Por OSVALDO COGGIOLA E OUTROS*
Uma crítica à posição da associação dos docentes da USP sobre o genocídio em Gaza
É profundamente preocupante que a diretoria da Adusp esteja abordando o 7 de outubro de 2023 como ponto de partida para compreender o que ocorre em Gaza. Uma narrativa mais fudamentada poderia ter começado assim: “Desde a nakba de 1948, quando se iniciaram os atos terroristas de expulsão e massacre do povo palestino…” – porque é ali que está a raiz da tragédia que hoje testemunhamos.
Não se pode afirmar que se é contra a morte de crianças repetindo a fórmula de que “a culpa é do Hamas” e de que tudo começou em 7 de outubro. Essa mesma lógica já foi usada em outros contextos para culpar aqueles que lutam pelos seus direitos. Hoje, repete-se a operação retórica, mas com o Hamas, para encobrir a barbárie israelense.
Passados dois anos, constatamos que a diretoria da Adusp continua relativizando problemas para salvar Israel da responsabilização pelo genocídio cotidiano em Gaza. E, como se não bastasse, recorre-se ao expediente de citar tragédias em outros países apenas para diluir o que ocorre com o povo palestino – como se fosse apenas mais uma catástrofe entre tantas.
Não é. São mais de 70 anos de ocupação e colonialismo. Depois do primeiro parágrafo, já estava tudo dito? A diretoria da Adusp teria escolhido um lado? Não há “dois lados” diante de mais de 60 mil palestinos mortos, incluindo milhares de crianças que morrem de fome e de bombardeios. Por isso precisamos discutir. Neste momento, comparar números seria vergonhoso.
Não estamos diante da continuidade de uma tragédia, mas sim de um genocídio, de um escolasticídio e da destruição total das condições de vida na Faixa de Gaza. E todas às vezes que se escrever PALESTINA – que seja em caixa alta –, não em letra minúscula, como está na nota da entidade. É preciso lembrar: é um Estado inteiro que está sendo violado.
Esperamos que a diretoria da Adusp reveja suas posições. Temos o exemplo da Unicamp que, semanas atrás, solicitou ao governo brasileiro o rompimento de suas relações diplomáticas, comerciais e militares com o Estado de Israel. É necessário, pois, assumir um posicionamento claro e rigoroso.
Dizer que se é contra a morte de crianças exige mais do que palavras: exige romper com a narrativa que atribui a culpa ao Hamas e apaga mais de sete décadas de opressão e violência contra o povo palestino. Exige também reconhecer que, diante de um crime contra a humanidade em curso, o dever da direção da entidade que representa os docentes da USP seria propor e assumir o boicote acadêmico como forma de deixar claro o repúdio. Acreditamos que esse é o caminho necessário para contribuir para o isolamento internacional do Estado responsável por tais crimes.
*Osvaldo Coggiola é professor titular no Departamento de História da USP. Autor, entre outros livros, de Teoria econômica marxista: uma introdução (Boitempo). [https://amzn.to/3tkGFRo]
*Lincoln Secco é professor do Departamento de História da USP. Autor, entre outros livros, de A revolução dos cravos: economias, espaços e tomadas de consciência (1961-1974) (Ateliê Editorial) [https://amzn.to/3S476E6]
*Francirosy Campos Barbosa é antropóloga e professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP. Autora, entre outros livros, de Islam, decolonialidade e(m) diálogos plurais (Ambigrama) [https://amzn.to/3RmjkHv]
*Elisabeth Spinelli de Oliveira é professora sênior de biologia na faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto.
*Sylvia Caiuby Novaes é professora titular do Departamento de Antropologia da USP.
*Lucas Melo é professor do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto.
*Cynthia Carneiro é professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP.
*Gustavo Veloso é professor do Departamento de História da USP.
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