A cena brasileira – IV

Imagem: Thelma Lessa da Fonseca
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Por BENICIO VIERO SCHMIDT*

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O livro de entrevistas do General Eduardo Villas Bôas, organizado por Celso de Castro (FGV), mostra que o cenário eleitoral de 2018 foi claramente influenciado pela presença e pela pressão das Forças Armadas – por meio do twitte do comandante do Exército – sobre o STF por ocasião do julgamento que abria a possibilidade de evitar a prisão do ex-presidente Lula.

Embora esse episódio tenha ocorrido três anos atrás, essa manifestação torna preocupante o cenário político brasileiro, pois indica a debilidade da autodefesa da democracia brasileira em relação a fatores oriundos de outras forças que não às políticas civis. Trata-se de uma questão a ser levada em conta daqui para o futuro, sobretudo quando se compara o lugar concedido aos militares na Constituição de 1988 com o que tiveram no Chile e na Argentina.

De outro lado, a estratégia de combate ao Covid-19 continua falha, intermitente e irresponsável. Veio a luz nos últimos dias a recusa do Ministério da Saúde em comprar vacinas ofertadas ao Brasil em 2020 por grupos estrangeiros. A estratégia continua claudicante e o país corre o risco de amplificar a onda que já conduziu 250 mil pessoas à morte.

O destaque político e econômico da semana é a intervenção da Presidência da República na Petrobrás, o que acarretou, em um primeiro momento, a perda dos valores de seus ativos e o recuo do índice geral da Bolsa de Valores (pois afetou também outras estatais como o Banco do Brasil, BB Seguridade e assim por diante). Cabe assinalar a observação do jornalista Merval Pereira em O Globo, sustentando que o presidente da Petrobrás caiu também por conta de ter negado o uso de 100 milhões de reais da petrolífera em publicidade nas redes SBT e Record de televisão. A afirmação não foi desmentida ainda e tampouco comprovada.

A interferência da Presidência da República incidiu sobre o dilema de optar entre o petróleo produzido aqui e o importado. Nem todo o petróleo que o Brasil produz é consumido no país devido à sua composição química. O país tem que importar especialmente derivados de óleo diesel, o que encarece o seu valor. Isso impossibilita a autossuficiência de fato do país e gera uma dependência em relação aos preços internacionais, afetada ainda pela oscilação do câmbio.

O fundo emergencial previsto na versão preliminar da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) possibilita o pagamento do auxílio em quatro parcelas de 250 reais a partir de março para os informais e pessoas desprovidas de renda. Tal como concebido afeta também os gastos necessários estipulados pelo piso constitucional para a educação e para a saúde.

A pesquisa CNT/MDA, divulgada recentemente mostra que 35,5% dos questionados reprovam o governo. É a taxa de impopularidade mais alta da Presidência da República desde o inicio do governo.

A imprensa tem destacado nos últimos dias a questão da compra e do porte de armas de fogo no país. O governo, por meio de uma série de decretos, tem retirado gradativamente do Exército o controle da circulação e da identificação de armas. Isso numa situação em que a compra de armas por pessoas privadas, sejam caçadores ou portadores de porte de arma, tem crescido enormemente.

Ressalte-se aqui a carta do ex-ministro Raul Jungmann ao STF e o longo artigo do deputado Marcelo Freixo publicado no jornal Folha de S. Paulo. Ambos denunciam que o armamentismo em construção pelo governo Bolsonaro visa desestabilizar as eleições do próximo ano à presidência da República com a formação de milícias e de pressões à la Trump, replicandono no Brasil o que aconteceu recentemente nos Estados Unidos.

*Benicio Viero Schmidt é professor aposentado de sociologia na UnB. Autor, entre outros livros, de O Estado e a política urbana no Brasil (LP&M).

 

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