A criatividade europeia em Inteligência artificial

Imagem: Ron Lach
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Por AFONSO FERREIRA*

A União Europeia deveria aproveitar as ondas criadas pela democratização dos modelos de Inteligência Artificial Generativa

Que tipo de investigação em Inteligência artificial deverá ser financiada no próximo programa de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) da União Europeia, o Frameword Programme 10,[i]? Ao refletir sobre essa questão, achei apropriado pedir ajuda a um sistema de Inteligência artificial generativa. Infelizmente, nunca tinha ouvido falar do FP10. Então, aqui está um texto que eu mesmo produzi.

Embora eu não seja feito de silício, tenho alguma experiência relevante para dar uma opinião. Coordenei o meu primeiro projeto de Frameword Programme no início da década de 1990, no início de uma carreira que fez experiências com ambos os lados do balcão de financiamento europeu – como investigador no CNRS de França[ii] e como responsável de programas e políticas na Comissão Europeia. Com base neste e em trabalhos posteriores, acredito que a minha principal recomendação para o Frameword Programme 10 deveria ser evitar correr atrás do que as empresas tecnológicas dos EUA acabaram de fazer. Em vez disso, a União Europeia deveria tentar financiar o que farão a seguir. Ou depois disso.

Deixe-me dar um exemplo de como a União Europeia não deveria fazer isso. No período de 2000, quando a Google estava lançando o seu motor de pesquisa que mudou o mundo, a Comissão estava ocupada a financiar Frameword Programme em redes de comutação de circuitos, graças ao lobby dos operadores históricos de telecomunicações de alguns grandes estados membros da União Europeia. Mais tarde, a Comunidade Europeia acordou para o fato de que o futuro digital seria baseado, em vez disso, na comutação de pacotes e em algo chamado Protocolo Internet. Foi então que os líderes da União Europeia decidiram que o Google demandava um concorrente europeu e começaram a apelar a projetos em – esperem por isso – motores de busca.

Mas a essa altura a Big Tech já havia seguido em frente. Estavam construindo infraestruturas digitais muito grandes, sob a forma de enormes centros de dados, para recolher todos os dados que pudessem e mais alguns. IBM, Google, Facebook, Amazon, Baidu, Tik-Tok e outros começaram a usar esses dados para promover o estado da arte científico em aprendizado de máquina e outros campos. E a União Europeia a essa altura? Orgulhosamente financiava projetos em infraestruturas digitais e tratamento de dados.

Agora o burburinho é sobre Inteligência artificial generativa (IAG)[iii]. E a minha conclusão: Não. O Frameword Programme 10 não deve colocar todos os seus fundos de Inteligência artificial no desenvolvimento tardio de um homólogo europeu. Em vez disso, vamos pensar à frente da curva. É hora de paz, drogas e rock&roll.

Inteligência artificial pela paz

Por exemplo, poderíamos começar focando na paz. A União Europeia tem atualmente duas estridentes guerras batendo à sua porta. E quanto ao financiamento de projetos que visem a utilização da Inteligência artificial para investigação e inovação que promovam a paz entre os povos? Afinal, existem muitos dados sobre períodos de guerra e de paz na história e sobre a sua dinâmica. Existem também muitas teorias de guerra e de paz, bem como estudos sobre as origens dos conflitos.

Assim, o Frameword Programme 10 deverá apelar a formas inteligentes de utilizar a Inteligência artificial para resolver problemas de otimização que tentem minimizar a probabilidade de guerra ou maximizar a probabilidade de paz, com base em parâmetros como diálogos e outras práticas para evitar conflitos e novas ainda por descobrir. Certamente, isso não será fácil, pois são multi/inter/transdisciplinares por padrão; e encontrar bons indicadores de desempenho é certamente um desafio. Mas tenho certeza de que será fácil encontrar muitos especialistas dispostos a contribuir para um objetivo tão distinto. Com um aceno para John Lennon: tudo o que estamos dizendo é dar uma chance à paz.

O desenvolvimento de medicamentos é outra área que pode se beneficiar muito com as ferramentas de aprendizado de máquina. A humanidade beneficiará ainda mais com novos medicamentos que podem ser desenvolvidos de forma mais barata e rápida. Como o Google gosta de anunciar, modelar como as proteínas se estruturam é um problema muito difícil. Das cerca de 200 milhões de proteínas, apenas 170 mil foram modeladas, principalmente por grupos muito inteligentes de estudantes de doutorado, na época em que o Alpha Fold do Google[iv] foi desenvolvido. Então, o Alpha Fold exibiu um nível de precisão tão alto ao propor estruturas de proteínas que a comunidade considerou o problema do enovelamento de proteínas resolvido. Agora, novamente de acordo com o Google, há 1,7 milhão de cientistas trabalhando com o Alpha Fold e mais de 18.000 citações dele na literatura científica.

