Terceira guerra mundial?

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Por ALEKS*

Esboço dos eventos de uma Ucrânia em colapso e o fim da OTAN

Para Andrei Raevsky

Recentemente tem-se falado muito sobre onde terminará a espiral crescente da guerra na Ucrânia. Terminará na Terceira Guerra Mundial? Haverá uma guerra nuclear? Quais são os fatores determinantes? E o que indicaria que a Terceira Guerra Mundial é iminente? Vou passar por essas questões em detalhes, a partir de uma perspectiva estratégica.

Então, haverá uma terceira guerra mundial? Eu diria que sim, com quase absoluta certeza. Mas restam algumas perguntas que precisam ser esclarecidas antes de começarmos a entrar em pânico. Eu pessoalmente, hoje, não vejo necessidade de pânico. Ainda. Mas a quais perguntas me refiro? Explicitamente: Quando a 3ª Guerra Mundial vai estourar? Em que circunstâncias? Quais alianças participarão? Onde será o campo de batalha principal? Por fim: as três grandes potências irão se chocar diretamente em grande escala umas contra as outras?

Não tenho respostas para essas perguntas. Mas é possível ver que essas são questões estratégicas, não questões operacionais, como as que estamos considerando atualmente na Ucrânia. Não acho que as questões operacionais – se 100 tanques serão fornecidos à Ucrânia, ou mesmo 200 caças supersônicos – decidirão algo sobre a probabilidade de uma Terceira Guerra Mundial. O que espero fazer aqui é ajudar os leitores a desenvolver seu pensamento estratégico para que possam ver além das questões operacionais restritas a que antes me referia.

 

Pré-condições

Procuramos desenvolver um quadro estratégico e operacional que possa ser válido. Assisto agora a todos os grandes e conhecidos analistas de podcast irem progressivamente pulando no mesmo trem que eu. Todos estão falando agora, em vez de “grandes flechas” operacionais (ataques em grande escala), de moagem metódica em várias frentes, para pressionar o máximo possível os ucranianos, para que então entrem em colapso. No estado das coisas, isso parece bem mais razoável.

 

Mais remessas de armas

Comecemos com as remessas de armas. A rigor, a guerra parece ter se intensificado muito mais do que ambos os lados jamais imaginariam. Do meu ponto de vista pessoal, chego a supor que a Rússia tinha planejado escaladas até a destruição da terceira formação do exército “ucraniano”.

Primeira formação: O exército ucraniano inicial, destruído entre final de fevereiro e abril de 2022. Segunda formação: O novo exército ucraniano, equipado com equipamento leve ocidental. Projetado para proteger a Ucrânia, até que a terceira formação fosse treinada e equipada no exterior. A segunda formação foi derrotada por volta do final de julho de 2022. Terceira formação: Soldados treinados no exterior e equipados com todas as armas que países com antigos estoques soviéticos pudessem ter poupado. Formação destruída até o momento de assunção do comando do SMO (Operação Militar Especial, pelas iniciais em russo) pelo general Valeri Gerasimov, em 11 de janeiro de 2023.

Quarta formação: Está atualmente sendo constituída, mas já parcialmente engajada em combate, para evitar que as linhas de frente entrem em colapso. Seu propósito é manter uma luta de terra arrasada (scorched earth) o maior tempo possível. Essa formação é composta por dois componentes, que devem garantir a consecução desse objetivo.

Exército profissional: Seu componente profissional conta com combatentes já mobilizados já há alguns meses e treinados no exterior. São, em especial, pessoas “ideologicamente confusas e altamente motivadas”. Há também uma única palavra para descrevê-las: ultranacionalistas (ou neonazistas).

Esses combatentes estão sendo treinados em novas armas e equipamentos ocidentais. Há uma grande probabilidade de que o plano inicial, de alguns meses atrás, tenha sido o de usá-los para outra contraofensiva, visando produzir outra “derrota” dos russos, antes do colapso total da Ucrânia. No entanto, ao que parece, os acontecimentos têm sido mais velozes.

Certamente não há mais espaço para qualquer tipo de ofensiva. Essas unidades provavelmente serão usadas para defesa móvel operacional. Em outras palavras, serão usadas onde dói mais, para retardar o colapso. A grande questão é se essa fração do exército será usada com sabedoria, na porção oeste do Dnieper, de maneira móvel, para infligir o maior dano possível aos russos, ou se simplesmente será lançada no moedor de carne do Donbass, e enterrada junto com o Estado ucraniano.

Exército conscrito forçado: Tanto quanto posso julgar remotamente, tenho a sensação de que todos os “ucranianos altamente motivados e ideologicamente confusos” estão “esgotados” ou em processo de esgotamento na quarta formação do seu exército. O principal indicador é que a propaganda do governo ucraniano de que seu exército quase não teve perdas, desmoronou. Agora, na Ucrânia, sabe-se bastante bem que todos os convocados morrerão, ficarão gravemente feridos ou, na melhor das hipóteses, vão se tornar prisioneiros de guerra russos. Não sobrará mais nada. Porque um dos objetivos dos russos agora é a aniquilação física total do exército ucraniano, o que pode vir a ser alcançado no verão de 2023. Até lá, todos estarão mortos, feridos ou capturados. Pode haver alguns tipos mais hardcore, “ideologicamente confusos e altamente motivados”, que continuem lutando, mas só poderão agir por conta própria, não como parte de um exército organizado.

Dito isso, voltemos aos recrutas. Como ninguém quer morrer por uma causa perdida (eles sabem agora que acabou, e só resta morrer), os homens ucranianos estão se escondendo ou tentando escapar do recrutamento. Existem equipes móveis de “recrutamento” vasculhando todas as cidades, para capturar homens sob quaisquer circunstâncias. O objetivo implícito de exaurir a disponibilidade de todos os homens ucranianos saudáveis ainda está ativo.[1] Essas pessoas desmotivadas, para dizer o mínimo, serão jogadas nas trincheiras para ganhar tempo. Eles não têm outra perspectiva senão serem mortos ou, se tiverem sorte, capturados pelos russos.

