoral já formaliza e torna pública a manifestação da vontade popular, sendo que os efeitos daí resultantes não ensejam nem dependem da declaração ou adoção de qualquer providência da Câmara Municipal, particularmente pela via do decreto legislativo, o qual se destina apenas a regular matéria da competência exclusiva do Legislativo, de efeitos externos a ele, fora do campo específico da lei e não sujeita à sanção do Prefeito, a teor do artigo 236 do respectivo Regimento Interno, não se prestando, pois, à finalidade de declarar a confirmação ou rejeição do texto normativo pelo povo.

A segunda emerge do disposto no parágrafo único do referido artigo 10 que, de forma indireta, atribui efeitos revocatórios ao mencionado decreto legislativo, válidos a partir da data de sua publicação, porque, além da hipótese não comportar a edição dessa espécie normativa, é ela destituída de efeitos revocatórios. É oportuno lembrar, a propósito, que a Lei Federal nº 9.709, de 1998, prevê em seu artigo 3º a expedição de decreto legislativo para a convocação do plebiscito e do referendo, não contemplando, naturalmente, qualquer disposição semelhante àquela do dispositivo em tela, o mesmo se verificando na Lei Maior local. Por seu turno, embora o “caput” do artigo 11 reproduza exatamente o comando contido no inciso III do artigo 36 da LOMSP, seu § 1º, ao vedar expressamente a exigência de qualquer informação que não a declaração do nome completo e data de nascimento dos signatários, afasta a necessidade de apresentação de título eleitoral, restando por inviabilizar a possibilidade de aferição da condição de eleitor do Município, elemento indispensável, posto que, como salienta Alexandre de Moraes, “por se tratar de exercício da soberania, somente àqueles que detiverem capacidade eleitoral ativa será permitido participar de ambas as consultas” (“Direito Constitucional”, Ed. Atlas, 16º edição, 2004, pág. 238). Desatende, portanto, não só a Lei Maior local como também o preceito estampado no inciso XIII do artigo 29 da Carta Magna, de observância obrigatória pelos Municípios, esbarrando em irremediável inconstitucionalidade. Além disso, como o texto vindo à sanção aplica a mesma regra prevista no § 1º de seu artigo 11 às demais modalidades de consulta e participação popular, conforme consta do parágrafo único de seus artigos 3º, 9º e 12, tais dispositivos incorrem igualmente no mesmo óbice. Assinale-se, ainda, que o “caput” do artigo 12 acha-se em desacordo tanto com o inciso XIII do artigo 29 da Constituição Federal, quanto com o inciso I do artigo 44 da Lei Orgânica local, os quais exigem a manifestação de, pelo menos, 5% do eleitorado do Município em qualquer hipótese, quer se trate do interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, não podendo, por isso, ser mantido. Destarte, resta inequívoco que a contrariedade à Lei Orgânica do Município de São Paulo e aos preceitos constitucionais que regem a matéria inquina as disposições supracitadas não só de inconstitucionalidade, mas também de ilegalidade, ante a infringência ao artigo 6º da Lei Federal nº 9.709, de 1998, segundo o qual, nas questões de competência do Município, o plebiscito e o referendo obedecerão às normas estabelecidas na Lei Orgânica local. Por conseguinte, ante as razões expendidas, que demonstram os óbices à sanção dos dispositivos indicados, vejo-me na contingência de vetar, em seu inteiro teor, os artigos 2º, 3º, 4º, 8º, 9º e 10, o § 1º do artigo 11 e o artigo 12 do texto aprovado, com fulcro no § 1º do artigo 42 da Lei Orgânica do Município de São Paulo.”

[xxii] ATTIÉ, Alfredo. Direito Constitucional e Direitos Constitucionais Comparados. São Paulo: Tirant, 2023.

[xxiii] Penhor ou garantia de fidelidade ou obediência.

[xxiv] Sob Deus. Incorporada ao Flag Code — Código da Bandeira -, no dia dedicado a ela, 14 de junho, em 1954, para, dizia-se distinguir a América de todos os outros Países, dizia-se. Era, evidentemente, uma marca da radicalização do confronto com a União Soviética e o caráter laico e universal do socialismo/comunismo internacional. Essa pretendida aliança religiosa foi questionada várias vezes perante o Judiciário, culminando, malgrado idas e vindas, com a determinação de que não se poderia obrigar crianças a aderir ao pledge, nas escolas públicas, muito embora não fosse proibido que professores e direção das escolas o fizessem ser recitado nos rituais escolares. Isso, em verdade, significou uma declaração de indiferença, o lavar as mãos da Suprema Corte em relação ao tema, ao afirmar, de modo evasivo — contra a opinião abalizada de um jurista e juiz como William Douglas, que dizia que essa possibilidade era inconstitucional — que a questão devia ser resolvida no dia a dia — pela força e não pelo direito nem pela justiça. A Justiça igualmente deixou de resolver o dilema de uma nação, que se afirmava laica em seus documentos constitutivos, empregar uma fórmula religiosa na educação de cidadãos e cidadãs. A propósito, o Brasil viveu a mesma incompreensão constitucional da instituição da justiça, em relação à permanência dos crucifixos nas repartições públicas, escolares e judiciais, e, bem por essa ausência de afirmação de interpretação e de aplicação efetivas da Constituição, convive com o sério conflito em torno da presença inconstitucional do ensino religioso e discriminatório nas escolas e nas instituições públicas e de representação política.

[xxv] ATTIÉ, Alfredo. “De Machado de Assis para Gilberto Gil” in Público, 8 de abril de 2022, acessível em https://www.publico.pt/2022/04/08/opiniao/opiniao/machado-assis-gilberto-gil-2001775

[xxvi] Não é indiferente que o povo seja esclarecido. O preconceito dos magistrados começou por ser o preconceito da nação. MONTESQUIEU. De l’Esprit des Lois. 1748.


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