É claro que já existem grandes bases de dados relacionadas com medicamentos que podem ser utilizadas para treinar novos modelos, mas são principalmente propriedade das grandes multinacionais farmacêuticas. Seriam necessários incentivos para que essas empresas cooperassem entre si e com investigadores do meio acadêmico. E existem alguns campos de destaque e de elevada recompensa no desenvolvimento de medicamentos nos quais a Inteligência artificial pode mudar as nossas vidas, como a investigação sobre o envelhecimento. O Frameword Programme 10 deveria ter um programa de Inteligência artificial para o desenvolvimento de medicamentos, com uma forte linha de financiamento para projetos relacionados com o combate ao envelhecimento e o aumento da expectativa de vida humana em boas condições de saúde. Isto tem menos a ver com quem quer viver para sempre do que com querer ser jovem para sempre.

Deixemos mil projetos florescerem

Finalmente, a União Europeia deveria aproveitar as ondas criadas pela democratização dos modelos de Inteligência Artificial Generativa (IAG) que aconteceu desde que a OpenAI revelou o seu IAG em novembro de 2022 e desde que o modelo IAG do Facebook, Llama[v], vazou. Hoje, qualquer um pode desenvolver seus próprios modelos Inteligência Artificial Generativa em laptops. Este é o poder que implora para ser aproveitado ao nível de um Frameword Programme.

Com estas ferramentas, o 10º Frameword Programme deverá apelar a uma miríade de pequenos projetos de investigação baseados em objetivos e alimentados pela Inteligência artificial. Deverá ter tanto chamadas sem temas específicos, deixando aberta aos candidatos a idealização das áreas de aplicação, como chamadas com grandes temas muito ambiciosos e pré-determinados. Além dos desafios da paz e da indústria farmacêutica que acabamos de mencionar, estes grandes temas poderiam estar na biologia.

Por exemplo, o que faz com que um conjunto de células do fígado se comporte como um fígado? O que é consciência? Poderiam existir grandes projetos em desafios sociais: como salvar a humanidade do colapso provocado pelas alterações climáticas, ao mesmo tempo em que a economia continua a crescer? Uma abordagem semelhante à dos capitalistas de risco seria ideal: muitos projetos a decorrer durante cerca de 42 meses e financiados num máximo de 2 milhões de euros, bem sincronizados para coincidir com doutoramentos de três anos.

Com o Frameword Programme 10, vamos iniciar uma revolução da Inteligência artificial na ciência. Para aqueles que estão prestes a abalar o panorama da investigação europeia, saudamos-vos.

*Afonso Ferreira é diretor de investigação do CNRS, trabalhando no Toulouse Institute of Computer Science Research.

Tradução: Artur Scavone.

Publicado originalmente na revista science/bsusiness

Notas do tradutor


[i] Um Frameword Programme é um programa de financiamento de pesquisa e inovação da União Europeia que estabelece as prioridades e objetivos para a pesquisa e desenvolvimento em um determinado período de tempo, visando promover a cooperação entre os países membros da UE e incentivar a excelência em pesquisa e inovação em toda a Europa. (NT)

[ii] CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique) é a principal organização de pesquisa da França. (NT)

[iii] A inteligência artificial generativa refere-se a um ramo da inteligência artificial que se concentra na capacidade de criar novos dados, conteúdos ou informações originais. São frequentemente usados em tarefas criativas, como geração de arte, design assistido por IA, criação de conteúdo etc. (NT)

[iv] AlphaFold do Google é um software de inteligência artificial desenvolvido pela DeepMind, uma empresa de tecnologia de inteligência artificial pertencente à Alphabet, empresa-mãe do Google. O AlphaFold foi projetado para prever a estrutura tridimensional das proteínas a partir de suas sequências de aminoácidos. (NT)

[v] Segundo a empresa META, Llama é um modelo de linguagem de grande amplitude acessível e de código aberto, projetado para desenvolvedores, pesquisadores e empresas construírem, experimentarem e escalarem responsavelmente suas ideias de inteligência artificial generativa. (NT)


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