Essa é a quarta formação do exército ucraniano, o último recurso, por assim dizer. Um componente deve comprar tempo, pagando em sangue, enquanto o outro componente deve infligir o máximo de danos às forças russas. Não restam mais recursos humanos para continuar a luta depois desta mobilização da Volkssturm. A Ucrânia experimentará o colapso no verão de 2023. E o que isso tem a ver com novas entregas de armas? Bem, a guerra só pode continuar se esses últimos ucranianos tiverem veículos blindados. Os ucranianos “confusos” ainda acreditam na vitória com equipamentos ocidentais. Eles não seguiriam em luta ou atacariam as posições russas descalços e sem a ajuda de blindados.

As seguintes circunstâncias se aplicam: todo o estoque soviético da OTAN e da Ucrânia está esgotado; a maior parte da mão de obra ucraniana está esgotada. Assim, um novo exército “Frankenstein” está sendo construído com todo tipo de material da OTAN, para manter os ucranianos motivados a morrer pelo Ocidente. Frankenstein por ser uma mistura incompatível de tudo, algo que não tem valor de batalha, por não ter qualquer habilidade em armas combinadas.

Considerando o estado atual do exército ucraniano, nada pode ajudar. Na verdade, não importa mais o que o Ocidente esteja entregando. Seu impacto será zero no resultado da guerra. É apenas um motivador e facilitador, para os ucranianos continuarem a luta, até que os últimos homens “mobilizáveis” sejam mortos ou capturados. Além disso, significará também muito mais russos mortos, por conta do prolongamento da guerra. Esse é o único objetivo das novas remessas de armas.

 

Linhas vermelhas

Talvez existam linhas vermelhas. Mas não é provável que a Rússia as demarque pela quantidade ou qualidade de tanques e aviões eventualmente enviados pelo Ocidente. Estou pessoalmente convencido de que as linhas vermelhas foram acordadas por Sergei Naryshkin (chefe da inteligência russa) e William Burns (diretor da CIA) na reunião de Ancara, em 14 de novembro de 2022. E essas linhas vermelhas, do meu ponto de vista, diriam respeito ao controle e segurança do território após a guerra.

Na verdade, presumo que todo tipo de entrega de armas seria “tolerado”, mas não com prazer, pelos russos, desde que não haja risco de perda de território. E a Ucrânia, como um todo, com exceção de áreas que possam ser cedidas para outros países, já está sendo considerada como território russo.

Isso é tacitamente aceito porque o exército ucraniano está praticamente derrotado. A Rússia está lutando contra a quarta e última formação. Os melhores combatentes já morreram ou fugiram. E há outro motivo importante. Vou abordá-lo na seção “Animal ferido”.

O último ponto que desta seção diz respeito à Alemanha. Esse país está sendo evidentemente forçado a enviar seus tanques para a Ucrânia. Isso não produzirá consequências militares, mas o cálculo norte-americano é de que a Rússia poderia, por conta desse cenário, escalar até a ruptura de relações com a Alemanha, e para sempre. Os Estados Unidos parecem querer desesperadamente destruir em definitivo as relações entre a Alemanha e a Rússia. Assim, a Alemanha dependeria dos Estados Unidos, e não se beneficiaria da nova ordem mundial multipolar, orientada a partir dos BRICS/SCO.

Aqui estão algumas especulações pessoais: A Alemanha quer que a Ucrânia entre em colapso o mais rápido possível, então eles saem do cenário infernal no qual foram forçados a entrar pelos Estados Unidos. A Rússia sabe disso e mantém a porta de trás aberta para a Alemanha administrar a transição para longe do domínio americano. Presumo que as entregas de tanques não mudarão muito se não houver mais escaladas. No entanto, se as tropas da OTAN entram como parte das escaladas, aí entramos também na 3ª Guerra Mundial.

 

O Ocidente

O Ocidente está atualmente em declínio acentuado, econômica, militar e politicamente. No entanto, não devemos esquecer que o Ocidente tem sido o polo dominante por décadas. Então, é claro, acumulou muita riqueza e um grande exército. E agora chegamos ao problema. A Rússia trabalhou quase que abertamente para a implementação da nova ordem mundial multipolar em torno do BRICS e da SCO (Organização para Cooperação de Xangai). Os norte-americanos estavam cientes disso. Ao mesmo tempo, o império americano, seguindo os passos de outros impérios antes dele, tem obrado para a destruição da Rússia. Portanto, a estratégia sempre foi a de voltar todos os ex-aliados e ex-Estados soviéticos em torno da Rússia contra ela e, em seguida, desencadear o colapso interno do país.[2]

Tanto os Estados Unidos quanto a Rússia, seja por iniciativa seja por reação, desencadearam suas ações decisivas em 2022. E apenas um lado prevalecerá. Quem vencer na Ucrânia terá o caminho praticamente livre para alcançar seus objetivos geopolíticos. Ao menos é o que as partes acreditam. E, a partir de agora, deve estar claro para os políticos e serviços de inteligência de todos os Estados ocidentais que o jogo acabou. A Ucrânia logo cairá e, com ela, a ordem mundial unipolar centrada nos Estados Unidos. A Rússia não será destruída.

 

Metas

Os norte-americanos já sabem bastante bem sobre seu destino, desde que seu plano na Ucrânia falhou. Isso não precisa ser o fim dos Estados Unidos. Eles podem se tornar membros normais e poderosos da futura ordem mundial multipolar, sentados à mesa com as outras grandes potências. Nisso, haveria dois resultados possíveis: (i) exatamente esse cenário: os Estados Unidos se tornam uma potência multipolar “normal” à mesa com outras; surge um novo sistema mundial, controlado por uma organização e não por Estados, ou então um novo tipo de ONU/Liga das Nações, ou então uma reconstrução fundamental da ONU e expurgo da “influência ocidental” (e daí a “desocidentalização” do mundo).

(ii) Os Estados Unidos decidem permanecer como um “polo oposto”, contra a ordem mundial multipolar, e então teríamos dois sistemas ao mesmo tempo, competindo entre si; o que resta do Ocidente e os Estados BRICS/SCO, lutando ambos pelos disputados mercados até então livres de blocos.

Infelizmente, suponho, a segunda alternativa prevalecerá, o que seria a pior opção para o mundo e para a humanidade.

