A transição agroecológica no Brasil

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Por JEAN MARC VON DER WEID*

Nas condições atuais do mercado capitalista, que motivação podem ter os agricultores familiares para adotarem a proposta da agroecologia?

Introdução

Pesquisas de inúmeras instituições nacionais e internacionais (FAO e outras agências da ONU, IPCC, Banco Mundial, Academia Nacional de Ciências dos EUA, Universidades, outras) confirmam a agroecologia como a mais (senão a única) opção sustentável para a produção agropecuária.

Este paradigma permite superar todos os problemas colocados pelo modelo convencional, hoje dominante, de produção de alimentos: dependência de insumos em processo de esgotamento (petróleo, gás, fosfato, potássio); destruição de recursos naturais renováveis (solos, água, biodiversidade); emissões de gases de efeito estufa; desmatamentos e destruição da biodiversidade; custos crescentes e necessidade de subsídios; contaminação por agrotóxicos e fertilizantes de recursos hídricos, solos, trabalhadores e consumidores; vulnerabilidade às variações climáticas; entre outros.

As mesmas pesquisas apontam para a capacidade de sistemas agroecológicos de garantir alimentação correta para todos os consumidores do planeta, sem os impactos negativos acima assinalados.

O que impede a adoção generalizada deste sistema produtivo? Em primeiro lugar, a força econômica e política dos praticantes da agricultura convencional e, maior ainda, o poderio das megaempresas que controlam a produção de sementes, fertilizantes, agrotóxicos, maquinário e produtos veterinários, além das processadoras e comercializadoras, conjunto conhecido pelo nome genérico de agronegócio.

Entretanto, as peculiaridades da agroecologia colocam, atualmente, vários obstáculos para a seu uso generalizado e a discussão destes entraves é o objeto deste artigo.

Características da agroecologia

Ao contrário dos sistemas tradicionais, que adotam o paradigma de artificializar ao máximo o meio ambiente para favorecer sua produção, a agroecologia busca minimizar o impacto ambiental.

Explicando melhor: os sistemas convencionais do agronegócio utilizam a manipulação genética (via seleção convencional ou pela transgenia) das plantas cultivadas. O objetivo inicial não foi, como se poderia esperar, aumentar a produtividade, ou seja, a quantidade de produto por área cultivada.

As primeiras modificações introduzidas nas plantas desde o fim do século XIX tinham como objetivo obter variedades com características que facilitassem a colheita mecanizada, tais como talos eretos e com altura apropriada. A mecanização intensa e sempre de maior porte é uma meta do melhoramento genético com o fim de aumentar a produtividade do trabalho. É também este objetivo que levou à adoção de sistemas de monoculturas em escalas gigantescas, com milhares de hectares de plantas idênticas, operadas por super-tratores e colheitadeiras, aspersores gigantes, aviões.

O melhoramento genético de plantas e animais realizado, ao longo dos últimos 70 anos, também se voltou para o aumento da produtividade e teve amplo sucesso. No entanto, o paradigma que orientou este empreendimento se baseou na busca de variedades que produzissem a melhor resposta ao uso de adubos químicos, reduzindo a diversidade genética dos cultivos. Esta uniformidade gerou uma maior vulnerabilidade das culturas aos ataques de pragas, patógenos, fungos e ervas invasoras.

As monoculturas, típicas do agronegócio, provocam uma perturbação ambiental intensa e geram reações de toda a cadeia de seres vivos (vegetais e animais) que dependiam do ecossistema eliminado para abrir espaço para um sistema agrícola ultra-simplificado. As monoculturas passam a objeto ser de ataques de pragas e invasoras (uma reação natural do ecossistema perturbado), cobrando o uso de agrotóxicos (pesticidas, fungicidas, nematicidas, herbicidas) para controle. No entanto, a natureza reage a estes controles, gerando insetos e invasoras resistentes, cobrando a formulação de agrotóxicos mais poderosos, em um círculo vicioso sem limite.

