A chapa Lula-Alckmin

Imagem: David Wojnarowicz
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Por JULIAN RODRIGUES*

O ex-governador vice de Lula seria uma espécie de compromisso antecipado com a direita

Notícia explosiva publicada nos primeiros dias de novembro: o ex-governador paulista e tucano histórico Geraldo Alckmin poderia vir compor a chapa presidencial petista em 2022 na condição de vice do Lula. Se a matéria não trouxesse a assinatura da Monica Bergamo seria ignorada e ridicularizada. Ocorre que a colunista da Folha é uma das melhores jornalistas do país (senão a melhor). Bergamo volta e meia é rotulada como petista pela simples razão de que faz jornalismo mesmo.

A exótica possível dobrada eleitoral deixou todo mundo curioso tentando descobrir não só a origem da informação mas qual sua lógica – e o que realmente haveria de real no meio dessa fumaça. Alckmin não deixou dúvidas. Foi ligeiro. Declarou-se “honrado com a lembrança do seu nome”, informou que não tem diferenças intransponíveis com Lula e ainda fez questão de destacar sua crença no compromisso do líder petista com a democracia.

Lula não deixou por menos. Afirmou ter “extraordinária relação de respeito” com Alckmin e ressaltou que entre os dois não existe nada que não possa ser reconciliado. Mas, anotem: Lula salientou que um vice precisa ser de total confiança: “o vice é uma pessoa que tem quer ser levada muito a sério na relação com o presidente, porque o vice pode ser presidente; e depois, o vice tem que ser uma pessoa que soma com o presidente, e não que diverge”.

Aos poucos depois foram vazando novas informações. Descobrimos que a ideia mágica veio do Márcio França (PSB-SP), aliado histórico de Alckmin. Soubemos que também na costura houve grande participação de Haddad, candidato petista ao governo.

Perplexidade é a palavra que melhor define o sentimento da nação petista diante dessa coisa estrambótica. Repúdio, incredulidade, revolta. Com poucas exceções, mesmo entre os setores mais aliancistas do Partido a hipótese Alckmin não logrou arrebanhar apoios. Pelo contrário.

Depois de uns vinte dias fora das manchetes o bas-fond ressurgiu em grande estilo. Na última segunda-feira, 29, num encontro com dirigentes de quatro Centrais Sindicais (entre elas a CTB, braço do PCdoB), o ex-governador de São Paulo revelou que a “hipótese federal exigirá trabalho mas, caminha”.

Lula, no dia seguinte, ao ser entrevistado pela Rádio Gaúcha foi além: “tive uma extraordinária relação com o Alckmin no meu governo; ele está definindo qual será seu partido político e nós estamos no processo de conversar; vamos ver se é possível construir uma aliança política; mas é o seguinte: eu quero construir uma chapa para ganhar as eleições”.

A única pendência para concretizar o trato seria a definição do novo partido de Alckmin. Confesso que errei feio. De início não botei a menor fé nessa aliança estranha com gente esquisita. Seu Geraldo, a despeito de ter sido sempre baluarte do tucanismo em São Paulo – o governador mais longevo do Estado, inventor do Doria, anda em baixa no ninho dominado por seu ex-afilhado. O caminho natural dele seria virar senador pelo PSDB.

Alckmin vem há tempos ameaçando ir para o PSD de Kassab (em articulação com o PSB de Márcio França) – e se lançar na disputa do governo paulista. Poderia nesse caso até embaralhar o jogo, mas não teria fôlego para derrotar a máquina tucana – sem contar que o eleitorado conservador historicamente tem se mostrado orgânico, não abandona o PSDB.

Ilude-se quem acredita que Alckmin teria força própria fora da engrenagem tucana. Lembrem-se da disputa da prefeitura de Sampa em 2008. Geraldo resolveu peitar o Serra e saiu candidato. Kassab, apoiado por José Serra e com respaldo da máquina obteve 34% dos votos – foi ao segundo turno contra Marta e venceu. Alckmin amargou um terceiro lugar, com 22%.

Cogitar a hipótese de que eleitores da direita tucana votariam em Lula se Alckmin viesse a ser nosso vice não é algo sério. No máximo “narrativa” para amansar a militância petista e pautar a mídia.

Mídia que aliás resolveu ajudar na operação. Antecipa resultados parciais de pesquisas ainda não concluídas. Mas mesmo em tais sondagens preliminares Geraldo no máximo nos traria parcos 4 pontinhos – e apenas em São Paulo! O ex-governador é um típico político tradicional decadente (lembrem-se que obteve ridículos 4,7% nas eleições presidenciais de 2018).

Eleitoralmente não nos ajuda em nada colocar o tucano na vice. Aliás, pode atrapalhar. Diminuirá o ânimo da militância e o engajamento da vanguarda social. Vai afastar o PSOL, gerar apatia, decepção e despotencializar. Toda essa movimentação fortalece Alckmin – valoriza seu passe. E também é boa para Márcio França, fiel escudeiro dele – diretamente beneficiado com a saída do tucano do pleito paulista.

Esse desenho maluco bagunçaria o cenário eleitoral desidratando a chapa petista no Estado: Lula Presidente e Haddad governador. Aliás, alguém pode explicar o que nosso ex-prefeito faz no meio dessa barafunda? O terceiro governo Lula será fruto de muita mobilização. Deve ter um programa ousado cujo fundamento é desfazer as reformas neoliberais.

Os mercados, a grande mídia e a direita liberal sabem que dificilmente Lula perderá as eleições. Desde já, então, se posicionam para influenciar nos rumos de um futuro governo. Alckmin vice de Lula seria uma espécie de compromisso antecipado com a direita. Um atestado de bom comportamento. Genuflexão. Rendição. Nova “carta aos brasileiros”. Seria deixar de prontidão o presidente dos sonhos dos mercados, quase como já encomendar futuro golpe. Um vice prontinho para assumir a titularidade. Lula não vai topar isso. Não é ingênuo. Já avisou várias vezes (vice precisa ser de confiança absoluta).

Repetindo: muito bom para Alckmin essa falação toda – o coloca em evidência. Por outro lado é péssima essa confusão toda para a construção do programa democrático-popular e de uma candidatura nitidamente transformadora. Daí que a tarefa urgente da esquerda brasileira é disputar o programa, o caráter e os rumos da campanha Lula. Jogar nossas forças para além da disputa eleitoral. É preciso investir na mobilização social e na batalha ideológica-cultural-programática. Acumular forças desde agora criando as condições para um governo com capacidade defazer as reformas estruturais – e transformar o Brasil de verdade.

*Julian Rodrigues é jornalista, professor e ativista do movimento LGBTI e de Direitos Humanos.

 

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