Quais seriam os objetivos dos Estados Unidos (o Ocidente) nesse momento? Drenar completamente o poder de todas as suas colônias, tornando-as inteiramente dependentes do centro norte-americano, para garantir mercados e território, e para a futura luta contra os poderes do Heartland, ao mesmo tempo em que enfraqueceria o Heartland, já que a Europa é parte integrante dele, com um enorme potencial, se bem gerido.

Esgotar os estoques de armas da Europa para produzir o efeito colateral “positivo” de que todas essas armas precisarão ser repostas, e como os custos de produção industrial terão subido muito, por conta, por exemplo, da explosão dos gasodutos (que coincidência!), além de várias outras razões autodestrutivas, a Europa, ao tentar repor seus estoques, vai se voltar para os Estados Unidos e implorar por armas “baratas”.

Na verdade, os Estados Unidos estão estuprando a Europa e a forçando a voltar a eles e implorar por mais. Perversão? Talvez, como diria Scott Ritter, odioso.

 

Animal ferido

Muito provavelmente o Ocidente não esperava que a guerra se desenvolvesse como se desenvolveu. Primeiro, contava com a alternativa de que a Ucrânia caísse em poucos dias, e assim organizaria uma guerra de guerrilha. No entanto, depois que se viu que a Rússia não estava empreendendo uma ofensiva estratégica doutrinária, comprometendo todos os seus recursos, mas apenas um SMO (Operação Militar Especial), o raciocínio foi: o Ocidente vai vencer.

Mas nada disso aconteceu. Nem a Rússia venceu com seu SMO em poucos dias, nem perderá. Na verdade, ela está na Ucrânia derrotando o Ocidente, seus exércitos e economias. Quem teria pensado nisso? Os Estados Unidos sabem muito bem qual será seu novo papel. Então, preparam-se para isso, tornando a Europa totalmente dependente, desindustrializando-a e drenando-a para a próxima década. Não apenas a Europa, mas também todas as outras colônias, incluindo Canadá, Austrália, Japão, Coréia do Sul etc.

Aqui está o problema. Como os Estados Unidos estão bem cientes de sua queda iminente, do lugar de superpotência para uma nação como as outras (mas ainda poderosa), eles lutam contra uma certa síndrome. Quando tudo está bem, todos ficam felizes e competem para reivindicar o sucesso para si. Quando as coisas vão mal, o oposto se aplica: todo mundo tenta culpar um outro, que é hoje, no caso, os Estados Unidos.

Rápidas considerações sobre isso. Não há um poder unificado que esteja determinando o curso dos Estados Unidos. A oligarquia dominante (e os políticos são apenas “jagunços” dela) não parece saber exatamente que caminho seguir. Há forças que querem escolher a opção 1, acima mencionada, longe da opção imperial e em direção à multipolaridade, e também há forças que não querem cair sem lutar. Infelizmente, a maioria do establishment ou da oligarquia norte-americana é partidária da segunda opção. É aqui onde estamos. Os Estados Unidos agem exatamente como um animal selvagem ferido. Está mordendo, lutando e arranhando tudo ao seu redor. O que é extremamente perigoso para a humanidade. Um erro, e todos morrem.

Isso é o que vemos na Ucrânia. Agora, tudo o que possa ser usado pelos poucos ucranianos capazes que restarem será entregue, menos armas nucleares. E, a rigor, seria idiotice, por parte da Rússia, fazer grande alarido em torno disso. Será gerenciado. Gestão de escalada. Sim, mais alguns milhares de russos morrerão. Ou se você contar os ucranianos como russos, algumas dezenas ou centenas de milhares a mais. Mas ainda assim, o mundo sobreviverá.

Cabe à Rússia e a outras pessoas civilizadas lidar com a raiva desse animal ferido e contê-lo, para que não precisemos usar armas nucleares ou iniciar a 3ª Guerra Mundial. É por isso que a Rússia está levando muitos golpes fortes, sem responder.[3]

 

Desafio

O desafio é que a Rússia vença a guerra na Ucrânia sem escalar muito, para não desencadear nenhuma reação do Ocidente que ainda poderia desencadear a 3ª Guerra Mundial, a partir da Ucrânia. Atualmente, não há potencial para tal escalada, se considerarmos apenas os exércitos ucraniano e russo. O exército ucraniano logo se vai (no final do verão de 2023). Mas os americanos podem decidir sacrificar os exércitos europeus contra a Rússia, como força substituta, sem envolvimento norte-americano direto. Não é impossível, embora eu acredite que a probabilidade seja bastante baixa.

Considere-se, por exemplo, os poloneses ou outros europeus enviando suas próprias tropas para defender a Ucrânia Ocidental, Odessa ou Kiev. As pessoas não querem? Não existe tal humor? Não há armas? Quem se importa? Basta criar suficientes operações de falsa bandeira dentro da União Europeia, ativar uma grande campanha de mídia, e teremos europeus fanáticos, torcendo pela guerra e se oferecendo para marchar sobre Moscou. Tal cenário precisa ser evitado. É o que se pode chamar de “gerenciamento de escalada”.

Por que escrevi que os americanos podem usar os europeus como uma força substituta? Bem, a Europa não é mais interessante para os Estados Unidos. Eles estão se voltando para o novo ponto quente, que é o comércio e, portanto, a Ásia. A Europa acabou. Não vale mais que um preservativo usado, mas ainda útil para tentar enfraquecer a Rússia.

Atirar velharias militares e ondas humanas contra os russos está produzindo perdas para a Rússia, tanto em gente como economicamente. Os custos de oportunidade são aqueles que se contabilizam como as oportunidades favoráveis que são perdidas. Assim, a Rússia pode prosperar, desenvolvendo o comércio e as relações com o “Novo Mundo”. Mas, em vez disso, precisaria entrar em mobilização total, destinando boa parte de seus recursos humanos, bens e bem-estar nas forças armadas e na guerra, enquanto outros atores exploram a ausência da Rússia nos mercados mundiais. Esse é um dos jogos possíveis.

 

Indicadores

Estamos falando de um animal selvagem ferido. Suas ações são totalmente imprevisíveis. E está sempre dobrando as apostas. Portanto, nada pode ser excluído. Devemos estar cientes disso. E é por isso que vale a pena tomar nota de alguns indicadores importantes, que sinalizariam que um limiar foi ultrapassado, e de onde não há mais retorno.

Esforços de mobilização abertos ou encobertos dentro dos grandes países europeus. Transição aberta ou encoberta para uma economia/produção de guerra dentro dos grandes países europeus. Uma mobilização de conscritos na Rússia acima de um milhão e meio de pessoas. Sinais visíveis de intranquilidade do presidente Vladimir Putin, tal como se notou entre novembro de 2021 e fevereiro de 2022. A participação ativa e oficial das tropas da OTAN nas hostilidades contra a Rússia. A ruptura oficial de relações entre a Rússia e os principais países da OTAN, com a retirada de missões diplomáticas etc. O corte total das relações econômicas. A saída da Rússia de muitos mercados não cruciais, sem razões visíveis. A saída da Rússia da Síria. Uma mobilização militar aberta ou encoberta na Rússia.

A retirada de norte-americanos de regiões relevantes sem um motivo claro, como, por exemplo, uma retirada repentina dos americanos do Oriente Médio, incluindo sua marinha. (Os norte-americanos tentariam tirar o máximo de equipamentos e tropas possível para fora de uma área de perigo, antes que as barragens de fogo russas começassem a atingir as bases americanas em todo o mundo).

 

Fatores importantes

Quero ser honesto, tudo o que disse são apenas minhas suposições, mas creio que talvez já seja tarde demais para desencadear a 3ª Guerra Mundial. Eis os sinais: O potencial humano da Ucrânia está quase no fim e logo será esgotado. Os europeus foram desmilitarizados. E eles serão desmilitarizados ainda mais até que isso acabe. Não restará muito a ser usado para lutar contra os russos. Os americanos retirariam seus equipamentos para seu país ou a Ásia. Esta última é uma região importante. A Europa perdeu significado e, com ela, as obrigações da OTAN.

O Artigo 5 da carta da OTAN diz que os aliados devem consultar se e como apoiar um dos seus membros sob ataque. A decisão dos Estados membros individuais pode ser enviar equipamentos médicos ou simplesmente não fazer nada. Isso também se aplica aos Estados Unidos, que provavelmente não fariam muito pelos Estados do Leste Europeu, e certamente não lutariam contra a Rússia por causa deles.

Quando esta guerra termine, a OTAN será apenas quatro letras em um pedaço de papel. Para ser honesto, eu não esperava isso. Apresentarei minhas considerações a respeito de como a OTAN possa ser desmembrada na seção “Perspectivas estratégicas”. Mas, ao que parece, o ramo militar da OTAN logo estará caduco.

É possível reconhecer em todo esse contexto o objetivo final da Rússia: garantir sua segurança estratégica no flanco ocidental, forçando o Ocidente a aceitar o novo projeto de um tratado para a segurança europeia. Seja voluntariamente ou pela força. A força pode ser militar, econômica ou revolucionária.[4]. Não se pode esquecer dessa parte! Porque, em caso de falha, todos nós simplesmente vamos morrer.

 

O pivô Odessa

O pivô estratégico para a questão de se haverá ou não uma Ucrânia daqui para frente chama-se Odessa. Com Odessa, a Ucrânia poderia sustentar algum tipo de economia, acessando o Mar Negro. Provavelmente seria o suficiente para continuar uma existência como um clássico Estado falido pelos Estados Unidos, como a Líbia e outros, que não vou citar para não correr o risco de insultar as pessoas que lá vivem.

Se a Rússia tomar Odessa, ou derrotar o exército ucraniano em outro lugar, de modo que Odessa não possa mais ser defendida, então a guerra acabou. Odessa é mais importante para a Ucrânia do que a própria cidade de Kiev.

Odessa também é um dos objetivos estratégicos, nomeado pelo presidente Vladimir Putin, antes de iniciar o SMO. Um desses objetivos é fazer justiça ao que ocorreu em Odessa em 2014, quando cerca de cinquenta sindicalistas russos foram queimados até a morte por nacionalistas ucranianos. É um objetivo pessoal de Vladimir Putin tomar a cidade e buscar justiça para essas mortes. Aqui estão mais razões: É uma cidade estratégica. Sem ela, nunca poderia haver algo como “Ucrânia” novamente: ela não seria economicamente sustentável. Ela daria à Rússia o controle de grande parte do Mar Negro. Na verdade, o domínio da Rússia no Mar Negro não poderá mais ser contestado. Não só não do mar, mas também da terra e do espaço aéreo. A Rússia teria praticamente um posto avançado no flanco leste da OTAN, o que é crucial: radares, bases aéreas, defesas aéreas, bases de mísseis, base de uma frota, áreas de triagem etc.

Odessa é uma cidade russa. Não apenas qualquer cidade russa; é uma cidade russa muito importante. Foi construída por uma imperatriz russa muito popular, Catarina, a Grande. Além disso, para a Rússia, é uma Cidade Heroica da Grande Guerra Pátria (a Segunda Guerra Mundial). A Ucrânia e o Ocidente nunca aceitarão a paz com a Rússia enquanto a Rússia mantiver territórios que o Ocidente também reivindica, como Kherson, Crimeia etc.

Se os russos deixassem Odessa para a Ucrânia, sob algum tipo de tratado, sempre haveria o perigo de que a Ucrânia se rearme e use Odessa e seu acesso ao Mar Negro para prejudicar a Rússia. Como todos sabemos, e a Rússia o sabe ainda mais, o Ocidente quebra literalmente todos os tratados que firma. Odessa é o último passo antes que a Rússia possa se reunificar com a Transnístria. Este é um problema que certamente precisa ser resolvido. E isso precisa ser resolvido agora. E isso muito provavelmente será resolvido agora.

Na verdade, é possível tomar esses argumentos e invertê-los, e assim se tem as razões pelas quais a OTAN (Estados Unidos) tem interesse estratégico em assegurar Odessa. Os argumentos são essencialmente semelhantes a esses, da mesma forma como o Ocidente desejava ardentemente ter a Crimeia.[5] Para ser direto, Crimeia e Odessa são de longe mais importantes para o Ocidente do que Kiev ou qualquer outro território da Ucrânia. É provavelmente essa a razão de tanto se falar de uma ofensiva contra a Crimeia. A questão é: o Ocidente terá uma vantagem estratégica contra a Rússia ou a Rússia terá uma vantagem estratégica contra a OTAN? A resposta agora já pode ser óbvia.

Considerando tudo isso, parece não haver chance no mundo de que a Rússia não tome Odessa. Não importa quais acordos seriam propostos, ou quais tratados, ou o que quer que seja. Talvez houvesse um momento em que isso fosse possível. Na Fase 1. Talvez ainda na Fase 2 da guerra…. Mas a partir de agosto de 2022 tudo isso acabou. Houve muito sacrifício para não ir até o fim. Na verdade, seria um grande insulto a todas as pessoas que morreram do lado russo, tanto civis quanto militares.

No entanto, haverá um momento Odessa. O momento em que fica claro para todos que Odessa não pode ser defendida. Vou dar aqui uma lista incompleta de casos, que podem ser considerados como um “momento Odessa”: Cerco de Odessa (tal como em Mariupol). Colapso das forças armadas ucranianas. Colapso do Estado ucraniano. Destruição completa do exército ucraniano. Rendição completa do exército ucraniano. O corte do oblast de Odessa mais ao norte, para alcançar a Transnístria. A abordagem de Odessa a partir do sul, pelo exército russo, sem tropas para defendê-la.

Esse será o momento mais perigoso da guerra. É o momento em que o Ocidente precisará decidir se a Ucrânia se renderá ou se dobrará a aposta e intervirá com tropas ocidentais. Esse é essencialmente o ponto em que se decidirá se a 3ª Guerra Mundial acontecerá ou não.

Qualquer que seja a decisão que o Ocidente possa tomar é insignificante para a Rússia. A Rússia já se encontra a ponto de fazer face a não importa qual seja a ameaça de escalada do Ocidente. Mesmo que isso signifique o fim da espécie humana. Não há cenário em que, simultaneamente, a Rússia não tome Odessa e o mundo não arda em chamas. Esse é, na prática, uma virtual impossibilidade.

 

Galinhas em Odessa

E aqui chegamos ao problema. Os americanos têm o hábito de entrar em um lugar e reivindicá-lo para sempre, apenas por conta de sua presença. A lógica é que, se eles estiverem lá, ninguém jamais ousaria contestar isso. Por exemplo, para evitar a 3ª Guerra Mundial.

Isso é essencialmente verdade e funciona bem em todo o mundo. Veja-se a Sérvia (no caso da sua província de Kosovo) e o leste da Síria. Claro, há muitos mais exemplos. Isso pode ser chamado de “jogo da galinha”.

A razão por que a 101ª divisão aerotransportada do Exército dos Estados Unidos foi implantada na Europa Oriental, na Romênia, é que os Estados Unidos estão ansiosos pelo momento Odessa. Se o momento Odessa acontecer, o governo norte-americano (ou melhor, a oligarquia norte-americana) fará mover a 101ª para Odessa.

A 101ª é incapaz de se defender de um ataque russo. O cenário sugerido apenas ajudaria, potencialmente, a ganhar tempo, até que os Estados Unidos sejam capazes de mobilizar uma grande força na Romênia para socorrê-los. A verdade é que tal força não existe, e não poderia aliviar nada. Hoje em dia, a Rússia tem habilidades convencionais de ataque profundo com mísseis hipersônicos que não podem ser detidos. Nada na retaguarda europeia é defensável. Os americanos não são idiotas, e seus planejadores militares sabem disso.

Então, por que o 101ª? Bem, eles podem ser rapidamente implantados com helicópteros e criar fatos no terreno. Na verdade, pretendem criar um grande “jogo da galinha” em Odessa. Isso resultaria em dois problemas para os russos: Se então os russos atacarem Odessa e as tropas americanas, eles terão desencadeado a 3ª Guerra Mundial do ponto de vista ocidental. Isso serve principalmente para o público civil em todo o mundo considerar como uma guerra mundial começa e como ela pode ser evitada. Ninguém vai perguntar por que os americanos se movimentaram intempestivamente depois que os primeiros mísseis começarem a voar. Pode-se até perguntar quem atirou primeiro, mas isso pouco importa. Todos morreriam de qualquer maneira em um incêndio nuclear.

Como indiquei antes, Odessa é uma cidade histórica crucial e deslumbrante para a Rússia. Na verdade, a Rússia não quer lutar nessas cidades, para poder preservá-las. Se os americanos entrarem, a Rússia vai ser forçada a destruir Odessa para tirá-los de lá. Mais uma vez, já não importará mais o ponto a que se vai chegar.

Esse “Plano Galinha” será ativado pelos americanos? Difícil chegar a uma conclusão. Se eles presumirem que a Rússia recuaria se entrassem, isso poderia acontecer. Mas essas informações estariam erradas e a escalada já teria sido deflagrada. Pessoalmente, ainda não acredito, a julgar pelo clima político, que isso seja desencadeado. Mas essa avaliação pode mudar a qualquer momento.

Desde que tal “Plano Galinha” seja acionado pelos americanos, ainda resta a questão de qual estratégia os russos escolheriam para tirá-los de Odessa. Aqui estão algumas possibilidades: Pode haver um prazo muito curto para uma solução diplomática, mas que não deixe Odessa nas mãos do Ocidente. Mais provavelmente, algum tipo de comércio geopolítico em outro lugar para preservar a humanidade. Em resumo, isso significaria não mais que 48 horas. O exército russo não pode esperar que as brigadas/divisões blindadas norte-americanas se organizem na Romênia, para prover reforços aos paraquedistas da 101ª em Odessa.

Um ataque direto a Odessa, simplesmente arrasando-a com tudo dentro, para não dar tempo às forças americanas de alcançar seus paraquedistas. Uma solução dolorosa.

Aumentar o dial de dor para os Estados Unidos em todo o mundo, visando forçá-los a se retirar voluntariamente, como por exemplo, afundando alguns porta-aviões norte-americanos (o que poderia ser facilmente realizado a qualquer momento pela Rússia, com seus mísseis hipersônicos de longo alcance), bombardeando bases mal protegidas dos Estados Unidos ao redor do mundo ou destruindo a infraestrutura da OTAN na Europa com armas de alto impacto.