Estes esforços levaram os geneticistas a produzirem variedades de plantas capazes de produzir seus próprios agrotóxicos ou serem capazes de resistir à aplicação de herbicidas, facilitando a eliminação das espécies invasoras. Mas a natureza continua reagindo aos mecanismos de controle gerando mais espécies (insetos, fungos ou ervas invasoras) resistentes.

O ciclo vicioso se mantém, apenas adiando por algum tempo o efeito perturbador nas culturas. Para que se tenha uma ideia da inutilidade deste sistema é só lembrar que o aumento exponencial do uso de agrotóxicos no mundo, desde a grande aceleração posterior à segunda guerra mundial, apenas manteve o nível de impacto de pragas, doenças, fungos, nematoides e invasoras oscilando em uma média de 28 a 32% das culturas. Este era o índice médio de perdas no período anterior à explosão do uso de agrotóxicos.  

O sistema do agronegócio também depende muito do uso de irrigação e hoje o uso de água na agricultura já representa de 70 a 80% do consumo de água doce no planeta, que está a caminho de seu esgotamento.

Finalmente, as grandes monoculturas esgotam rapidamente os solos onde são cultivadas e dependem da aplicação crescente de fertilizantes químicos para produzir.

A agroecologia, como dito acima, busca mimetizar (imitar) os sistemas naturais e estes, de acordo com cada bioma, são mais ou menos diversificados em termos de plantas e animais. Em biomas florestais tropicais esta diversidade pode ser de centenas de espécies arbóreas por hectare e de milhares de outras espécies (arbustivas, herbáceas, lianas, outras). Em biomas como as pradarias, a diversidade de plantas herbáceas é enorme, mas as arbustivas e arbóreas são bem menos significativas.

Buscar mimetizar a natureza significa, desde logo, eliminar os monocultivos e adotar combinações de plantas cultivadas em um mesmo espaço. Significa também integrar, tanto quanto possível, elementos do bioma original no desenho dos sistemas produtivos. Há inúmeras formas de fazer esta combinação, desde cultivos em linhas alternadas de plantas cultivadas e plantas nativas preservadas. Ou manchas de vegetação nativa no entorno dos cultivos e/ou em “ilhas de mata”, dentro dos espaços cultivados. Sistemas ainda mais complexos, como o desenvolvido pelo japonês Manabu Fukuoka ou pelo suíço Ernest Goetsch inserem as culturas manejadas dentro dos sistemas naturais.

Esta característica dos desenhos produtivos altamente diversificados na agroecologia implica em vários limitantes no seu manejo.

Limites no tamanho dos cultivos

Em primeiro lugar, por usar várias culturas em um mesmo espaço, estes sistemas não permitem o uso de mecanização em várias das operações agrícolas, em particular nas colheitas.

Em segundo lugar, a própria complexidade destes sistemas exige uma gestão finamente elaborada do uso do espaço e do trabalho. Esclarecendo: não se trata apenas de um uso mais intensivo de mão de obra, mas de uma delicada distribuição do trabalho ao longo de um ano agrícola de modo que as diferentes operações nas várias culturas combinadas não provoquem gargalos em que a demanda de trabalho supere a oferta da mão de obra disponível.

Em terceiro lugar, tanto o desenho quanto a operação dos sistemas agroecológicos exigem conhecimentos significativos sobre a dinâmica de cada cultivo assim como de suas interações e relações com as plantas nativas incorporadas.

Diz-se na literatura sobre a agroecologia que os sistemas convencionais são “input intensive”, enquanto os agroecológicos são “knowledge intensive” (em bom português: intensivos em insumos e intensivos em conhecimentos). A implicação desta exigência é a necessidade de trabalhadores muito preparados e motivados para atividades cuidadosas e complexas. Os agricultores familiares tradicionais têm uma cultura herdada de manejo de sistemas complexos (embora menos complexos, de modo geral, do que os agroecológicos) e isto facilita a sua apropriação dos métodos e práticas da agroecologia.

