A expansão da OTAN

Imagem: Lio Voo
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Por ANDREW KORYBKO*

Foi sensato que este bloco não fizesse progressos tangíveis sobre a adesão da Ucrânia durante a cúpula da última semana

Timofei Bordachev, diretor do Valdai Club Programme, publicou um artigo na RT na quarta-feira sobre “por que os EUA quase certamente nunca permitirão que a Ucrânia se junte à OTAN”. O subtítulo declara que “Kiev tem que enfrentar algumas más notícias – pela primeira vez, a expansão da OTAN tornou-se uma ameaça para Washington”. Este estimado especialista explicou em detalhes as relações de procurador-patrão dos EUA com os membros da OTAN em quase todo o artigo, antes de concluir com a seguinte nota:

“O convite a Kiev para aderir à OTAN pode significar algo totalmente novo para a política externa americana – uma vontade de lutar contra um adversário equivalente como a Rússia. Ao longo de sua história, os americanos esquivaram-se disso, utilizando outros atores como aríetes dispostos a sacrificar-se e a sofrer pelos interesses americanos. Este foi o caso da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais. O cenário mais provável, portanto, é que os Estados Unidos se limitem a prometer abordar a questão da Ucrânia e da OTAN depois que o regime de Kiev resolva seus problemas com a Rússia de uma forma ou de outra. Até lá, só lhe serão prometidas algumas condições ‘especiais’ numa base bilateral”.

Suas palavras soam verdadeiras depois que Kiev não fez qualquer progresso tangível sobre sua adesão à OTAN, apesar do entusiasmo que antecedeu a cúpula da última semana. Suas relações político-militares de fato com o bloco foram meramente formalizadas, enquanto os membros repetiam superficialmente sua retórica sobre a possibilidade de juntar-se algum dia, assim que condições vagas forem satisfeitas e aceitas por todos. A facção pragmática da burocracia política dos EUA venceu claramente a facção ideológica que queria que a Ucrânia se tornasse membro imediatamente.

Nos últimos dezessete meses, a primeira tem aumentado sua influência e regressado ao seu papel de liderança na era Trump, depois que a ordem mundial pretendida pela segunda não se concretizou, apesar de terem tentado forçá-la a existir durante todo este período. Demorou algum tempo até que os pragmáticos retornassem ao protagonismo das decisões políticas, e não há garantias de que aí permaneçam, mas o triunfo da última semana era previsível depois que conseguiram recalibrar a política dos EUA em relação à Índia no mês passado.

Antes da viagem do primeiro-ministro Narendra Modi aos EUA, os ideólogos tinham empreendido uma intensa campanha de pressão contra seu país, com o objetivo de coagi-lo a condenar e sancionar a Rússia, embora isso tenha fracassado espetacularmente, depois que a Índia os desafiou publicamente cada vez que tentaram. A campanha inclusive correu o risco de ser contraproducente, uma vez que a confiança duramente conquistada pelos Estados Unidos em relação à Índia estava erodindo rapidamente como resultado, o que levou pragmáticos como Ashely J. Tellis a entrar em ação há dois meses.

Ele publicou um artigo seminal na influente revista oficial do Council on Foreign Relations (CFR) (CFR), Foreign Affairs, defendendo que os EUA devem respeitar a autonomia estratégica da Índia para salvar sua política para o Indo-Pacífico, que estava à beira de ser destruída por suas próprias mãos devido a esta campanha de pressão. Um mês depois, no início de junho, o secretário de defesa adjunto para os assuntos de segurança do Indo-Pacífico, Ely Ratner, confirmou, durante um evento de um think tank, que o artigo de Ashely J. Tellis foi amplamente discutido entre os responsáveis políticos.

Em retrospectiva, ele levou diretamente à recalibragem da política dos EUA em relação à Índia, o que, por sua vez, representou a vitória mais significativa da facção pragmática até então. “Os EUA perceberam finalmente a futilidade de tentar forçar a Índia a tornar-se vassala”, embora “as palavras de Obama sobre a balcanização da Índia mostrem que os liberais-globalistas ainda são uma ameaça”. No entanto, os pragmáticos provaram que conseguem fazer com que os responsáveis políticos mudem de direção depois que a política de seus rivais ideológicos em relação a essa grande potência fracassaram.

Como já foi escrito anteriormente, não há garantias de que se mantenham à frente das decisões políticas, mas o resultado sem brilho da Cúpula da OTAN da última semana sugere fortemente que será muito difícil para seus concorrentes desalojá-los desta posição tão cedo. Os pragmáticos aproveitaram imediatamente o impulso político de sua vitória na recalibragem da orientação política dos EUA em relação à Índia para argumentar de forma convincente que já passou da hora dos EUA também reconsiderarem sua abordagem em relação à Rússia.

Isto também foi revelado num artigo publicado há duas semanas na Foreign Affairs, do CFR, que dizia aos responsáveis políticos “Não deixem a Ucrânia aderir à OTAN”, o que constituiu o segundo exemplo proeminente de pragmáticos exercendo sua influência recém-descoberta para moldar o debate sobre questões geopolíticas importantes. A advertência compartilhada por Justin Logan e Joshua Shifrinson, do Cato Institute, foi acatada em retrospectiva, como comprovado pela recusa da OTAN em convidar a Ucrânia a juntar-se ao bloco, apesar das expectativas de alguns em contrário.

Embora Bordachev, do Valdai Club, e os três especialistas do CFR citados apoiem os interesses da Rússia e dos EUA, respectivamente, eles compartilham uma visão pragmática semelhante quanto às Relações Internacionais e às advertências correlacionadas que dividem com os responsáveis políticos de seus países. Cada um deles adota uma abordagem neorrealista que leva abertamente em consideração as realidades passíveis de serem negadas e os limites que estas colocam à política, razão pela qual as duas variantes nacionais desta escola se opõem à adesão da Ucrânia à OTAN.

Eles preveem corretamente que isso seria um risco inconsequente de início da Terceira Guerra Mundial devido à forma como este cenário aumenta a possibilidade de um confronto direto entre Rússia e EUA. Embora o Artigo 5º. não ordene o uso da força armada, mas apenas “a ação que [um Estado membro] considere necessária” para ajudar aqueles que estão sendo atacados, a Rússia teria que assumir que impedir preventivamente ameaças iminentes provenientes da Ucrânia ou responder a um ataque vindo de lá conduziria a uma guerra com os EUA.

Consequentemente, os responsáveis políticos poderiam decidir atacar aquele país e seus ativos europeus, a fim de atenuar comparativamente os danos que esperariam ser infligidos à Rússia, conforme a interpretação de Moscou do Artigo 5º nesse cenário, tornando inevitável, portanto, a Terceira Guerra Mundial. Esta sequência de acontecimentos poderia ser evitada mantendo-se a Ucrânia fora da OTAN e diminuindo, assim, as chances de um confronto direto entre estas superpotências nucleares, independentemente da intensidade que sua guerra por procuração adquira naquele país.

Foi sensato que este bloco não fizesse progressos tangíveis sobre a adesão da Ucrânia durante a cúpula da última semana, tendo em vista como a Rússia avalia oficialmente o envio de bombas de fragmentação pelos EUA a Kiev e sua aquisição planejada de aviões F-16. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, descreveu o primeiro como “um fator de virada de jogo [que] certamente forçará a Rússia a tomar medidas específicas em resposta”, enquanto o ministro das relações exteriores, Sergey Lavrov, advertiu que “a Rússia não pode ignorar a capacidade destes aviões para transportar armas nucleares”.

Estas escaladas são motivadas pelo desespero do Ocidente em manter viva a contraofensiva fracassada de Kiev até o inverno, numa derradeira tentativa para que seu procurador ganhe algum terreno antes da aparentemente inevitável retomada das conversações russo-ucranianas, as quais devem ocorrer nessa ocasião, como explicado aqui. Seus arsenais já se esgotaram, então estão contando agora com o aumento de exportações cada vez mais provocativas, como as acima mencionadas, e com fornecimentos de parceiros como o Paquistão para esse fim.

Mesmo assim, a guerra por procuração entre a OTAN e a Rússia na Ucrânia continua sendo muito mais controlável do que se esse país fosse membro da OTAN com as garantias de segurança do Artigo 5º, razão pela qual é do interesse dos EUA a não adesão, exatamente como Bordachev e os especialistas do CFR do Instituto Cato argumentaram. Enquanto não houver uma chance credível dos Estados Unidos apoiarem Kiev com força armada, a Terceira Guerra Mundial não é assim tão provável, embora tudo possa mudar subitamente se os ideólogos recuperem a influência política nesta questão.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular).

Tradução: Fernando Lima das Neves.

Publicado originalmente na newsletter do autor.


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