Não há nada que o Ocidente possa fazer contra isso, já que, atualmente, não há tecnologia que possa derrubar mísseis hipersônicos. Uma ação tática russa desse tipo ficaria limitada apenas pelo número de mísseis disponíveis. Não se sabe quantos deles a Rússia já tem incorporados.

Note-se que seria preferível que o Ocidente simplesmente aceitasse a devolução de uma cidade russa à Rússia. Não seria preciso chegar às últimas consequências. Não gostaria de ver um momento Odessa ao revés e uma tentativa russa de expulsar as galinhas.

 

Perspectivas estratégicas

Houve especulações iniciais de a Polônia intervir diretamente na Ucrânia Ocidental. Não para lutar contra os russos, mas para garantir território. Mas o presidente Vladimir Putin deixou bem claro em um de seus primeiros discursos, ao iniciar-se a guerra, que tais ações desencadeariam respostas rápidas. Provavelmente ele estava falando sobre uma chuva hipersônica sobre a Polônia. Aqueles planos morreram depois disso.[6] No entanto, parece que a Polônia, ela mesma, ainda está ansiosa para capturar uma parte da Ucrânia que considera como ex-território polonês.

Isso, claro, é um fato interessante. Por que? Bem, a Rússia quer forçar o Ocidente a implementar o novo projeto de tratado para a segurança europeia, portanto, para repelir a influência da OTAN e a infraestrutura militar na Europa Oriental. Em artigos anteriores, apresentei os eixos econômicos que podem desencadear um colapso político europeu. Aqui, vou apresentar algumas estratégias em escala geopolítica.

A Polônia está falando abertamente sobre tomar antigos territórios poloneses. A Rússia está destacando esse fato na mídia. Até Dimitry Medvedev frequentemente o destaca em seu canal no Telegram. Mas, além de destacá-lo, não parece haver muitas objeções. Na verdade, é possível que haja algumas vantagens para a Rússia, se a Polônia realmente tomar o oblast de Lvov. Primeiro, veja-se o mapa.

A Rússia poderia, de fato, permitir que a Polônia tomasse o oblast de Lvov marcado acima. É um oblast altamente comprometido e associado à ideologia nazista de Stepan Bandera. Sua população é profundamente antirrussa e seria difícil chamá-la de russa ou ex-russa. Na verdade, tomá-lo, apaziguá-lo e governá-lo seria um fardo para a Rússia. Será um fardo também para a Polônia. Mas eles querem…

A grande vantagem não é governar ou apaziguar o oblast de Lvov. A grande vantagem é que isso desencadearia grandes tensões dentro da União Europeia (UE) e da OTAN, especialmente entre a Polônia e os outros grandes países do bloco: Alemanha, França e Itália. Não custa lembrar um comentário do chanceler alemão Olaf Scholz em 2022. Alega-se que ele teria dito em particular aos poloneses que, se eles insistissem em reclamar à Alemanha indenizações a título de reparação pela Segunda Guerra, a Alemanha poderia se lembrar de antigos territórios alemães que atualmente fazem parte da Polônia. Se a Polônia tomar Lvov, essa disputa será reavivada.

As tensões na União Europeia e na OTAN contribuem decididamente para a implementação do novo projeto de tratado para a segurança continental. Não voluntariamente, mas pela força diplomática. Então, é realmente possível imaginar que tal movimento possa ocorrer se os poloneses quiserem tomar Lvov, mas em conformidade com a Rússia, e não contra a vontade da Rússia.

Aqui chegamos a duas restrições principais: (i) Os oblasts ao norte de Lvov não devem ser tocados pela Polônia. Estas são zonas tampão e de segurança para a Bielo-Rússia; (ii) os oblasts ao sul de Lvov também não devem ser tocados pela Polônia. Estes são os portões geopolíticos para os Estados do Leste Europeu. São, digamos, pontes terrestres através de Estados, que não são muito bem controlados pelo Ocidente: Ucrânia Ocidental (a ser construída), Hungria (que pode se libertar da OTAN assim que a ponte terrestre for estabelecida) e Sérvia (idem).

Se a Polônia reivindicar esses territórios, pode haver uma resposta rápida do presidente Putin. É possível suspeitar que a mensagem foi razoavelmente clara para a Polônia.

É também possível que a Ucrânia Ocidental (menos Lvov) não se junte à Rússia. Quem sabe? Mas certamente será tomada, desmilitarizada e desnazificada. Depois, poderia ser lançada em algum tipo de pseudo-independência, com bases militares russas em seu território. Mas esse “país pseudo-independente” seria crucial porque seria a porta de entrada da Rússia para a Europa Oriental. Sua ponte terrestre.

 

Hungria, Sérvia e o fim da OTAN

E aqui chegamos às pontes terrestres e rotas comerciais. Essencialmente, a Sérvia e a Hungria estão hoje reféns do Ocidente. Como são países sem litoral, então são também reféns dos Estados Unidos, mas reféns mais submissos do que outras nações europeias. A Sérvia e a Hungria não podem desenvolver política externa independente ou comércio exterior. Se eles não fizerem o que lhes é ordenado, muitas coisas podem acontecer com eles além da ação militar: chantagem; intimidação; bloqueio de rotas comerciais; negação de suprimentos críticos; fechamento do espaço aéreo. E tudo isso sem admiti-lo abertamente, mas apenas inventando razões.

O Ocidente adora usar a Croácia para restrições comerciais contra a Sérvia no âmbito da União Europeia. A Croácia então inventa algumas razões pelas quais os caminhões sérvios não podem passar pela Croácia, ou coisa semelhante. Essa é a razão pela qual a Sérvia foi forçada, por muitos anos, a dizer que quer se juntar à UE, mesmo que o povo não o deseje. Tal fidelidade é exigida pelo Ocidente, para não pressionar a Sérvia novamente.

E aqui entra a guerra na Ucrânia e na “Ucrânia Ocidental”. Se a Rússia conseguir garantir a ponte terrestre para a Hungria na Ucrânia Ocidental, todo o castelo de cartas construído para chantagear a Hungria e a Sérvia desmorona. A Rússia teria, através da Hungria (que enfrenta problemas como os da Sérvia, embora a Hungria faça parte da UE e da OTAN), acesso direto à Sérvia.

