A guerra inevitável

Imagem: Neosiam
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por RUBEN BAUER NAVEIRA*

Comentário ao artigo de José Luís Fiori “A esperança da paz e a permanência das guerras”

Em recente artigo postado no site A Terra é Redonda José Luís Fiori sinaliza, sem contudo explicitá-lo, que o mundo se encontra à beira de uma grande guerra global (até porque isso é algo que não tem como ser explicitado, primeiro porque enxergar algo que ninguém mais vê arrisca acabar depondo contra a própria credibilidade, segundo porque as consequências desta guerra serão catastróficas a um nível inimaginável para a imensa maioria da humanidade, ou mesmo para sua totalidade).

A singularidade desta guerra em relação a todas as que as precederam é saber-se, de antemão, que armas nucleares serão empregadas. Não fosse por esse “detalhe”, a guerra já teria estourado há muito tempo. A perspectiva de uma retaliação nuclear volumosa, mesmo frente a um ataque devastador de surpresa (conceito norte-americano de “First Strike”), tem até aqui operado como dissuasão efetiva. E continuará a sê-lo, até que se chegue ao ponto em que os norte-americanos (por “americanos”, refiro-me aos assim chamados “1%” e “Deep State”) entendam já não têm mais nada a perder, em termos da conservação da sua hegemonia econômica sobre o resto do mundo.

É claro que a guerra poderia ser evitada se os norte-americanos se resignassem em tornar-se apenas mais uma nação em meio às demais, sujeitas todas às chuvas e trovoadas (leia-se: sem que a sua moeda nacional seja mais considerada a reserva universal de valor pelo restante do mundo). Porém isso está absolutamente fora de cogitação, por razões que demandariam toda uma outra argumentação.

Assim, a guerra vai ficando sempre no “quase”, ao longo de sucessivos episódios que claramente compõem uma escalada militar cada vez mais acelerada rumo às vias de fato, como (dentre vários outros) os havidos no Kosovo (o incidente de Pristina em 1999), na Geórgia (em 2008), na Ucrânia (o Maidan e a Criméia, em 2014), na Síria (desde 2015), novamente na Ucrânia (a frustrada invasão do Donbass em 2020), na bem sucedida porém ocultada retaliação iraniana em 08/01/2020 ao assassinato do general Soleimani, e mais recentemente no Mar do Sul da China e em Taiwan, bem como na “crise do gás” em curso na Europa.

Fato é que tanto russos quanto chineses já anunciaram aos americanos e ao restante do mundo, em alto e bom som, que há linhas vermelhas que não poderão ser cruzadas (isso, fora o que eles certamente também fizeram de forma confidencial, e ainda mais dura, por meio dos canais diplomáticos), e anunciaram também às populações russa e chinesa que a guerra é inevitável, mais dia menos dia (em contraste, a população norte-americana – como ademais as populações ocidentais em geral – é mantida na mais absoluta e suicida ignorância).

A posição de russos e chineses é a de “ganhar tempo” – e se armar mais e melhor enquanto isso. A posição norte-americana é a de fustigar se preparando para atacar, o que vinha sendo feito de forma acumulativa e administrada (para evitar o risco nuclear) com emprego de terceiros (“proxies”), porém doravante será cada vez mais feito com forças próprias (nesse contexto insere-se a retirada americana do Afeganistão, no fundo um reposicionamento de tropas em direção à China).

De volta ao brilhante artigo de Fiori, ele buscou na história, em elementos como a Paz de Westfália do século XVII, ilustrar a trajetória de longo prazo (mais de quatrocentos anos) que acabará fatalmente por nos levar a uma nova guerra global, diante da qual este breve resumo quanto ao curto prazo (menos de vinte anos) é mero espelho em escala fractal.

*Ruben Bauer Naveira é funcionário público aposentado, ativista e autor do livro Uma nova utopia para o Brasil: três guias para sairmos do caos (http://www.brasilutopia.com.br).

 

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • A Terceira Guerra Mundialmíssel atacms 26/11/2024 Por RUBEN BAUER NAVEIRA: A Rússia irá retaliar o uso de mísseis sofisticados da OTAN contra seu território, e os americanos não têm dúvidas quanto a isso
  • A Europa prepara-se para a guerraguerra trincheira 27/11/2024 Por FLÁVIO AGUIAR: Sempre que a Europa preparou-se para guerra, ela acabou acontecendo, com as consequências trágicas que conhecemos
  • Os caminhos do bolsonarismocéu 28/11/2024 Por RONALDO TAMBERLINI PAGOTTO: O protagonismo do Judiciário esvazia as ruas. A força da extrema direita tem apoio internacional, recursos abundantes e canais de comunicação de grande impacto
  • O acontecimento da literaturacultura equívoco 26/11/2024 Por TERRY EAGLETON: Prefácio do livro recém editado
  • Os espectros da filosofia russaBurlarki cultura 23/11/2024 Por ARI MARCELO SOLON: Considerações sobre o livro “Alexandre Kojève and the Specters of Russian Philosophy”, de Trevor Wilson
  • Aziz Ab’SaberOlgaria Matos 2024 29/11/2024 Por OLGÁRIA MATOS: Palestra no seminário em homenagem ao centenário do geocientista
  • Não existe alternativa?lâmpadas 23/06/2023 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Austeridade, política e ideologia do novo arcabouço fiscal
  • O premiado Ainda estou aquicultura ainda estou aqui ii 27/11/2024 Por JULIO CESAR TELES: Não é apenas um filme que soube usar recursos visuais, fontes de época ou retratar um momento traumático da história brasileira; é um filme necessário, que assume a função de memória e resistência
  • Não é a economia, estúpidoPaulo Capel Narvai 30/11/2024 Por PAULO CAPEL NARVAI: Nessa “festa da faca” de cortar e cortar sempre mais, e mais fundo, não bastaria algo como uns R$ 100 bilhões ou R$ 150 bilhões. Não bastaria, pois ao mercado nunca basta
  • Guerra na Ucrânia — a escada da escaladaANDREW KORYBKO 26/11/2024 Por ANDREW KORYBKO: Putin viu-se confrontado com a opção de escalar ou de continuar sua política de paciência estratégica, e escolheu a primeira opção

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES