A filosofia que pensa o Brasil

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Por ANTONIO VALVERDE*

Quiçá, seja chegada a hora de pensar o que é o Brasil, sob um vagar ocioso, porém, simétrico às urgências do tempo presente.

“Só há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso? […] A nossa independência ainda não foi proclamada.” (Oswald de Andrade, Manifesto Antropófago, ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha, maio de 1928).[i]

“Trazendo de países distantes nossas formas de vida, nossas instituições e nossa visão do mundo e timbrado em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos uns desterrados em nossa terra.”

(SERGIO BUARQUE de HOLANDA, Raízes do Brasil, 1936).[ii]

Sintomas e indícios da filosofia no Brasil

Espessando a anamnesis do aniversário da Independência do Brasil, a matéria “200 anos, 200 livros”,[iii] do caderno “Ilustríssima”, da Folha de S. Paulo de 04 de maio de 2022, trouxe uma lista de livros para “entender o Brasil”, fruto de consulta a cento e sessenta e nove intelectuais. Encabeçada pelo romance Quarto de despejo, de Carolina de Jesus (1960), seguido de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (1956), empatado com o relato mítico e autobiográfico, A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, de Davi Kopenawa e Bruce Albert (2015).

O primeiro com vinte e nove indicações, os segundos com vinte cada. Porém, próximo ao campo da filosofia, somente o ensaio Brasil: mito fundador e sociedade autoritária, de Marilena Chauí, (2000), aparece mencionado. Ressalvado que, da lista, constam quarenta e oito livros acerca da condição dos afrodescendentes e dezesseis, da dos povos originários.

Qual tem sido o sintoma mais geral da Filosofia no Brasil? Por que ainda não foi criado um pensamento filosófico brasileiro? Por que não superamos a colonização filosófica, em curso, subsequente à aplicação da Ratio Studiorum, dos jesuítas, promovida aos alunos do Colégio dos Jesuítas da cidade de Salvador da Bahia, ao tempo do Brasil Colônia, entre 1553 e 1759, sob o arco do espírito barroco?

Espírito que se perpetuou, mesmo encerrada a catequese filosofal dos jesuítas, em vista da guinada político-cultural instituída pelo Marquês de Pombal, via intenção de renovação cultural de Portugal e das colônias, ao tempo inaugural do Esclarecimento. Por que ainda não existe um estudo crítico em torno da formação filosófica brasileira,[iv] aos moldes do ocorrido com os estudos da “formação” da literatura brasileira, por Antonio Candido, da política, por Caio Prado Júnior e da economia, por Celso Furtado, a meados do século passado?

No caso da economia, o problema foi aprofundado e realinhado, por Francisco de Oliveira, em Crítica à Razão Dualista / O ornitorrinco (1981),ao retomar a tese furtadiana de que os planejamentos econômicos nacionais são erigidos para reforçar a manutenção da desigualdade social e da pobreza. Além das obras dos intérpretes do Brasil, Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda e A revolução burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes. Aliás, Florestan Fernandes completa o quadro dos intelectuais que filtraram, criticamente, a produção estrangeira, ao momento de sua recepção, das sociologias de Durkheim, Marx e Weber, afim de verificar no que serviriam para pensar e compreender o Brasil. Florestan Fernandes que aderira, inicialmente, ao funcionalismo, e, após, ao marxismo.

Porém, a obra Filosofia no Brasil: legados e perspectivas. Ensaios metafilosóficos, de Ivan Domingues, é o mais elaborado esforço de compreensão e de avaliação dos sintomas e dos entraves à produção de uma filosofia brasileira, ao atrelar, na minúcia, história e recepção filosófica no Brasil. Sobremaneira, ao analisar os empreendimentos (in)glórios de Sylvio Romero, Tobias Barreto, Farias Brito, que se lê no “3º Passo”, intitulado “Independência, Império e República Velha: o intelectual estrangeirado (DOMINGUES, 2017, pp. 207-332)”.

Dentre os outros “Passos” exemplares de análise crítica do estado da arte da filosofia no Brasil. A partir do incontornável fato do não surgimento “de um pensador original e, com ele, o da primeira escola filosófica brasileira”. Em contrapartida, o autor destaca o registro da emergência do pragmatismo, fundando a filosofia norte-americana, a primeira criada nas Américas (DOMINGUES, 2017, p. 50).[v] Por certo, deve-se considerar também o lastro cultural da poesia norte-americana, maximamente, a de Walt Whitman, o poeta da América do Norte, a expressar o sonho poético e histórico dos inícios da opulência do país (PAZ, 2012, p. 305), que precedera aquela criação filosófica. Enquanto o poeta Emerson ateve-se ao naturalismo, em registro anterior à opulência. Ora, poetas e romancistas cumpriram a tarefa de pensar o Brasil, que adiante se verá. Sem prescindir das sabedorias ameríndia e africana, a subsidiarem, necessariamente, de modo estendido, o pensar brasileiro.

Retomando. Na esteira da Ratio Studiorum, de primeiro até a maré de inspiração romântica em busca de uma identidade nacional, a brasilidade – substrato da “alma brasileira” –, fora encontrada na pureza do indígena, ao som de ecos rousseaunianos. De par com as incorporações do ecletismo espiritualista, de Victor Cousin e do positivismo, praticamente in natura, de Auguste Comte ou mediado por Sylvio Romero e Tobias Barreto, no âmbito da Escola do Recife criada a meados do século XIX (PAIM, 1966).

Sem ressoar todo eco da recepção e da assimilação da filosofia europeia do século XIX em diante, hoje, o que se tem no âmbito dos estudos filosóficos nacionais, parece ainda escalas do colonialismo, de toda sorte, ao sabor da decadente Europa a ruminar seus fantasmas, sem novidades relevantes, a não ser o remordimento de ter inventado o Esclarecimento, suas consequências e críticas, sob o teto falsamente abrasador da travessia niilista e da sofrência existencialista de matriz heideggeriana. – “Mas, o que temos nós com isso?” Bradara sonoro Oswald de Andrade – o mais perfeito cozinheiro das almas deste mundo –, ao conceber a antropofagia, a particularidade cultural que “nos une socialmente, economicamente, filosoficamente (ANDRADE, 1928, 1972, p. 226).” Porquanto, de parte do Brasil, quase nada se tem a ver com aquilo que unira os europeus até o desencantar do Esclarecimento.

Em verdade, perdemos muito tempo esmiuçando o pensamento filosófico de europeus e de norte-americanos, estudados, comentados, resenhados, compreendidos ao limite do descarte, em filigranas. Por que persistir na tarefa incoesa de competir com os magnos dissecadores de linhagens filosóficas, que possuem um delta inicial inalcançável, a começar pelo conhecimento do grego, do latim, das línguas nativas, além do caldo cultural e histórico da produção própria de (suas) filosofias? – Eis a questão! O que fazer? Antes, o que não fazer?

O cálculo antropofágico prevê tudo devorar da produção cultural estrangeira, mas deixando, de modo simbólico, ao intestino grosso a decisão do que escolher para nossa apropriação, se for oportuna e necessária à compreensão do Brasil. Aos moldes do que faziam os Tupinambá, submetendo os inimigos aos processos de engorda, antes de devorá-los, literalmente, para assimilar o máximo de seu espírito e de sua força. Fora disto, o que poderá interessar aos professores e pesquisadores de Filosofia no Brasil? Se nem conseguimos imitar a filosofia produzida na Europa e a desidratada filosofia norte-americana, ao momento de reproduzi-las. – Eis o drama da colonização filosófica somente esboçado.

Sob hipótese, talvez o excesso de rigor nos estudos de textos filosóficos, calcados em leituras estruturais e desconsiderados os contextos históricos de suas produções, possa ter inibido, ou retardado, a experiência do filosofar, livre, contraditório e imaginativo, no meio acadêmico brasileiro. Sob antecipações movidas pelas missões belga (1908) e a francesa (1934). A primeira organizara o curso de Filosofia da Faculdade São Bento, sob orientação tomista (MUCHAIL, 1992); a segunda, intitulada “Departamento francês de Ultramar” – expressão derivada de uma blague de Michel Foucault –, criou o da USP. (ARANTES, 1994). Ambas na cidade de São Paulo.

Todavia, na maré continuada de atualização pelo alto, réplica em baixo relevo da invenção política prussiana de meados do século XIX, ultimamente, surfa-se na onda da biopolítica, após a da necropolítica e, hoje, sob a da descolonização.[vi] A primeira pensada desde a realidade francesa e europeia. Por certo, a noção de necropolítica possa interessar, se assimilada de modo crítico. E a descolonização sim, se observado o passado de contribuições que há tempos apontam para a necessidade de pensar filosoficamente os problemas do lugar Brasil, a realidade do lugar Brasil. Não a partir de temas e problemas estrangeiros, criados em outros lugares com nexos causais pontuais. Mas, temas e problemas próprios do Brasil, que são diferentes em substância dos teorizados pelos europeus, para europeus. Fomos Colônia, continuamos colonizados? Em quais sentidos?

A literatura adiante do tempo

Por certo, Machado de Assis, de um rasgo compreensivo face ao colonialismo europeizante, imaginara a filosofia do “humanitismo”, ao reclamo proclamado da ausência de uma filosofia nacional. Tal filosofia inscrever-se-ia sob o gênero sátira, no sentido romano do termo, educar pelo deboche, pelo escracho.

Obra do personagem Quincas Borba, “que trazia um grãozinho de sandice”, “aquele mesmo náufrago da existência,” de Memórias Póstumas de Brás Cubas, “mendigo, herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia”, a humanitista (MACHADO de ASSIS, 2015, p. 740). Cujo princípio geral, “Humanitas”, é “substância ou verdade”, um “princípio indestrutível. […] Assim lhe chamo, porque resume o universo, e o universo é o homem.”

Em seguida, Quincas relata ao amigo e cuidador, Rubião, o passo inicial de seu engenho:  “Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição de sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas (MACHADO de ASSIS, 1891, 2015, p. 741)”.

A exposição doutrinária de Quincas Borba, um milionário ocioso transfigurado em filósofo de retórica prosaica, combina os matizes modernos da filosofia e da ciência, ao desvelar um padrão de escárnio ao humanismo, diga-se, clássico, ao positivismo e ao evolucionismo darwinista, lastreado do crescente darwinismo social.[vii] Por extensão, também ao liberalismo com suas promessas vazias, porém, de um lugar do atraso, tomando o evolucionismo qual estocada curta de luta contra o atraso de todas as ordens da sociedade brasileira.

Na contramão da leviandade operada por alguns professores de filosofia, que assimilavam e incorporavam doutrinas estrangeiras sem a necessária clivagem crítica e a parcimoniosa desconfiança. – Somente um homem rico poderia projetar uma filosofia extemporânea no Brasil, passada a Proclamação da República? Segundo Roberto Schwarz, o atraso nacional subsidia a obra machadiana, que, a partir de determinada altura de sua produção literária, lança mão do humor, da ironia, da paráfrase, ao assomar à porta escancarada da miséria brasileira, a começar pelo do fardo hediondo da escravidão, dentre outros similares de pesos diversos, em curso (SCHWARZ, janeiro 1973).[viii]

Assim, o filósofo Quincas Borba dá a ver o que parece ser a junção de sutileza e de sátira ao cenário de fundo do drama, o do Brasil periférico da ordem capitalista. O mote, por certo, testifica um modelo imaginário para os filósofos brasileiros contemporâneos. Claro, demarcado pela gravidade exigida às novas misérias de duração indefinida.

Acaso, ainda será possível aparecer um Machado de Assis filósofo, após tanta acumulação e consolidação filosóficas, no Brasil? Um Euclides da Cunha? Outro Guimarães Rosa? Ainda um filósofo com a erudição e a altura intelectual de Sergio Buarque de Holanda e de Antonio Candido?

Fundamentando os sintomas. Três interrogações de filósofos nacionais, que, sob as devidas explicitações e análises, a partir da História e do cotidiano, apontam para o provável horizonte futuro de uma filosofia brasileira. – Ou não?

Compreensão filosófica do Brasil

Pensemos com Cruz Costa (1904-1978), o primeiro doutor em filosofia pela USP, a propósito da compreensão filosófica do Brasil, a sua recepção e o drama de “o que fazer”. Em Contribuição à história das ideias no Brasil: o desenvolvimento da filosofia no Brasil e a evolução histórica nacional, publicado em 1956, propugnava que os estudos de filosofia no Brasil deveriam refluir para a compreensão filosófica do país. Originalmente, tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, exigência parcial do concurso à cadeira de filosofia.

De saída, Cruz Costa argumentava: “Para que o pensamento não seja mera fantasia sem proveito – como dizia el-rei Duarte – é mister que não perca contato com a história, com os problemas reais da vida. […] (Posto que) A filosofia não é mera especulação no vácuo ou simples jogo de conceitos abstratos. É trabalho sobre a experiência real e que cumpre levar a cabo sem perder esse sentido concreto do que é […], ‘esta sabedoria que nasce da experiência’” (CRUZ COSTA, 1956, pp. 7 e 22).

Ao que Cruz Costa interrogava: “Que valor poderá ter uma cultura que não vise à compreensão do que somos, que se afaste das condições da terra e que não atenda às curiosas linhas do nosso destino?” E complementava fugindo à armadilha latente: “Sem renegar as culturas estranhas que expressam uma experiência histórica mais rica do que a nossa – que é preciosa herança recebida – nelas devemos ir beber uma lição que nos permita, antes de mais nada, a compreensão daquilo que somos.” Pois, “seríamos mais do que ineficazes, seríamos ridículos, se depois da lição que essas culturas nos proporcionam, ainda nos mantivéssemos desatentos aos fascinantes problemas que de mais perto nos tocam (CRUZ COSTA, 1956, p. 7).”

Ao mesmo passo, lembrava que pela “mão da Europa […] fizemos a nossa entrada na cena da História, num momento de crise para a cultura ocidental.” Vez que a “Europa nos impôs as suas línguas, a sua religião, as suas formas de vida, em suma a sua civilização.” De tal forma se nenhum viés cultural estivesse em vigor nas terras invadidas pelos colonizadores. Religião, ritos, cuidados com a natureza, comida, educação dos filhos etc. Porém, se “nós da América, não temos o direito de falar de uma civilização propriamente americana”, contudo, “podemos […] falar de uma experiência americana, aquela que se veio formando, lentamente, nestes quatro séculos de esforço dramático de construção de povos e de adaptação da civilização ocidental às condições do nosso continente. A nossa vida transcorreu, porém, num outro cenário e os nossos atores pertencem a todos os matizes da humanidade.” Para concluir que “Nesse cenário também o tempo passou, também se fez história e dessa história desprende-se uma experiência humana, uma filosofia apenas esboçada, mas que, para nós, é do mais alto valor (CRUZ COSTA, 1956, p. 14)”.

Calcado – de passagem – no pensamento historicista de Benedetto Crocce, escrevera: “É preciso, porém, não esquecer que a história exclui certas restaurações. Ela não é feita para restaurar, mas para (se) libertar do passado.” Assim, a “filosofia encontra a verdade na sua adequação com a realidade.” Ao que aditava: “Esta realidade não permanente, mas histórica. Quando muda a história, necessariamente tem que mudar também a filosofia (CRUZ COSTA, 1956, p. 24)”.

Antonio Candido ajuizara que “Cruz Costa insistia sem parar na necessidade de aplicar a reflexão ao Brasil, mesmo que para isso fosse preciso sair da filosofia estritamente concebida” (ARANTES, 1993, p. 23).[ix]

Acaso, Cruz Costa adentrara a concepção antropofágica oswaldiana? Por certo, não ficara imune a ela, a tangenciara sem assumi-la por inteiro.

Crítica da razão tupiniquim

Roberto Gomes, em Crítica da razão tupiniquim, de 1977, questiona o que pode vir a ser uma “razão tupiniquim”, certamente, aquela que levará em conta a forma brasileira de pensar filosoficamente, de modo próprio, considerado, sobretudo, o lugar Brasil, seu lócus originário. Não de alhures. Logo, emblematicamente, sem a sisudez cartesiana, a máscara da excessiva seriedade, ao menos aparente, dos europeus, que, de modo genérico, tentamos reproduzir. A das tediosas ideias claras e distintas. Lembrando o Presidente Fernando Henrique Cardoso, em alocução radiofônica, de uma sexta-feira pela manhã, em que se saiu com esta: “Sou cartesiano com um pé no candomblé”.

Antecipado por Paulo Leminski que, em Catatau, transformara Descartes em um militar dândi do exército de Maurício de Nassau, aportado no Recife, ao tempo do Brasil Holandês. De onde o racionalismo cartesiano é devidamente tropicalizado, com muita cachaça e cannabis. Não somos sérios na vida cotidiana, fazemos pilhéria de quase tudo. Então, por que havemos de nos vestir com o bom senso europeu para reproduzir a filosofia da matriz? Que má consciência é essa? Somos brasileiros adeptos do riso fácil, do bom humor, um eloquente sinal de inteligência refinada, segundo Freud.

Cabeça feita na religiosidade do futebol, a entrecruzar o sagrado e o profano, porém, submetidos a violência que queima livros, ideias, pessoas em praças públicas e nas masmorras das ditaduras, oficiais ou não. Aditados do racismo estrutural, reiterado do fato hediondo da escravidão. Amamos a preguiça, que é o ritmo da natureza em nós, a “divina preguiça” de que falava Mário de Andrade, campo de expressão da sensualidade livre e infrene, herdada dos tempos do Brasil-Colônia.

Somos pobres de nascença. O Brasil entrara de cara nos quadros do antigo mercantilismo português,[x] pela forma alienada de fornecedor de matéria prima: açúcar, tabaco, ouro, diamante, café. Darcy Ribeiro escreveu que fomos transformados, a contar dos primórdios, em mão de obra estrangeira para o português colonizador. E, de certa forma, em larga escala, continuamos a ser, pelo agronegócio e pelo extrativismo. Vez que a indústria nacional, em crescimento galopante dos anos 1930 em diante, começou a minguar a partir de 1977, segundo Bresser Pereira.

Acaso, haveria algum paralelo entre o mercantilismo e a entrada da filosofia no Brasil? Por ventura, nos encontramos transfigurados em mão de obra filosófica a secundar as criações europeias e norte-americanas? Compreendê-las à exaustão, sem produzir a nossa? Sem alcançar as alturas de suas produções originais?

A propósito, Roberto Gomes cogitou: “Mergulhado num escafandro greco-romano – embora não seja nem grego nem romano – o brasileiro foge de sua identidade. Tem sido na filosofia que o espírito humano tem buscado esta autorrevelação. Porém, autocomplacente e conformista, sujeito sério, o brasileiro ainda não produziu filosofia. (Diga-se própria). Assim é necessário advertir que um pensamento brasileiro jamais esteve lá onde tem sido procurado: teses universitárias, cursos de graduação e de pós-graduação, revistas especializadas.” […] Pois, “No bolor de nosso ‘pensamento oficial’ não se encontra qualquer sinal de uma atitude que assuma o Brasil e pretenda pensá-lo em nossos termos. Além do palavrório aridamente técnico e estéril, das ideias gerais, das teses que antecipadamente sabemos como vão concluir, das ideias bem pensantes, nada encontramos que denuncie a presença de um pensamento brasileiro entre nossos ‘filósofos oficiais’, vítimas de um discurso que não pensa, delira (GOMES, 1977, pp. 11-12).”

Ao que acrescenta: “Não se trata de ‘inventar’ uma razão tupiniquim, mas de propor um projeto, um certo tipo de pretensão, certamente, quixotesca, e evidentemente absurda: pensar o que se é, como se é (GOMES, 1977, p. 12).”[xi]

Freud dizia que tudo que procurava na expectativa de encontrar alguma coisa nova, a arte tinha alcançado antes. Se a arte em muitos momentos antecipara o que a filosofia viria a compreender mais adiante, o que fazer a um tempo em que a arte, a grande arte, supostamente, parece não expressar o tempo presente? As vicissitudes deste tempo. Mas, parece requentar o que foram as invenções artísticas e estéticas recentes, porém, de ares pretéritos.

Também a filosofia se aproxima do mesmo dilema, o de incender a produção passada, de modo generalizado, a partir de matrizes positivista, marxiana, nietzschiana, neokantiana, lógico-matemática, fenomenológica, existencialista, analítica, estruturalista, pós-estruturalista, adentrando a biológica, emparelhada à teoria da evolução de Darwin, além da psicanalítica, e, ao limite, a da mecânica quântica.

Assim, trata-se de momento azado aos estudiosos de filosofia no Brasil de atentar para a realidade brasileira, a História do Brasil, o nosso modo de ser, a alegria e a tragédia de ser brasileiro. Sem medo nem pudor, com distanciamento dos padrões mofados de filosofias europeia e norte-americana. Para além do “apego extremo ao pensamento de outros por julgarmos que só os outros poderão nos dar qualquer chave do saber (GOMES, 1977, p. 22).” Como se fossem chaves precisas para compreensão do ser brasileiro, por vezes, sem considerar o tempo presente.

Contudo, há muita sabedoria acumulada nas canções populares brasileiras. Por exemplo, Noel Rosa a parodiar o positivismo, a filosofia mais popular do país: “o amor tem por princípio a ordem por base / o progresso é que deve vir depois / esquecestes esta lei de Auguste Comte / e fostes ser feliz longe de mim.”[xii] Outrossim, pela rima de Monsueto Menezes ao apelar para o “mora na filosofia / pra que rimar amor e dor…”,[xiii] antecipada do verso de Oswald de Andrade: “Amor / humor”. Além de toda crítica social contidas nas canções de Chico Buarque, Milton Nascimento, Aldir Blanc. E na de Caetano Veloso, na linha do deboche ao senso comum: “está provado que só é possível filosofar em alemão…”[xiv]

Mormente, na intervenção estética Tropicália, não somente da música, também do teatro, cinema e artes plásticas, quiçá o último balanço da cultura brasileira a remexer os traumas residuais latentes ou explícitos. Desvelada por Celso Favaretto em Tropicália: alegoria, alegria (1979), ao lançar mão da filosofia benjaminiana e de noções da psicanálise, no entanto, de modo descolonizado. Tomando ambas por ferramentas do pensar crítico.