Isso permitiria tanto à Sérvia quanto à Hungria escolher livremente com quem querem negociar e ter relações. Portanto, todo o Heartland estaria aberto a esses países. E, com ele, os Estados da SCO (Organização para Cooperação de Xangai) e dos BRICS. O Ocidente não poderia mais ameaçar esses países, bloqueando-os de comércio e suprimentos, e se ameaças militares forem empregadas, a Rússia poderia enviar tropas ou fornecer assistência militar ilimitada através do corredor.

No entanto, é possível imaginar tropas tão apenas na Sérvia, por ser historicamente um “Estado irmão”. Isso já seria uma boa parte da solução para o problema do Kosovo, que é uma província da Sérvia ocupada pelo Ocidente. Hoje, a OTAN pode ameaçar a Sérvia com bombardeios caso a Sérvia resolva proteger seus cidadãos no Kosovo. Se a Sérvia tiver acesso terrestre e aéreo direto à Rússia, as coisas serão completamente diferentes. Fora isso, a Rússia já saiu do caminho imperial da antiga União Soviética. A Rússia não gastará mais sangue e dinheiro para manter um império distante.

Exatamente essa nova conexão pode significar a morte da UE e da OTAN. Veja-se este segundo mapa:

As linhas pretas seriam as novas rotas comerciais chave dos países “separatistas”, Sérvia e Hungria. Eles, de fato, anseiam que essas rotas sejam abertas. Enquanto não estiverem abertas, os dois países precisam suportar a intimidação maciça do Ocidente.

As linhas vermelhas representam novas rotas comerciais em potencial entre a Rússia (BRICS/SCO) e países isolados do Leste Europeu. Quando essas nações virem como a Sérvia e a Hungria podem desenvolver políticas e comércio independentes, cada vez mais países europeus aderirão a esse modelo e se libertarão da influência/chantagem/colonialismo ocidentais. Assim que isso começar a se desdobrar, será o fim da OTAN e da UE. Combine-se isso com a pressão econômica, oriunda das autossanções e à possível tomada de Lvov pela Polônia, e a OTAN e a UE estarão acabadas. Claro, ninguém deve imaginar que tal processo centrífugo se consumaria da noite para o dia. Estamos falando de alguns anos.

Não há linhas no mapa para a Romênia? Bem, a Romênia é de longe a colônia mais submissa, sem um pingo de vontade própria. Não sei o quanto ela poderia se libertar, mesmo com acesso terrestre à Rússia.

Pode-se argumentar que alguns desses países (Croácia, Grécia etc) já têm acesso ao mar. Sim, mas eles não têm acesso terrestre à Rússia. Em teoria, eles poderiam fazer comércio independente. Mas em caso de escalada militar, eles estariam por conta própria, sem a ponte terrestre para a Rússia.

 

O rolo compressor da Rússia

Há algo que não se deve esquecer. A Rússia ainda não está militarmente mobilizada, em sentido estrito. Não se trata sequer de mobilização total. A Rússia ainda não está nem parcialmente mobilizada. Mas é preciso lembrar que se o Ocidente forçar a Rússia a mudar sua economia para uma economia de guerra total, sua sociedade também entrará em clima de guerra total e se suas perdas aumentarem em um número razoável, o Ocidente provavelmente receberá o mesmo que recebeu depois de Napoleão e Hitler: uma sociedade, exército e máquina de guerra russa que não pode ser simplesmente “desligada” depois de reconquistar a Ucrânia. Se ela tiver um exército de um milhão – ou até dois milhões – de combatentes parado na fronteira polonesa, esse exército fará o que seus ancestrais fizeram. Ele marchará para Berlim, ou mesmo além, e acabará com a nova ameaça ao Estado russo.

Ainda não chegamos a este ponto. E se não houver uma escalada que inclua tropas ocidentais na Ucrânia, nunca chegaremos a este ponto. No entanto, se o Ocidente escalar com tropas ocidentais na Ucrânia, esse ponto poderia ser facilmente alcançado.

Como a OTAN está atualmente se desmilitarizando em larga escala, e em breve existirá apenas como quatro letras em um pedaço de papel, pode-se imaginar o que impediria o exército russo em seu caminho para Berlim. Nada.

A Rússia é poderosa o suficiente para fazer isso? Esta pergunta é, de fato, insignificante. Basta considerar o que aconteceria, para a Rússia, se ela perdesse militarmente. Dado o estado da OTAN, não há muito que essa aliança possa fazer contra tal evento, caso a Rússia lute “doutrinariamente” (de modo clássico, com todos os seus recursos). Na Ucrânia, há uma guerra civil entre russos. O presidente Vladimir Putin disse repetidamente que ainda considera os ucranianos como irmãos e russos. Essa é a razão pela qual ele cuida para que os civis sofram o mínimo possível em um ambiente de guerra. É até difícil imaginar que armas e que estratégias seriam aplicadas contra uma nação hostil como a Polônia ou… (preencha-se o espaço em branco). Certamente não será uma moagem lenta para tão apenas destruir um exército inimigo.

Também não importa o quão alto as pessoas clamem pelo “Artigo 5” da carta da OTAN. Esse não é um feitiço mágico, que faria o exército russo desaparecer. Uma retaliação nuclear por parte dos Estados Unidos seria imediatamente dedutível? Não! Para os norte-americanos, a Europa é apenas um preservativo usado. Os novos “caras legais” estão na Ásia. Os Estados Unidos dificilmente se colocarão em risco por causa de um preservativo usado. Perdão, pela Europa.

Mais uma vez, um cenário nuclear seria difícil. Mas nada é certo.

 

China

Inicialmente argumentei que haveria, sim, uma 3ª Guerra Mundial. E, sim, creio que haverá uma 3ª Guerra Mundial. Mas duvido, pelo menos por enquanto, que seja desencadeada na Europa. E também duvido que seu principal campo de batalha seja a Europa. Embora seja de se imaginar uma batalha na Europa.

A grande batalha do nosso tempo será na Ásia e no Pacífico. E não hoje, mas por volta de 2030. A batalha se dará em torno da expulsão dos Estados Unidos de uma região à qual não pertencem. A China está preparando duas estratégias.

