Temores e estratégias dos EUA

Imagem: Sun
image_pdf

Por ANDREW KORYBKO*

O Irã não nuclear é incapaz de ameaçar existencialmente os EUA, como a Rússia, dotada de armas nucleares

O jornal Politico citou um alto funcionário do Senado e duas fontes do governo de Joe Biden para informar, na quarta-feira, que os EUA têm muito mais medo de uma sequência de escalada incontrolável com a Rússia do que com o Irã, devido às capacidades nucleares daquela. A prova disso é que os EUA não hesitam em abater os mísseis iranianos lançados contra Israel, mas não consideram abater os mísseis russos lançados contra a Ucrânia, o que irritou Volodymyr Zelensky e alguns de seus compatriotas, que se sentem, assim, aliados de segunda classe.

A diferença entre Rússia/ Ucrânia e Irã/ Israel a este respeito explica a abordagem diferente dos EUA em relação a cada parceiro. Tal como foi explicado no mês passado nesta análise sobre a razão pela qual “Putin confirmou explicitamente o que já era evidente sobre a doutrina nuclear russa”, os responsáveis políticos comparativamente mais pragmáticos que ainda detêm a última palavra na Rússia e nos EUA conseguiram até agora evitar a sequência de escalada incontrolável que seus respectivos rivais belicistas desejam.

Eis como fizeram isso: “Os rivais comparativamente mais pragmáticos [dos falcões norte-americanos], que ainda dão as cartas, sempre sinalizaram suas intenções de escalada com muita antecedência, para que a Rússia pudesse se preparar e, assim, ser menos provável que ‘exagerasse’ de alguma forma, arriscando a Terceira Guerra Mundial. Da mesma forma, a Rússia continua abstendo-se de reproduzir a campanha de ‘choque e pavor’ dos EUA para reduzir a probabilidade do Ocidente ‘exagerar’, intervindo diretamente no conflito para salvar seu projeto geopolítico e, assim, arriscar a Terceira Guerra Mundial”.

“Só é possível especular se esta interação se deve ao comportamento responsável por parte das burocracias militar, de informação e diplomática permanentes de cada um (‘estado profundo’), considerando a enormidade do que está em jogo, ou se é o resultado de um ‘acordo de cavalheiros’. Seja qual for a verdade, o modelo citado explica os movimentos inesperados ou a falta deles em cada lado, que equivalem aos EUA telegrafando suas intenções de escalada e à Rússia jamais escalando seriamente na mesma direção”.

Não existe um equilíbrio equivalente de poder nuclear entre os EUA e o Irã, sendo que o máximo que o Irã pode fazer é lançar ataques de saturação contra bases americanas na região, e não ameaçá-las existencialmente como a Rússia pode fazer. Se a potencial retaliação do Irã ao esperado ataque de Israel prejudicar ou matar alguns dos quase 100 membros da equipe que opera o THAAD dos EUA no autoproclamado Estado Judeu, então os EUA poderiam assumir o ataque, retaliar contra grupos da Resistência alinhados ao Irã na região ou atacar a República Islâmica.

Independentemente do que possa acontecer, o Irã não nuclear é incapaz de ameaçar existencialmente os EUA, como a Rússia, dotada de armas nucleares, poderia fazer, caso retaliasse a interceptação de seus mísseis atingindo alvos dentro da OTAN, o que poderia facilmente catalisar uma sequência de escalada possivelmente apocalíptica. É certo que há, de fato, alguns falcões americanos que querem arriscar este cenário e o cenário acima mencionado, comparativamente menos consequente, na Ásia Ocidental, mas seus rivais mais pragmáticos, por ora, ainda são capazes de impedi-los.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]

Tradução: Fernando Lima das Neves.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES