As opções de Volodymyr Zelensky

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ANDREW KORYBKO*

Para evitar cenário pior que o atual, Zelensky terá de aceitar o acordo colocado por Trump e sacrificar sua carreira política, seu legado previsto aos olhos dos ucranianos e parte da soberania econômica de seu país

Volodymyr Zelensky não tem alternativa viável a não ser aceitar o desequilibrado acordo de recursos de Donald Trump. Com esse acordo Volodymyr Zelensky sacrificaria sua carreira política, seu legado previsto aos olhos dos ucranianos e parte da soberania econômica de seu país, mas evitaria um cenário muito pior do que se rejeitasse o acordo.

Donald Trump alertou no último fim de semana que Volodymyr Zelensky terá “alguns problemas – grandes, grandes problemas” se ele “tentar recuar do acordo de terras raras” em meio a relatos de que a versão mais recente deste acordo é muito desequilibrada. Ele supostamente obriga a Ucrânia a contribuir – com metade de sua receita de todos os projetos de recursos e infraestrutura relacionada – para um fundo de investimento controlado pelos EUA, pagar toda a ajuda dos EUA de 2022 em diante por esses meios e dar aos EUA o direito de primeira oferta em novos projetos e um veto sobre vendas de recursos para outros.

Esses termos mais duros podem ser considerados por Volodymyr Zelensky uma punição por ele ter optado por uma briga infame com Donald Trump e D. J. Vance na Casa Branca no final de fevereiro, mas o pacote inteiro está sendo vendido para a Ucrânia como uma “garantia de segurança” dos EUA. O argumento é que os Estados Unidos não deixarão a Rússia ameaçar esses projetos, que também incluem oleodutos e portos, levando-os, no mínimo, a retomar os níveis de 2023 de ajuda de inteligência militar e talvez até mesmo a escalar diretamente com a Rússia para fazê-la recuar.

A Ucrânia já tem garantias do tipo Artigo 5 dos EUA e de outros grandes países da OTAN pelos pactos bilaterais que fechou com eles durante todo o ano passado, mas esse arranjo proposto dá aos EUA participações tangíveis em dissuadir ou interromper imediatamente as hostilidades. A troca, porém, é que a Ucrânia deve sacrificar parte de sua soberania econômica, o que é politicamente desconfortável, já que Volodymyr Zelensky disse a seus compatriotas que eles estão lutando para preservar sua soberania total.

Se Volodymyr Zelensky concordar com o acordo desequilibrado de recursos de Trump, então sob a ótica de qualquer cessar-fogo, armistício ou tratado de paz se juntaria o reconhecimento global de fato do controle russo sobre o quinto do território ucraniano pré-2014, que Kiev ainda reivindica como seu, para criar a percepção de uma partição assimétrica conjunta.

Não apenas a carreira política de Volodymyr Zelensky poderia terminar se a Ucrânia fosse forçada a realizar eleições verdadeiramente livres e justas, mas seu legado previsto aos olhos dos ucranianos como o principal “lutador pela liberdade” deste século também seria destruído.

Ele não tem nenhuma alternativa viável, já que ir pelas costas de Donald Trump para chegar a um acordo comparativamente melhor com os britânicos e/ou europeus não resultaria nas “garantias de segurança” que ele se convenceu de que a Ucrânia precisa para chegar a um acordo com a Rússia. Ninguém além dos EUA tem qualquer chance de enfrentar militarmente a Rússia, muito menos vontade política, e sem mencionar apenas seus investimentos em um terceiro país devastado pela guerra, cuja riqueza de recursos é supostamente questionável.

Se Volodymyr Zelensky continuar enrolando, então Donald Trump pode suspender temporariamente a ajuda militar e de inteligência à Ucrânia como alavanca, enquanto acrescenta termos ainda mais punitivos como vingança. O conflito com a Rússia também continuaria naturalmente, tornando impossível para a Ucrânia desenvolver sua indústria de recursos e infraestrutura relacionada, mesmo que chegasse a algum outro acordo. Quanto mais tempo o conflito durar, maior a probabilidade de a Rússia destruir mais desses mesmos ativos também.

Mas se Volodymyr Zelensky aceitar o último acordo oferecido, então ele obteria as “garantias de segurança” que está procurando, tornando-o mais propenso a aceitar um cessar-fogo e, então, possivelmente levando Donald Trump a pressionar mais Vladimir Putin a seguir o exemplo, como impor sanções secundárias rigorosas a clientes russos de petróleo. Volodymyr Zelensky sacrificaria sua carreira política, seu legado previsto aos olhos dos ucranianos e parte da soberania econômica de seu país, mas evitaria um cenário muito pior do que se rejeitasse este acordo.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]

Tradução: Artur Scavone.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Arquétipos e símbolos
Por MARCOS DE QUEIROZ GRILLO: Carl Jung combinou a literatura, a narração de histórias e a psicanálise para chegar às memórias inconscientes coletivas de certos arquétipos, promovendo a reconciliação das crenças com a ciência
Apelo à comunidade acadêmica da USP
Por PAULO SÉRGIO PINHEIRO: Carta para a Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional – AUCANI
Fundamentos da análise social
Por FABIO DE OLIVEIRA MALDONADO: Apresentação à edição brasileira do livro recém-lançado de Jaime Osorio
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
O martírio da universidade brasileira
Por EUGÊNIO BUCCI: A nossa universidade precisa se preparar e reforçar suas alianças com suas irmãs do norte. O espírito universitário, no mundo todo, só sobrevive e se expande quando sabe que é um só
A ampliação do Museu de Arte de São Paulo
Por ADALBERTO DA SILVA RETTO JR.: O vão livre do MASP será um espaço inclusivo ou excludente de alguma forma? A comunidade ainda poderá ali se manifestar? O famoso “vazio” continuará sendo livre, no mais amplo sentido do termo?
Minha infância nos porões da Bela Vista
Por FLORESTAN FERNANDES: “Eu morava lá na casa dele e queria sair de lá, eu dizia que passava mal, que comia mal, dormia mal e tudo ia mal, e ela não acreditava”
Sofia, filosofia e fenomenologia
Por ARI MARCELO SOLON: Considerações sobre o livro de Alexandre Kojève
Ideologias mobilizadoras
Por PERRY ANDERSON: Hoje ainda estamos em uma situação onde uma única ideologia dominante governa a maior parte do mundo. Resistência e dissidência estão longe de mortas, mas continuam a carecer de articulação sistemática e intransigente
O humanismo de Edward Said
Por HOMERO SANTIAGO: Said sintetiza uma contradição fecunda que foi capaz de motivar a parte mais notável, mais combativa e mais atual de seu trabalho dentro e fora da academia
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES