A pura felicidade – ensaios sobre o impossível

Pablo Picasso, Gravura: 1, 1972
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Por GEORGES BATAILLE*

Um dos ensaios do livro recém-editado

O erotismo, suporte da moral

1.

O erotismo é o próprio do homem. É ao mesmo tempo o que o enrubesce.

Mas à vergonha que o erotismo impõe, ninguém sabe o meio de escapar.

O erotismo é a emboscada em que o mais prudente se deixa cair. Quem pensa estar fora, como se a armadilha não lhe dissesse respeito, ignora o fundamento desta vida que o anima até a morte. E quem pensa dominar, tomando para si esse horror, não é menos manipulado que o abstinente. Ele ignora a condenação, sem a qual a fascinação do erotismo, a que quer responder, cessaria de fascinar.

A esse horror, não podemos nos esquivar a ponto de não ter mais que enrubescer, só podemos gozar dele sob a condição de continuar a enrubescer.

Charles Baudelaire evocou maravilhosamente (em Fusées [Projéteis] III) este escândalo do pensamento (que é o escândalo de todo pensamento): “Quanto a mim, digo: a volúpia única e suprema do amor jaz na certeza de fazer o mal. E o homem e a mulher sabem de nascença que no mal se encontra toda volúpia”.

É, de todo modo, na vergonha, dissimulando-nos sonsamente, que alcançamos o momento supremo. Como pôde o homem condenar um movimento que o leva ao ápice? Como pode o ápice não ser desejável, além disso ele não é o ápice justamente a partir de uma condenação?

Há sempre em nós algo de profundamente turvo. Os traços que expressam plenamente a humanidade não são os mais claros. Um homem, se for digno da palavra homem, sempre tem um olhar carregado, aquele olhar para além que, ao mesmo tempo, é olhar para baixo. Se vemos reto, somos manipulados. Vamos ao encontro de uma dificuldade extrema, insolúvel, prefigurando a morte, a dor e o arrebatamento, levando à vivacidade, mas à suspeita. Se entrevemos uma via reta, rapidamente a reflexão mostra sua aparência enganadora.

Depois de milênios passados em busca de respostas que aclarassem a noite que nos encerra, apareceu uma estranha verdade sem, contudo, atrair sobre si a atenção que deveria.

Historiadores das religiões revelaram essa coincidência. Interditos reconhecidos em sociedades arcaicas, pelo conjunto daqueles que as compunham, tinham o poder de abalar: não apenas eles eram observados religiosamente, mas aqueles que os tinham infringido eram atingidos por um terror tão grande que habitualmente morriam; tal atitude determinava a existência de um domínio interdito que ocupava nos espíritos um lugar eminente; esse domínio interdito coincidia com o domínio sagrado; ele era, assim, o próprio elemento que fundava e ordenava a religião.

O que aparecia em certas sociedades arcaicas não podia ser isolado do conjunto das reações religiosas da humanidade.

Eis o que hoje é possível afirmar.

O sagrado é essencialmente o que era atingido pela transgressão ritual do interdito.

O sacrifício – o ato criador do sagrado – é o exemplo disso. Sob sua forma maior (é também sua forma mais frequente), o sacrifício é o assassinato ritual de um homem ou de um animal. Muito antigamente, a própria morte de um animal podia ser o objeto de um interdito e dar lugar aos ritos de expiação do assassino. Apenas o assassinato do homem está hoje sob a alçada do interdito universal. Em condições definidas, um interdito podia, e às vezes até mesmo devia, ser transgredido.

Esse princípio do interdito a que se opõe a transgressão é chocante, ainda que tenha um análogo mecânico na alternância entre a compressão e a explosão, que funda a eficácia dos motores. Mas não se trata apenas do princípio do erotismo, mas, mais geralmente, do princípio da ação criadora do sagrado. No sacrifício clássico, a morte infligida, pelo próprio fato de ser criminosa, põe o sacrificante, o sacrificador e a assistência em posse de uma coisa sagrada, que é a vítima. Essa coisa sagrada é ela própria interdita, o contato com ela é sacrílego: ela não deixa de ser proposta ao consumo ritual. É por meio dessa condenação ao mesmo tempo sacrílega e prescrita que é possível participar do crime, que se torna então em comum. Crime dos participantes: é a comunhão.

Assim, esse olhar para além que, contudo, é olhar para baixo é reencontrado na base de uma perturbação religiosa que funda a humanidade. O sentimento do sagrado não cessa, mesmo hoje, de nos fundar.

A humanidade, em seu conjunto e em sua reação pública tanto quanto no segredo do erotismo, foi, portanto, submetida à paradoxal necessidade de condenar o próprio movimento que a leva ao momento supremo!

A aproximação entre a religião e o erotismo surpreende, mas sem razão. O domínio interdito do erotismo foi ele próprio, sem ir mais longe, domínio sagrado. Cada um sabe que em tempos antigos a prostituição foi uma instituição sagrada. Os templos da Índia, abundantemente, multiplicaram as mais tumultuosas e mais incôngruas imagens do amor.