Já os produtores modernizados têm que aprender a lidar com a diversidade e com a complexidade. Além disso, estes condicionantes limitam o emprego de mão de obra assalariada, a não ser para operações pontuais mais simples.

Em resumo: as características de diversidade e complexidade da agroecologia apontam para a sua adaptação para propriedades operadas por mão de obra familiar e com uma limitada complementação com mão de obra assalariada. E tudo isso indica que os sistemas agroecológicos não podem ser operados em larga escala ou mesmo em média.

Limites nos ganhos financeiros da produção agroecológica

Estudos realizados em todo o mundo e por diversas instituições, comparando sistemas convencionais com diferentes modalidades de sistemas agroecológicos (discutiremos isto mais adiante) comprovaram a sua competitividade, indicando que os volumes produzidos por estes últimos igualaram ou superaram os primeiros. Também mostraram que quanto mais aprofundada (em diversificação e complexidade) a aplicação do paradigma agroecológico, melhores eram os resultados.

Pode-se dizer que os resultados dos sistemas agroecológicos são diretamente proporcionais ao seu grau de diversidade e complexidade. Quanto mais diversos e complexos os sistemas maiores as produções totais e maior a sua estabilidade e resiliência.

Quando o foco das comparações é a rentabilidade (econômica) por hectare, entretanto, encontramos um paradoxo importante nos citados estudos. A mais elevada rentabilidade por área cultivada foi a de hortaliças orgânicas em uma área de dois hectares. A menor rentabilidade por área cultivada foi a de uma monocultura de 10 mil hectares de soja transgênica. Mas este resultado também mostra que, obviamente, o mega produtor de soja era muito mais rico do que o micro produtor de hortaliças. Embora menos lucrativo por hectare, o monocultor de soja tinha muitos mais hectares do que o produtor orgânico e, portanto, ganhava muito mais dinheiro.

Esta obviedade, entretanto, esconde o potencial de uma agricultura baseada em pequenas propriedades da agricultura familiar para substituir o sistema do agronegócio de mega monoculturas. O primeiro seria capaz de produzir mais alimentos a custos mais baixos do que o segundo e isto é o que importa para a sociedade como um todo.

A outra conclusão importante é que não haveria espaço, em um sistema agroecológico baseado na agricultura familiar, para o paradigma do enriquecimento ilimitado como motivador dos produtores. O motor do capitalismo (maximização dos lucros) não é compatível com o modelo em questão. No agrocapitalismo todo produtor tem como meta o crescimento ilimitado da sua produção e de seus lucros, o que implica em concentrar sempre mais terras, mais insumos e mais maquinário. Em um sistema agroecológico há um teto no enriquecimento.

Em outras palavras, não há limites no tamanho de um sistema convencional em monocultura mecanizada, mas há limites impositivos no tamanho de um sistema diversificado agroecológico, independente da lucratividade por hectare de um e de outro.

É claro que uma comparação mais rigorosa, incluindo os custos das chamadas “externalidades” (ou seja, os impactos ambientais e na saúde) na avaliação dos sistemas convencionais, estes últimos dificilmente poderiam sobreviver. Mais ainda, se retirados os subsídios de todo tipo que beneficiam os sistemas convencionais, a comparação seria ainda mais negativa para as grandes monoculturas.

O que pode motivar a adoção de sistemas agroecológicos?

Nas condições atuais do mercado capitalista, que motivação podem ter os agricultores familiares para adotarem a proposta da agroecologia?

Enquanto os agricultores familiares não têm acesso às facilidades financeiras disponíveis para os grandes produtores, a atração maior é o menor custo de produção. Em um modelo agroecológico simplificado (substituição de insumos) na produção de feijão preto no centro-sul do Paraná, por exemplo, os agricultores preferiram adotar os insumos orgânicos produzidos na propriedade do que os químicos vendidos no mercado.

E preferiram utilizar as sementes crioulas, mais eficientes no aproveitamento dos insumos orgânicos. Com menos custos e menos riscos financeiros a motivação primeira não deixou de ser o maior lucro das suas culturas. Os que conseguiram colocar seus produtos nos mercados orgânicos ainda tiveram lucros mais altos, pelo prêmio de qualidade pago neste nicho de consumidores.

Em outra realidade, os produtores tradicionais nordestinos que adotaram as práticas agroecológicas e que incrementaram seus sistemas, não tiveram ganhos na economia de custos, pois não usavam insumos comprados. Eles tiveram um efeito de maior produtividade e, sobretudo, maior segurança frente à ameaças externas do tipo pragas ou instabilidade da oferta hídrica. Mesmo sem acesso a mercados com preços diferenciados para os produtos agroecológicos os ganhos em produção e em segurança foram os motivadores. Com os desenhos produtivos mais diversificados e complexos que vieram a adotar com a agroecologia eles tiveram melhorias na alimentação das famílias e na comercialização dos excedentes.

Estas motivações não foram suficientes para atrair uma adesão maciça de agricultores no exemplo nordestino, certamente pela dificuldade de se orientar a transição agroecológica, sobretudo para os produtores mais pobres e menos organizados. Já no caso dos agricultores do Paraná os limitantes do mercado orgânico de feijão e as facilidades de acesso ao crédito subsidiado e, sobretudo, o seguro agrícola para os utilizadores do sistema convencional levaram a um retrocesso no emprego dos insumos orgânicos.

Para os agricultores com mais terras a tentação de focar em monoculturas mais bem pagas, como a soja, os levaram a aceitar maiores riscos e menores produtividades. Muitos pagaram esta escolha com endividamento e falência.

Isto não quer dizer que os produtores agroecológicos não sejam bem remunerados, mas que existem limites para o aumento de seus ganhos, definidos pelo tamanho possível de seus sistemas produtivos.

No futuro assistiremos ao desmantelamento do sistema convencional, seja pelo aumento dos custos dos insumos, seja pela deterioração dos recursos naturais renováveis. Mas seria mais do que justo que, não só os produtores convencionais sejam obrigados a pagar pelos impactos externos dos seus sistemas produtivos, como também os agricultores agroecológicos sejam recompensados pelos serviços ambientais que prestam para a sociedade.

No momento presente vive-se uma ficção: busca-se oferecer alimentos mais baratos possíveis, enquanto se aceita que a sociedade pague pelos impactos negativos dos sistemas convencionais e que estes recebam subsídios públicos gigantescos com recursos dos impostos de todos os contribuintes.

Limites na disponibilidade de mão de obra

Já mencionamos acima que um sistema agroecológico é mais intensivo em mão de obra e utiliza uma mecanização de pequeno porte como apoio. Também ficou claro que a mão de obra mais adequada é a familiar pelo interesse e conhecimento de seus membros das técnicas agroecológicas e do manejo dos agroecossistemas. Tudo isto nos leva uma constatação óbvia: a correlação entre o tamanho do sistema e a disponibilidade de trabalho qualificado.

Na realidade brasileira, o mundo da agricultura familiar está em mutação acelerada, sob o impacto da expansão brutal do agronegócio. Há menos famílias agricultoras, há uma grande maioria na pobreza e até na miséria, há uma evasão gigantesca da juventude, fugindo da pobreza e de um trabalho exaustivo e mal recompensado para buscar alternativas urbanas. E há um envelhecimento acentuado dos que ficaram no campo. Famílias com apenas uma ou duas pessoas aposentadas (mas que continuam trabalhando nas suas propriedades) são cada vez mais comuns.

Isto limita o alcance dos processos de transição agroecológica e aponta para a necessária redistribuição dos mais de 200 milhões de hectares em estabelecimentos agropecuários convencionais em poder de pouco mais de um milhão de proprietários. Mesmo entre estes senhores do agronegócio existem desigualdades extremas. Em 2017, o censo indicou que menos de 0,5% dos proprietários rurais (cerca de 25 mil) respondia por 60% do Valor Básico da Produção agropecuária nacional.

A discussão sobre a substituição do agronegócio pela agricultura familiar agroecológica é demasiado extensa para os fins deste artigo. Tanto a insustentabilidade do primeiro quanto a sustentabilidade do segundo levarão a este resultado, mas o processo pode ser muito mais difícil se não começarmos a reverter o esvaziamento do campo desde já. Em outro momento pretendo demonstrar que o universo do campesinato necessário para suprir as necessidades alimentares (além de outras matérias primas) do Brasil deverá alcançar entre 30 e 40 milhões de famílias ou seja, entre 8 e 11 vezes os números atuais.

Se os leitores se espantarem com esses números e com a perspectiva de uma verdadeira reversão histórica do processo migratório rural-urbano que marcou a expansão do capitalismo no mundo, lembro que isto não é uma opção ideológica ou de racionalidade econômica, mas uma imposição da realidade futura do atendimento às demandas de produção alimentar. Quando o agronegócio se inviabilizar, os não rurais ficarão totalmente à mercê da capacidade produtiva da agricultura familiar e a imensa crise alimentar vai empurrar para o campo milhões de pessoas, começando pelos recém emigrados.

Sem aprofundar o exemplo que vai ser apresentado, o mundo deveria olhar com cuidado o que se passou em Cuba nos anos noventa, quando desabou o chamado “campo socialista” na União Soviética e na Europa Ocidental. Cuba dependia do fornecimento de adubos químicos, combustíveis e agrotóxicos para operar um modelo agrícola convencional em grandes unidades produtivas estatais. Suspensos esses fornecimentos, a agricultura cubana estancou e a ilha viveu anos de crise alimentar profunda.

O governo cubano adotou duas saídas que só podiam operar em conjunto: redistribuiu terras das empresas rurais estatais para centenas de milhares de “neoagricultores familiares” e adotou as práticas da agricultura orgânica. A agricultura familiar residual que havia sobrevivido aos anos de estatização do mundo rural cubano, passou a aplicar modelos produtivos mais aprofundados baseados na agroecologia.

O investimento estatal na transição para uma agricultura orgânica e agroecológica foi estancado posteriormente e voltaram a predominar os métodos da agricultura convencional, uma vez superado o “período especial”.

Não importa aqui discutir porque isto se deu e as consequências para a produção alimentar cubana. O que interessa é a reflexão dos impasses estratégicos do modelo convencional do agronegócio (estatal ou privado) e a inevitável conversão para a produção agroecológica (mesmo na sua variação mais simplificada, orgânica) e para uma base social produtiva camponesa.

Em Cuba isto se deu do dia para noite por um conjunto de condições políticas nacionais e internacionais. No mundo como um todo a erosão das condições materiais, sociais, ambientais e financeiras que permitem a existência e o “sucesso” do modelo do agronegócio vai gerando, aos poucos, o mesmo quadro dramático enfrentado pelos cubanos nos anos noventa.

Os empecilhos colocados pelo mercado capitalista

Até agora, a imensa maioria dos cerca de 60 mil produtores orgânicos certificados e os (estimado) cerca de 150 mil produtores agroecológicos ou em transição, colocam seus produtos em um nicho de mercado. Os orgânicos certificados (cada vez mais dominados pelo agronegócio verde) estão integrados em circuitos comerciais de médio e grande porte, enchendo as prateleiras de todos os grandes supermercados. Entre os agroecológicos e em transição a maior parte da produção é vendida em feiras de vizinhança ou, no máximo, municipais, sobretudo em pequenos municípios. Nestes espaços a diversidade de alimentos e de variedades de cada um destes produtos não tem importância.

Em um mercado de relação direta entre vendedor e comprador estas diferenças não são essenciais. Mas a partir do momento em que o volume de produção e de vendas cresce e passa a exigir uma intermediação entre compradores e vendedores, seja na mera operação de empacotamento e transporte, seja em processos de transformação ou beneficiamento, passa a valer outro critério: o da uniformidade do produto e de suas características estéticas. Formatos, cores, tamanho, durabilidade em prateleira, facilidade de transporte, entre outros, passam a definir a própria produção.

Nesta escala é impossível entregar ao mercado as centenas de variedades de feijão preto (por exemplo) utilizadas pelos produtores familiares do centro sul do Paraná. Os beneficiadores e cerealistas compram apenas uma ou duas variedades, indicadas pela pesquisa agropecuária para a região. Não são os melhores feijões, nem do ponto de vista da sua adaptação às diferentes condições de produção dos agricultores familiares, nem do ponto de vista da qualidade dos produtos.

Na região citada os agricultores apelidaram as variedades comerciais de “cascudões” e não as consomem em suas casas. Mas se quiserem vender para este mercado tem que se submeter a esta exigência. Isto fez com que a produção com uso de sementes crioulas (as mais adaptadas às práticas agroecológicas) ficasse restrita ao consumo caseiro, às feiras locais e à grupos de consumidores integrados em uma relação direta com os produtores. A maior parte da produção de feijão preto (ou de milho) seguiu aplicando métodos convencionais, já que as variedades “cascudões” têm baixa produtividade com o uso de técnicas da agroecologia.

Outro problema dos sistemas agroecológicos está na logística da comercialização. Em um sistema convencional, um gigantesco monocultivo é colhido por enormes colheitadeiras que, em culturas de grãos, os debulham em operação simultânea e os depositam diretamente em caminhões que acompanham a máquina e partem para depositar a safra em silos ou mesmo para levá-la às indústrias processadoras ou embaladoras.

Este processo tem um custo energético elevado e está ameaçado pela crise inerente ao esgotamento dos combustíveis fósseis e pelos consequentes custos financeiros. Mas, enquanto durarem as reservas de petróleo e gás (e os subsídios para o seu uso) a racionalidade destas operações pós-colheita é uma enorme vantagem para o sistema convencional.

Pesquisas comparativas publicadas já há algumas décadas pela National Academy of Sciences dos EUA indicaram que quase todos os cultivos orgânicos naquele país tinham produtividades mais altas e custos de produção mais baixos do que nos sistemas convencionais, mas os custos de comercialização dos primeiros os tornavam menos competitivos nos mercados regulares, exigindo o pagamento de prêmios de qualidade em mercados de nicho orgânicos.

Os sistemas agroecológicos (mais ainda do que os sistemas orgânicos menos diversificados) oferecem uma diversidade ampla de produtos, mas em pequenas quantidades por propriedade. A operação de comercialização, neste caso, necessita de uma etapa que reúna pequenas quantidades de produtos diversos em várias propriedades em um volume que torne menos custoso o transporte para empresas beneficiadoras ou embaladoras.

Os pesquisadores avaliaram que estes custos de coleta poderiam ser minimizados a partir do momento em que a produção orgânica se tornasse mais densa, diminuindo as distancias a serem percorridas pelos meios de transporte coletores. Mas mesmo com uma alta densidade de produtores estas operações não poderão concorrer com o modelo de larga escala dos sistemas convencionais, enquanto durarem as reservas de combustíveis fósseis.

Enquanto os mercados forem dominados por grandes unidades de beneficiamento e de distribuição no atacado e no varejo o sistema trabalhará contra a expansão da produção agroecológica. Enquanto prevalecerem estas condições a produção agroecológica estará condicionada a ocupar nichos de mercado. É o que vem acontecendo no momento, com a proliferação de feiras e mercadinhos orgânicos e agroecológicos, a venda para a merenda escolar, sobretudo em pequenos municípios ou no Programa de Aquisição de Alimentos. Ou projetos de cooperação entre produtores e consumidores.

O abastecimento de grandes supermercados dá espaços para fornecedores agroecológicos capazes de se organizarem em cooperativas de comercialização, sobretudo para produtos hortícolas e frutas, mas como já explicado acima os grãos esbarram com a exigência de uniformidade do mercado.

*Jean Marc von der Weid é ex-presidente da UNE (1969-71). Fundador da organização não governamental Agricultura Familiar e Agroecologia (ASTA).


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