Por ANDREW KORYBKO*
O comandante-em-chefe da Ucrânia fez um último apelo por ajuda americana
A disfunção do Congresso norte-americano no mês passado, ao lado da guerra entre Israel e o Hamas, que eclodiu ao mesmo tempo, criaram a tempestade perfeita do ponto de vista da Ucrânia, pois resultou no corte abrupto de ajuda, paralelamente à redefinição de prioridades de seu principal patrocinador em relação ao autoproclamado Estado judeu. “A revista Time compartilhou algumas verdades ‘politicamente inconvenientes’ sobre a Ucrânia” em seu artigo de capa sobre Volodymyr Zelensky, citando seus assessores mais próximos e conselheiros seniores não identificados, o que a The Economist acaba de confirmar.
Eles entrevistaram o comandante-em-chefe Zaluzhny e publicaram uma série em três partes composta pelo relatório sobre esta conversa (cf. aqui), o artigo dele de nove páginas sobre “Guerra moderna de posição e como vencê-la” (cf. aqui) e o resumo executivo que ele escreveu (cf. aqui). Juntos, eles representam o último apelo desse oficial militar de alto escalão pela ajuda americana, sem a qual seu lado será forçado a fazer um acordo com a Rússia por meio de um cessar-fogo ou, pelo menos, um congelamento informal do conflito; ou arriscará um motim se continuar lutando.
No entanto, este último cenário não é tão improvável quanto os apoiadores mais fervorosos de Kiev podem instintivamente alegar, já que os dois artigos da revista Time e o da The Economist sugerem isso de forma assustadora. A primeira informou a seus leitores que algumas tropas começaram a recusar ordens para avançar mesmo quando elas vêm do gabinete presidencial, algo que consideram suicida sem a mobilização de mais armas e homens, enquanto a segunda estava fortemente orientada por Zaluzhny no primeiro de seus três artigos mencionados, como segue:
“‘O maior risco de uma guerra de atrito por trincheiras é que ela pode se arrastar por anos e desgastar o Estado ucraniano’, diz [Zaluzhny]. Na Primeira Guerra Mundial, os motins interferiram antes que a tecnologia pudesse fazer a diferença. Quatro impérios colapsaram e uma revolução eclodiu na Rússia. Um colapso no moral ucraniano e no apoio ocidental é exatamente com o que Putin está contando. Não há dúvidas na mente do general Zaluzhny de que uma guerra longa favorece a Rússia, um país com uma população três vezes maior e uma economia dez vezes maior que a da Ucrânia”.
Lendo nas entrelinhas, Volodymyr Zelensky – que as fontes anônimas do séquito da revista Time advertiram que “ele se ilude” com uma crença na vitória de Kiev que começou a “beirar o messianismo” – pode muito bem apostar que é melhor arriscar um motim do que congelar o conflito. Em outras palavras, ele continuará lutando mesmo que a ajuda americana nunca retorne a seu ritmo, escala e abrangência anteriores e continue sendo “apenas o meio de sobreviver” ao conflito e não “o meio de vencer a guerra”, como descreveram as fontes.
Zaluzhny estava aludindo a esse pior cenário ao alertar sobre como um conflito prolongado poderia “desgastar o Estado”, mas preferiu apelar mais para a crença arrogante de alguns formuladores de políticas americanos de que eles ainda poderiam derrotar a Rússia em sua última tentativa de restaurar o mesmo nível de ajuda. É por isso que, em sua entrevista, no artigo que escreveu e em seu resumo executivo do referido artigo, ele se concentrou mais nos tipos específicos de armas de que precisa e em como planeja usá-las.
Até então, especular sobre um motim iminente ou um golpe militar antes dos artigos da revista Time e da The Economist era um assunto do reino da Comunidade de Mídia Alternativa, que a Mídia Tradicional desacredita como sendo “propaganda russa”. Depois desses dois artigos, entretanto, os ocidentais comuns e seus formuladores de políticas podem agora discutir esses cenários sem medo de serem difamados. Isso representa uma das mudanças narrativas mais significativas desde o início do conflito e, portanto, deve ser acompanhada de perto.
*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]
Tradução: Fernando Lima das Neves.
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