A excelente poesia brasileira pode fornecer lastro para a criação de uma filosofia pátria, não necessariamente sorvidas de patriotadas conservadoras, autoritárias. Desde a do bardo mineiro-universal, Carlos Drummond de Andrade, do lirismo de Manuel Bandeira, da refinada poética de Murilo Mendes e da sóbria e cerebral poesia de João Cabral de Melo Neto. A par da ácida e demolidora poesia de Oswald de Andrade, a chacoalhar os esqueletos do moralismo dos costumes na passagem do Brasil rural para o urbano, e de Mário de Andrade, a lançar patamares estéticos ao tempo de um Orfeu extático na cidade macota de Zan Baolo.

Além do lirismo ímpar do mais expressivo poeta da geração de 1960, Mário Faustino (1930–1962), votado ao ethos e à tragédia existencial, identificável no poema “Balada (Em memória de uma poeta suicida)”: “Não conseguiu firmar o nobre pacto / Entre o cosmos sangrento e a alma pura. / Porém, não se dobrou perante o facto / Da vitória do caos sobre a vontade / Augusta de ordenar a criatura / Ao menos: luz ao sul da tempestade. / Gladiador defunto mas intacto (Tanta violência, mas tanta ternura) / Jogou-se contra um mar de sofrimentos (FAUSTINO, 1985, p. 115).”[xv]

Além dos poucos imensos romancistas nacionais. À testa, Machado de Assis, a ironizar a nação escravocrata sem destino histórico aparente; Graciliano Ramos, a desmitificar a tragédia nordestina em Vidas Secas, e a intragável ausência de liberdade sob a ditadura Vargas, de Memórias do cárcere; Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, em que os sertões se tornam palco de guerras intestinas, encobertas; a saga dos pampas, em Érico Veríssimo; Raduan Nassar a lidar com o romance neurótico familiar, em Lavoura arcaica, e Clarice Lispector a embaralhar as obtusidades e as vulgaridades do sufocante mal-estar cotidiano. De modo particular, Lima Barreto, afrodescendente, pobre, internado em manicômio, certamente, a metáfora viva mais significativa do Brasil ao início do século XX. Posto que a literatura durante muito tempo cumpriu a função de refletir acerca do Brasil.

Do universo do cinema nacional, sobretudo o do “Cinema Novo” (BERNARDET, 2007), há variadas virtualidades de compreensão do Brasil, dada a exposição crítica de temas sociais multiplicados, substratos potenciais a agenciar elementos para o engenho de uma filosofia própria, brasileira. Assim, Glauber Rocha, em entrevista à Positif – revue de cinema, concedida a E. T. Greville, intitulada “Glauber fala à Europa”, expôs a relevância do cinema ao incluir temas brasileiríssimos, relativos ao misticismo, messianismo, mandonismo, reforma agrária, candomblé, política, revolução, populismo, guerrilha urbana e o industrialismo em baixo relevo. Modelarmente, o voltado para a produção de acessórios da recém criada indústria automobilística, mostrada no filme São Paulo S.A.,de Luiz Person, 1965. Glauber reconhecia o colonialismo cultural e a luta estética e política na contramão (do colonialismo). (GREVILLE, janeiro de 1968).

Recordando que a filosofia grega foi invenção de um autodidata, um criador original, sem bagagem anterior, que não os poemas épicos e a realidade sob mudanças sócio-políticas, radicais, aceleradas, em curso na Grécia do século VII a. C. Até a passagem da tradição oral à fixação da escrita. Entanto, por que carecemos de tanta bagagem filosófica, se não conseguimos criar um modo próprio de pensar filosófico? Há, de fato, um desejo verdadeiro para tal criação? Talvez o excesso de conhecimento de filosofia e de história da filosofia, nas nossas universidades tão burocratizadas e burocratizantes, tenha e continue a ter desfavorecido a insurgência de um pensamento próprio, nacional, a partir de problemas nossos.

Roberto Gomes reflete: “[…] a filosofia é uma razão que se expressa – fórmula onde a palavra razão comparece carregada de historicidade. E uma filosofia brasileira precisaria ser o desnudamento desta razão que viermos a ser. Seja por excesso de pudor, por medo, o fato é que até hoje não nos despimos. Talvez temendo nada encontrar por debaixo de nossos trajes europeus… (GOMES, 1977, p. 25)”.

Em seguida à publicação de Crítica da razão tupiniquim, Gerd Bornheim publicou o ensaio “Filosofia e realidade nacional” (BORNHEIM, 1980).[xvi] Roberto Gomes e Gerd Bornheim concordavam que a filosofia, no Brasil, carece de cuidar da singularidade dos problemas brasileiros, de modo a abandonar os aspectos de neutralidade e de universalidade. Mas, devendo atentar para a pluralidade cultural do Brasil, em todos os níveis, de modo a criar condições de se aproximar do verdadeiro pensamento: o das ruas, o do povo, com sua sabedoria ainda não elevada a categorias conceituais mais amplas. Adiantavam, assim, o problema da descolonização. Apontando para a invenção de uma filosofia popular. Por certo, ressalvadas as viravoltas políticas conservadoras que poderiam conter. A operar qual ponto de passagem para a construção de uma filosofia brasileira.

A falta de assunto em filosofia no Brasil

A propósito, Paulo Arantes, o mais conhecido intelectual público brasileiro da atualidade, registrou: “No Brasil, a falta de assunto em filosofia é quase uma fatalidade. Razão a mais para transformá-la em problema. Não é uma questão de talento, mas de formação. Não se trata nem mesmo de formação pessoal, embora uma não vá sem a outra. Hoje em dia, esta última se encontra ao alcance de todos nas boas universidades do país. Aliás, não há outro caminho, pois a cultura filosófica contemporânea é essencialmente universitária, uma especialidade entre outras muitas. Sucede que já esse ideal de formação intelectual harmoniosa se desfaz em ficção dourada tão logo o devolvemos ao chão bruto do conjunto de singularidades plasmadas ao longo do tempo pela expansão desigual do capitalismo. Um sistema mundial descompensado que teima em deixar literalmente nossos filósofos a ver navios (ARANTES, 1993, p. 23)”.