2.

A condenação, mas não sem reserva, do erotismo é universal. Não há sociedade humana em que a atividade sexual seja aceita sem reação, como a aceitam os animais: ela é em toda parte objeto de um interdito. É evidente que um interdito dessa natureza conclamava inúmeras transgressões. O próprio casamento é, no início, uma espécie de transgressão ritual do interdito do contato sexual. Esse aspecto não é habitualmente notado, porque um interdito geral dos contatos sexuais parece absurdo na medida em que se percebe mal que o interdito é essencialmente o prelúdio da transgressão.

O paradoxo, na verdade, não está no interdito. Nãopodemos imaginar uma sociedade em que a atividade sexual não seria inconciliável com a atitude assumida na vida pública. Existe um aspecto da sexualidade que a opõe ao cálculo fundamental de um ser humano. Todo ser humano considera o futuro. Cada um de seus gestos é função do futuro.

De seu lado, o ato sexual talvez tenha um sentido em relação ao futuro, mas isso nem sempre ocorre, e o erotismo, para dizer o mínimo, perde de vista o alcance genético da desordem desejada. Às vezes, até o suprime. Volto a este ponto preciso: o ser humano poderia aceder ao ápice de sua aspiração se primeiramente não se livrasse do cálculo a que a organização da vida social o prende? Em outros termos, será que uma condenação pronunciada do ponto de vista prático, exatamente do ponto de vista do futuro, não determina o limite a partir do qual um valor supremo está em jogo?

3.

Vou de encontro à doutrina disseminada segundo a qual a sexualidade é natural, inocente, e a vergonha associada a ela não é de modo algum admissível.

Não posso duvidar que, essencialmente pelo trabalho, pela linguagem e pelos comportamentos ligados a ambos, o ser humano excede a natureza.

Acima de tudo, porém, se abordamos o domínio da atividade sexual do homem, estamos nas antípodas da natureza. Nenhum aspecto nesse domínio deixou de adquirir um sentido extremamente rico, em que se misturam os terrores e as audácias, os desejos e os ascos de todas as eras. A crueldade e a ternura se entredilaceram: a morte está presente no erotismo e a exuberância da vida se oferece nele. Não posso imaginar nada que seja, mais do que essa grande desordem, contrário a uma ordenação racional de cada coisa. Fazer entrar a sexualidade na vida racionalizada, eliminar sua vergonha, ligada ao caráter inconciliável entre essa desordem e a ordem confessável, é, na verdade, negá-la.

O erotismo, que comanda suas ardentes possibilidades, alimenta-se da hostilidade da angústia que ele solicita. Nada há nele que possamos atingir sem aquele violento movimento tão bem traduzido pelo tremor e sem que tenhamos perdido o pé em relação a todo o possível.

4.

Ver uma expressão do espírito humano no erotismo não significa, portanto, a negação da moral.

A moral é de fato o mais firme suporte do erotismo. Reciprocamente, o erotismo conclama a firmeza da moral. Mas não poderemos imaginar o apaziguamento. A moral é necessariamente o combate contra o erotismo, e o erotismo, necessariamente, só tem seu lugar na insegurança de um combate.

Se assim for, talvez devamos finalmente considerar, acima da moral comum, uma moral movimentada em que nada jamais estaria conquistado, em que cada possibilidade estaria a cada momento posta em jogo, em que, conscientemente, um homem teria sempre diante de si o impossível: um combate sem trégua, extenuante, contra uma força irredutível e, de cada lado, reconhecida como tal.

5.

Essa atitude exige uma grande resolução, sobretudo uma sabedoria singular, resignada ao caráter indecifrável do mundo.

Ela é sustentada apenas pela experiência interminável dos homens, a experiência da religião – da mais antiga, em primeiro lugar, mas, no final das contas, da experiência de todos os tempos. Mostrei no sacrifício clássico a busca de uma fascinação contrária ao princípio do qual ela partia. Se considerarmos na religião aquele inacessível ápice em cuja direção é levada nossa vida, uma vez que ela é, apesar de tudo, o desejo de exceder seu limite (de buscar além do que encontrou), aparece um valor comum entre a religião e o erotismo: trata-se sempre de buscar tremendo o que derruba o fundamento que mais se impõe à vista.

Decerto que o aspecto mais familiar da religião atual se opõe ao erotismo, ligando-se à sua condenação quase sem reserva. Essa religião não deixa por isso de aspira aspirar, em experiências ousadas, às vezes consagradas pela admiração da Igreja, a combates nos quais a regra é perder o pé.

Texto publicado em 1957 na revista Arts (n. 641, 23-29 de outubro de 1957).

*Georges Bataille (1987-1962) foi antropólogo, crítico literário e escritor. Autor, entre outros livros, de O erotismo (Autêntica).

Referência


Georges Bataille. A pura felicidade. Ensaios sobre o impossível. Organização e tradução: Marcelo Jacques de Moraes. Belo Horizonte, Autêntica, 2024, 254 págs. [https://amzn.to/4ahosEi]


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