O melhor cenário para o mundo seria se os BRICS e a SCO derrubassem a economia imperial americana de tal forma que ela não pudesse mais sustentar seu império e sua rede de bases militares. Assim, sob colapso econômico e social, os Estados Unidos retirariam suas bases do exterior.

A segunda opção é a guerra. Assim, a China está constituindo atualmente o maior exército que o mundo já viu. Mas ainda não está pronto, em termos de quantidade ou profissionalismo/experiência. Mas certamente estará nos próximos anos. 2030, no mais tardar. A Rússia, atualmente subjugando o Império na Europa e o esgotando, é o maior presente que a China pode receber. É por isso que a China fará o possível para manter esse status. E assim, a China ajudará (como está ajudando) a Rússia a contornar a maioria das sanções. E a Rússia está mais do que retribuindo o favor. Ela está ganhando tempo para a China, com seu sangue, como efeito colateral de sua luta existencial contra a OTAN.

 

Conclusão

O problema a que este artigo busca responder diz respeito à perspectiva de uma Guerra Mundial se desenvolver a partir da crise na Ucrânia. Vislumbro a estimativa de 90% de que a guerra na Ucrânia não evolua para uma Guerra Mundial. Infelizmente, 90% ainda está longe de ser certo. Ainda existe a possibilidade de que o Ocidente tente lançar forças por procuração (Polônia, Romênia, Alemanha) para a Ucrânia, para criar um conflito “local”/continental maior, enquanto os americanos se concentram na Ásia. Aqui estamos em 5%. E acima disso, há uma probabilidade de 5% de que os Estados Unidos interfiram diretamente (a partir do momento Odessa etc), o que certamente evoluiria para uma guerra mundial instantânea. Assim:

Paz após a derrota do exército ucraniano: 90%

Desenvolvimento de guerra entre Rússia e proxies europeus dentro da Ucrânia/Europa: 5%

Intervenção americana na 3ª Guerra Mundial: 5%.

É claro que ainda é muito alto. Estamos falando da espécie humana!

De fato, existem dois fatores determinantes principais que decidirão se haverá uma escalada ou não: o “momento Odessa” e o momento “Ucrânia Ocidental”.

Momento Odessa: O Ocidente tentará fazer o possível para evitar entregar Odessa aos russos. Aqui cabem as considerações militares estratégicas. Se os russos a capturarem, terão uma vantagem estratégica e influência sobre a OTAN. Se a OTAN a capturar, o mesmo se aplica à OTAN contra a Rússia.

Momento “Ucrânia Ocidental”: Aqui se trata do acesso terrestre da Rússia à Hungria e, portanto, à Sérvia. Essencialmente, se a Rússia o conseguir, a OTAN e a UE estão acabadas. Isso já é história. Não instantaneamente, mas dentro de um número razoável de anos.

Tudo depende das decisões dos oligarcas norte-americanos. No momento em que sua dominação está ameaçada de extinção global, estariam eles dispostos a deixar a Ucrânia ir-se de suas mãos? ou não? Esses caras não são idiotas. É claro, querem conservar seu poder. Mas no caso de uma guerra nuclear, não haverá mais poder. Mesmo que pareçam não ter marcha à ré disponível e sempre dobrar as apostas, ainda é possível imaginar que, neste caso particular, poderiam até fazer a coisa certa… e desocupar a Ucrânia. Por que estaríamos diante da possibilidade de 10% apenas de escalada? Simplesmente porque a Rússia (BRICS) está envolvida na sua gestão, para oferecer uma maneira segura de os americanos poderem fazer sua transição para um estado normal.

E aqui chegamos ao fato de que nem mesmo os americanos e seus oligarcas podem controlar tudo. É possível que um grupo louco de pessoas, seja nos Estados Unidos seja na Europa, de repente faça algo extremamente estúpido quando sentir que o fim está próximo. Vejam-se os poloneses, ou os pequenos Estados bálticos, ou alguns neoconservadores americanos extremamente malucos. Mas pode até ser que não haja mais de 10% de chance para uma cadeia de eventos de tal magnitude de idiotice.

*Aleks é o pseudônimo de um economista e analista geopolítico sérvio. Edita o blog Black Mountain Analysis na plataforma Substack.

Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel.

Publicado originalmente no portal Black Mountain Analysis/Substack.

Notas do tradutor


[1] Em termos históricos, essa situação já ocorreu anteriormente. O caso que mais próximo dos brasileiros é o do Paraguai, após a guerra contra a Tríplice Aliança, na segunda metade do século XIX.

[2] Esse roteiro é exatamente o que prescreveu o hoje já bem conhecido relatório da RAND Corporation, Extending Russia. Competing from Advantageous Ground (Distendendo a Rússia. Competir a partir de terreno vantajoso) divulgado em 2019. Sobre o significado dessa organização no cenário dos think tanks norte-americanos, veja-se o elucidativo artigo da jornalista Barbara Boland. Para o significado daquele relatório no contexto das ações na Ucrânia, veja-se o artigo do analista português Hugo Dionísio.

[3] O cuidado na dosagem dos impactos de desconstrução da hegemonia geopolítica anglo-americana por parte de Rússia e China foi sugestivamente sintetizado pelo analista Andrei Martyanov como o esforço por domar “um babuíno com armas nucleares”.

[4]  O autor pode estar se referindo a eventuais programas de “mudança de regime” na Europa patrocinados (ou estimulados) pela própria Rússia.

[5] Controlar a Crimeia e implantar uma base da OTAN em Sebastopol é reconhecido pelos analistas geopolíticos como um dos objetivos imediatos implícitos (senão o mais relevante) do governo Barack Obama ao patrocinar o golpe de Estado na Ucrânia em 2014.

[6] Na verdade, as especulações sobre uma ocupação polonesa da Ucrânia Ocidental morreram (ou confirmadamente morreram) após a primeira utilização de armas hipersônicas pela Rússia no teatro ucraniano, ao início do conflito, quando foram atingidos depósitos de armamento e alojamento para os primeiros mercenários chegados à Ucrânia, nas proximidades de Lvov. Entre esses mercenários estava o já famoso e mui atemorizado brasileiro que saiu da Ucrânia a todo fôlego e registrou o episódio em vídeo numa rede social.

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