Entanto, arremata o raciocínio, desbancando as pretensões filosóficas em Terrae Brasilis. Arantes recorre ao bardo Mário de Andrade: “a nossa formação nacional não é natural, não é espontânea, não é, por assim dizer, lógica (ARANTES, 1993, p. 24).” Porque “naturalidade, espontaneidade e lógica estão evidentemente do outro lado do oceano. Diante da ‘barafunda’, da ‘imundície de contrastes’ que somos, não há dúvida que o ideal de harmonia e inteireza só pode ser a vinculação relativamente consistente que na tradição europeia associa a vida do espírito ao conjunto da vida social (ARANTES, 1993, p. 24)”.

Por mais que a filosofia componha parte da ideologia dominante, há um nexo causal entre a filosofia produzida e o chão histórico europeu. Aqui, a filosofia se assemelhou a uma flor exótica, brotada em outro jardim, que não o pensamento cultivado pelos autóctones, os povos originários de Pindorama, o autêntico pensamento ameríndio, desqualificado e, por consequência, desvalorizado com a invasão dos colonizadores. O mesmo ocorreu com o pensamento africano espelhado da sabedoria ancestral dos escravizados trazidos d’África, sem oportunidade de manifestação durante todo o tempo do Brasil-Colônia.

Contudo, sem engaste direto com aquela sabedoria, durante o Império, somente os escritores afrodescendentes Luis Gama e Machado de Assis se expressaram. Na Primeira República, Lima Barreto e Maria Firmina dos Reis. A partir dos anos 1950, Carolina de Jesus, Carlos Marighella, Abdias do Nascimento, Milton Santos, Joel Rufino dos Santos, Conceição Evaristo. Ao contrário, do que ocorrera na música, em que muitos afrodescendentes figuraram no cenário artístico, de modo ímpar. O que instiga pensar quanto esforço terá custado a Machado de Assis, autodidata, acompanhar as especulações filosóficas europeias, transpostas para a matéria finíssima de sua literatura e de seu teatro.

Ainda segundo Arantes, “comparada com a literatura, a filosofia ocupa um lugar subalterno no panorama cultural nacional. […] a pedra de toque ideológica representada pela literatura, que tem sido aqui ‘o fenômeno central da vida do espírito’: uma inflação literária a serviço da consciência nacional, da exposição e revelação do Brasil aos brasileiros. […] nem de longe foi este o caso da filosofia, a qual não somava experiências.” Ao que ilustra, “Quem porventura tenha percorrido a historiografia em mangas de camisa de João Cruz Costa constatará, um tanto sufocado e injustamente tentado a atribuir ao seu autor o acanhamento de perspectiva que lhe vinha do material de segunda mão com que lidava, que nela a rigor nada se passa, nada se encadeia, a não ser a colcha disparatada de artefatos retóricos destinados a ofuscar os confrades (ARANTES, 1993, p. 24).” Cruz Costa lamentava as tardes em que analisou a filosofia de Farias Brito, para ele “fumaças filosóficas (ARANTES, 1993, p. 30)”.

Entretanto, há algo de novo no horizonte da pesquisa filosófica acadêmica brasileira. Trata-se de quatro teses de temas inovadores, a primeira, defendida por Luis Thiago Freire Dantas, na UFPR, intitulada Filosofia desde África: perspectivas descoloniais, menção honrosa da ANPOF, 2018; segunda, a de Felipe Beltran Katz, Contra a cordialidade: análise do conceito de homem cordial na obra de Sergio Buarque de Holanda, pelo PPG em Filosofia da PUC-SP, do mesmo ano; terceira, a de Ubiratane de Morais Rodrigues, A estética da pré-aparência (Vor-Schein) como antecipação transgressiva em Ernst Bloch, enfeixada pela análise da estética transgressiva de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, defendida em 2020, pelo PPG em Filosofia da USP e a quarta, defendida na PUC-SP, em 2021, autoria de Rafael Ávila Matede, sob o título de Caderno de axé: notas sobre filosofia de terreiro. A última, enceta a entrada da filosofia no terreiro de candomblé, prática antecipada pela antropologia cultural há décadas.

Contudo, eis alguns prováveis temas-problemas inadiáveis a instabilizarem o estado da arte da filosofia, em ambiência nacional: preservação da natureza, biofilia; justiça social; ontonegatividade da política; cordialidade, violência e contra violência; crise das ciências humanas; camisa de força da tecnociência; autogestão social, autonomia do trabalho; utopia concreta; humor; futebol – a religiosidade profana–; horizonte de uma civilização libidinal; preconceitos raciais e de gênero ao campo da desigualdade social; carnaval – “o acontecimento religioso da raça” –; artes plásticas; música popular brasileira; Tropicália; cinema e dramaturgia nacionais; cultura popular; ancestralidade dos povos originários; territorialidade; preguiça – “a sábia preguiça solar” –; fenomenologia do brasileiro;[xvii] antropologia filosófica brasileira;[xviii] candomblé etc.

Temas dispostos de modo a reverterem os estudos de Filosofia para compreensão do Brasil. No detalhe, forjada da construção de linguagem própria à filosofia brasileira. Filosofia anoitecida dos sintomas e de indícios guardados nas bagagens de Caio Prado Júnior, Mário Ferreira dos Santos, Álvaro Vieira Pinto, Lima Vaz, Leandro Konder, José Chasin, Paulo Freire e, extra limite, Moniz Sodré. Circunscrita também à revisitação do projeto filosofia da libertação latino-americana e, em particular, à literatura, máxime à poesia brasileira.[xix]

Por em andamento

Dispensado qualquer tom exortatório, concluindo pelo plausível e às margens do necessário, o mote do ensaio é o de pensar o Brasil, desde a Filosofia. Assim, finquemos pé no conhecimento da realidade brasileira – expressão anacrônica –, da história do Brasil. Para tanto, leia-se todos os renegados intérpretes do Brasil. (PERICÁS; SECCO, 2014). Nesse passo, atende-se ao cotidiano, à proletarização das classes sociais, ao ser macunaímico brasileiro, de olho vivo às nuances da cultura brasileira, aos literatos – poetas, romancistas, dramaturgos –, músicos populares e eruditos, – tendo Villa-Lobos por timoneiro.

Em sintonia com os filmes do assim chamado Cinema Novo, balizados pela estética da fome, de par com a intervenção estético-política Tropicália. Assim, a crônica falta de assunto em filosofia no Brasil, poderá – é de crer –, retirar matéria prima desse lastro cultural, para a criação de uma filosofia brasileira, do lugar Brasil! De preferência, inspirada, metodicamente, na antropofagia oswaldiana. Afinal, ao momento em que mais se necessita de embasamento teórico para compreensão e de armas críticas de combate ao neofascismo em curso no país, a filosofia se mostra desprovida de tal arsenal.

Porque as matrizes de pensamento filosófico-político estrangeiras parecem não dar conta de compreender a particularidade do fenômeno, de modo a sustentar uma filosofia política forte o bastante, frente ao cenário autoritário. – Salvo o livro pouco lido de Ernst Bloch, Herança desta época, de 1934.

Entretanto, Hegel registrara que “Conceituar o que é é a tarefa da filosofia, pois o que é é a razão. No que concerne ao indivíduo, cada um é de toda maneira um filho do seu tempo; assim, a filosofia também é o seu tempo apreendido em pensamentos (HEGEL, 2022, p. 142).” Lima Vaz, nos passos de Hegel, porém providos de outro registro, asseverou: “…num determinado momento histórico, a filosofia é a resposta que uma sociedade traz à dupla exigência de refletir criticamente e de se explicar teoricamente quanto aos valores e representações que tornam inteligíveis, ou pelo menos aceitáveis, para os indivíduos que nela vivem um modo de ser, isto é, um modo de viver e de morrer, de imaginar e conhecer, de amar e trabalhar, […], etc., que constitui um legado da tradição, e que os indivíduos devem assumir e, de fato, já assumiram antes mesmo de poder responder por ele, ou justificá-lo diante da própria razão. (VAZ, 1978, p. 7).”

Quiçá, seja chegada a hora de pensar o que é o Brasil, sob um vagar ocioso, porém, simétrico às urgências do tempo presente. Porque somente o particular pode universalizar-se. Entanto, sem abandonar o acúmulo de conhecimento filosófico, nem os temas atuais da sociedade global, a serem redefinidos para além da pauta de viés colonizador.

Sem desistir da filosofia! – Posto que, filosoficamente, pensar é transgredir, de preferência pela fórmula antropofágica: “Alegria da ignorância que descobre”. Extra esquematismos, a filosofia no Brasil poderá promover a sua “virada filosófica”, aos moldes da criada durante a Semana de Arte Moderna, de 1922, e extensões, que, grosso modo, devorou renegando as escolas literárias e as artes plásticas, consolidadas na Europa, ao passo de incorporar criticamente as novidades dos manifestos modernistas europeus do início do século XX. Demarcando a invenção e a originalidade da arte brasileira, ao intentar expor o modo de ser do brasileiro, sob o arco da cultura para além das cheganças estrangeiras, filtradas de hostes do universo nacional-popular.[xx]

Afinal, Oswald de Andrade, sob a guarda estético-política, antropofágica, constatara: “Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de Senador do Império. […] Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. […] porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. […] Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós. […] Não tínhamos especulação. […] tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sistema social-planetário. […] A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos (ANDRADE, 1924 e 1928, 1972, pp. 204, 227-230)”.

*Antonio Valverde é professor do Programa de pós-graduação em filosofia da PUC-SP.

Referências

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ANDRADE, O. de, “Manifesto da poesia pau-brasil”, In TELES, G.M., Vanguarda europeia e modernismo brasileiro: apresentação crítica dos principais manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de 1857 até hoje, Petrópolis, Vozes, 1972, pp. 203-208.

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VITA, L. W., Tríptico de ideias, São Paulo, Grijalbo, 1967. (Colaboração da Edusp).

Notas


[i] Talvez, por prenunciar a imaginação antropofágica a caminho, Mário de Andrade, em 1926, registrou: “Não somos o que somos, somos o que os outros querem que sejamos.” (PAU-D’ALHO, pseudônimo de MÁRIO de ANDRADE, 2013, p. 159).”

[ii] De um ponto de vista conservador e datado, conferir o capítulo “Mundividência brasilíndia” (VITA, 1967, pp. 35-45).

[iii] A propósito, conferir matéria acerca dos duzentos anos da Independência do Brasil, links de acesso:

https://arte.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/05/04/200-livros-importantes-para-entender-o-brasil/ e https://www1.folha.uol.com.br/independencia-200/2021/05/conheca-200-importantes-livros-para-entender-o-brasil.shtml, acessados dia 01 de outubro de 2022.

[iv] “… com Paulo Arantes dedicando seu livro à formação uspiana e abrindo o caminho para aquilo que seria a formação da filosofia brasileira, que até hoje ainda não veio à luz. No entanto, se ainda não há a obra, não nos faltam a experiência e a realidade da página virada, com a agenda da pós-formação ocupando hoje o primeiro plano… (DOMINGUES, 2017, p. 50).”

[v] A propósito, Lima Vaz registrara “Assim, vemos aparecer em fins do séc. XIX e princípios do séc. XX, momento de crescimento mais rápido da sociedade norte-americana, correntes filosóficas como o pragmatismo, o instrumentalismo deweyano, o operacionalismo, que configuravam um pensamento filosófico tipicamente norte-americano (VAZ, 1978, p. 13).”

