Ressignificar a partir de traumas

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Por PAULO VITOR GROSSI*

A comunicação não-violenta e o perdão são ferramentas essenciais para romper ciclos tóxicos e promover um bem-estar mental duradouro

1.

Ressignificar é ver o que já passou, reconhecer e deixar fluir todos os sentimentos de forma madura, suficientemente boa. Novas escolhas e tais responsabilidades também serão revistas, analisadas e perpassadas por essa visão mais compassiva e empática da comunicação não-violenta. E com isso, reescrever a sua própria história, reescrever o seu percurso de sobes e desces que é a vida através das boas escolhas, assertivas escolhas, crenças realistas.

Hoje você pode ressignificar a sua vida abandonando hábitos do passado para essa melhor convivência no momento presente. Romper laços tóxicos, sair desses ciclos ruins, dialogar com o mundo para melhor se comunicar dentro dele. Tente perdoar para deixar ir embora aqueles velhos sentimentos, a raiva vai baixar a trégua, as coisas que te fazem mal vão ficando para trás, por desuso!

É isso uma regeneração mental, a transformação da realidade interna para o novo bem-estar. Você se desvincula e todos à sua volta serão liberados daqueles sentimentos negativos, daquela aura de energia pesada. Não que você deva se penalizar por ter algo de negatividade, todos nós somos positivos e negativos, mas o ideal é não deixar o lado negativo crescer tanto.

As experiências negativas entram assim para o rol das experiências que moldam o seu psiquismo, elas vêm e vão e compõem a sua força interior. Força interior, que expressão! Mas ela te move, ela que te impulsiona a ficar de pé. Então essas experiências são as que transformam e dão mais resistência para a superação dos seus traumas.

Vejam bem! Os chamados traumas psicológicos surgem a partir daquelas experiências com alto nível de estresse, especificamente quando o indivíduo não consegue administrar ou tolerar as sensações e os sentimentos desencadeados pela situação.

De acordo com o DSM-V (2023), o trauma é um acontecimento que vai além das experiências habituais de vida, sendo assim tão difícil lidar com ele. É um evento traumático em si, que pode ser visto ao pensarmos sobre uma exposição por exemplo a um episódio de violência sexual, lesão grave ou, quem sabe, ameaça de morte. Então esse trauma pode ser vivenciado diretamente ou ser testemunhado pessoalmente.

O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é caracterizado por sintomas que devem persistir por mais de um mês e causar comprometimento funcional. Portanto, vamos excluir da classificação os achismos e casos esporádicos. As reações emocionais que permanecem por até quatro semanas, essas sim são categorizadas como estresse agudo. Relate tudo ao profissional que te atende, isso é essencial na hora do diagnóstico. Omitir uma informação ou outra pode mudar os resultados da interpretação dos fatos.

2.

Os sintomas do TEPT incluem: Sintomas de intrusão, como memórias recorrentes e involuntárias do evento; sintomas de evitação, como evitar atividades, situações ou pessoas que lembrem o trauma; alterações negativas na cognição e humor; alterações no despertar e na reatividade.

Alguns sintomas do TEPT são: Reações dissociativas, como flashbacks; sofrimento psicológico ou fisiológico intenso ao lembrar do evento; hiperestimulação psicofisiológica; irritabilidade constante e agressividade exacerbada; queixas somáticas, como fadiga, cefaleias, tremores, hipermotilidade gástrica, pseudocrises epilépticas e tonteiras.

Atenção: a qualidade de vida dos pacientes com o transtorno fica profundamente comprometida. Buscar ajuda profissional ainda é a melhor decisão!

O que enxergamos com tudo isso é que essas memórias dos acontecimentos traumáticos acabam sendo complicadas de processar, já que acarretam diversas emoções, algumas delas intensas e realmente difíceis de lidar. Isso tem múltiplas implicações na vida do sujeito, com certeza algum de vocês pode dar até bons exemplos dentro do seu cotidiano.

E sabe o que mais? Muita coisa fica velada, muita coisa é ocultada por motivos que no final das contas só prejudicam os processos de cura. Quero dizer que em geral as pessoas evitam falar sobre suas questões, ou o que lembre tais questões, e isso tem consequências inevitáveis. Toda a aversão que se desencadeia tem a ver com esse termo tão empregado na sociedade, os gatilhos emocionais.

Sim, não só coisa “da internet”, os gatilhos nada mais são que respostas instintivas de não reviver tais experiências, pois a simples citação desencadeia um turbilhão de associações. Os gatilhos geram memórias que provocam as mais variadas mudanças de comportamento, verdadeiras associações na forma de pensar, nas crenças pessoais e na autoestima dos envolvidos.

É notável como as pessoas respondem aos traumas psicológicos cada qual à sua maneira, o que comporta as expressões já corriqueiras, como “entrar em negação” ou “ficar em estado do choque”. Todas essas são reações comuns após determinados eventos traumáticos, ou seja, o que marca e deixa muitas vezes mágoas nas pessoas. Mágoa, que palavra carregada, custa dizer! E todos sabemos como é lento o processo de restabelecimento.

É certo que esses mecanismos de defesa atuam para proteger as pessoas do impacto emocional provocado pelo ocorrido, porém ao custo da instabilidade emocional dos nossos irmãos e irmãs ao redor do mundo.

Assim, até mesmo memórias podem ser reprimidas na vã intenção de jogar em algum canto do inconsciente, mas isso na realidade não surte o efeito desejado, já que memórias reprimidas sempre voltam, e não adianta tentar prever, achar que pode prever, no caso, porque fica mesmo é a cargo da surpresa. Os atos falhos são exemplos até divertidos disso!

Então passou por um trauma? Ele existiu, dê um nome a ele. Busque ajuda e poderá ressignificar para seguir em frente.

*Paulo Vitor Grossi é terapeuta neuropsicanalista. Autor, entre outros livros, de Síndrome de Burnout! análise de sintomas e tratamento (Editorial Presente).


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