[vi] Descolonização para evitar o galicismo do termo “decolonização”, ambos de sentido similar.

[vii] “Os críticos, sobretudo Barreto Filho, que melhor estudou o caso, interpretam o Humanitismo como sátira ao Positivismo e em geral ao Naturalismo filosófico do século XIX, principalmente sob o aspecto da teoria darwiniana da luta pela vida com sobrevivência do mais apto. Mas, além disso, é notória uma conotação mais ampla, que transcende a sátira e vê o homem como um ser devorador em cuja dinâmica a sobrevivência do mais forte é um episódio e um caso particular. Essa devoração geral e surda tende a transformar o homem em instrumento do homem, e sob este aspecto a obra de Machado se articula, muito mais do que poderia parecer à primeira vista, com os conceitos de alienação e decorrente reificação da personalidade, dominantes no pensamento e na crítica marxista de nossos dias e já ilustrados pela obra dos grandes realistas, homens tão diferentes dele quanto Balzac e Zola (ANTONIO CANDIDO, 2011, p. 29).” Contudo, Faoro interpreta o programa filosófico Humanitas, politicamente: “O final do programa é o verdadeiro programa: derrubar o ministério. Uma doutrina filosófica justificaria a ambição do poder, mitigada e embelezada na sua rudeza. Mas a filosofia, em essência, não ensina outra coisa senão o deslocamento do partido que manda por outro que quer mandar. Nessa manipulação de fórmulas e palavras, os ingredientes dos dois partidos tradicionais se misturavam e confundiam: ‘defender os sãos princípios da liberdade e conservação (FAORO, 1976, p. 167).”

[viii] A propósito de “As ideias fora do lugar” (1973), ver “Por que ‘ideias fora do lugar’? (SCHWARZ, 2012, pp. 165-172).

[ix] Para a crítica distanciada da posição de Cruz Costa, conferir “Uma história dos paulistas no seu desejo de ter uma Filosofia” (ARANTES, 1993, pp. 319-347). Ver também “Instinto de nacionalidade: Cruz Costa e herdeiros nos idos de 60” (ARANTES (1984), 1994, pp. 102-126).

[x] Ver NOVAIS, F. “O Brasil nos quadros do antigo sistema colonial”, (MOTA, 1977, pp. 47-63).

[xi] Se a expressão “razão tupiniquim” recendia certo pré-juízo em relação a sabedoria dos povos originários brasileiros; atualmente, ao contrário, há um interesse crescente por tal sabedoria, sobremodo, acerca do metabolismo homem-natureza retratado no depoimento autobiográfico do xamã yanomami, Davi Kopenawa. (KOPENAWA; ALBERT, 2015).

[xii] Link de acesso ao samba “Positivismo”, de Noel Rosa, https://www.youtube.com/watch?v=cDNXg_KdTM0

[xiii] Link de acesso ao samba “Mora na filosofia”, de Monsueto Menezes, https://www.youtube.com/watch?v=ssfwerdOqVk.

[xiv] Link de acesso à canção “Língua”, de Caetano Veloso, https://www.youtube.com/watch?v=fsqoCBfucYo.

[xv] O personagem Paulo Martins, vivido por Jardel Filho, jornalista e poeta, em Terra em transe, de Glauber Rocha, 1967, recita no filme partes de poemas de Mário Faustino.

[xvi] “O problema de uma Filosofia especificamente nacional, que encontre no caráter autóctone seu critério (ia dizer validez), vem sendo reiteradamente colocado na América Latina. Evidentemente, esse desiderato inscreve-se num complexo bem mais vasto de questões: trata-se do processo que pretende superar uma situação de inferioridade cultural através da afirmação de uma ‘linguagem’ nacional. E nacional quer dizer, entre outras coisas, mas principalmente, o estabelecimento do estatuto de uma cultura não dependente, calcada na reivindicação de autonomia nacional, mesmo que não excludente. Assim, o que estaria em causa seria o ser mesmo destes povos, a escuta de sua índole mais profunda, única garantia para conseguir alicerçar a construção de um perfil verdadeiramente nacional. E caberia ao comprometimento dos conceitos filosóficos traduzir a riqueza da realidade dos diversos países em categorias racionais inconfundíveis. […] (Contudo), Toda a problemática das relações entre filosofia e realidade nacional acaba girando, necessariamente, em torno do conceito de diferença. E é apenas então que o problema pode começar a ser equacionado (BORNHEIM, 1980, pp. 93 e 103, respectivamente).”

[xvii] Sugestão de tema replicado do título da obra Fenomenologia do Brasileiro (FLUSSER, 1988).

[xviii] De saída, a tomar em conta “Brava gente brasileira: pequeno ensaio sobre sociedade e Estado por ocasião do V Centenário” (SANTOS, 1999, pp. 977-994).

[xix] De Gregório de Matos Guerra, Castro Alves, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Murilo Mendes João Cabral, Mário Faustino, João Cabral, Paulo Leminski, os irmãos Campos. – Carlos Drummond de Andrade, a estibordo.

[xx] Contudo, ressalvado que projeto modernista viajava no tempo, antes de eclodir em 1922, através, basicamente, da interlocução de Eduardo Prado com Eça de Queiróz, dentre outros, desde o final do século XIX. Eduardo Prado, cuja família deteve por décadas o controle da produção e do comércio exterior do café. Para Hardman, subsidiada pela oligarquia agro comercial paulista, e expressa pela elite intelectual regional, o que se pretendeu com a Semana de Arte Moderna, para além das intenções de viravolta estética, fora a consolidação política de um projeto de pais, sob a hegemonia dos paulistas. (HARDMAN, 2022).


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