Por LISZT VIEIRA*
Ninguém durma, para convencer mais gente a votar na democracia contra a ditadura, na civilização contra a barbárie
Lula venceu o debate. Na realidade, trata-se mais de um duelo em que o conteúdo das intervenções não importa muito. Pesa mais a atitude, a disposição guerreira de enfrentar o adversário e derrotá-lo com gestos, críticas e argumentos impactantes. Nesse duelo, se o candidato atacado for se defender e dizer que não é bem assim, não é verdade, perde pontos. É como esgrima: uma vez atacado, tem que contra-atacar imediatamente. Lembremo-nos da sabedoria antiga: Quem se defende, já perdeu!
Para a grande mídia – Globo, Globonews, Folha, Estadão, CNN, Lula venceu por pontos, e não por nocaute. Mas para as pesquisas da Quaest e Atlas, a vitória de Lula foi mais expressiva. Alguns comentaram que no final ele parecia cansado. Não é para menos, debateu com um mentiroso contumaz que só fez provocações. Mas manteve até o fim uma postura e compostura de estadista e não caiu nas provocações do adversário, que se comportou como um deputado do baixo clero, o que foi confirmado por ele mesmo em seu ato falho no final.
Lula teve momentos magníficos no debate. Outros, nem tanto. Por exemplo, a resposta no tema meio ambiente. Ele poderia destruir o adversário, o que não ocorreu. Jair Bolsonaro repetiu sua informação mentirosa sobre desmatamento que já havia dado no debate anterior e não recebeu resposta contundente. Lula nem precisaria citar dados, bastava falar no “passou a boiada” do Ricardo Salles, em desmantelamento do Ibama e do CNBio, dos incêndios na floresta, o Brasil é hoje vilão mundial em matéria de clima, algo dramático. Enfim, bola pra frente.
O debate, ou melhor, o duelo, não deve ter impacto no resultado eleitoral. Mas os vídeos com falas dos candidatos vão circular nas redes. E também com a entrevista, após o debate, quando Jair Bolsonaro deu um soco na mesa e foi afastado pelos assessores. Antes disso, porém, ele disse que vai respeitar o resultado das urnas. Foi uma confissão de que não tem força para dar o golpe.
Em textos anteriores, critiquei vários artigos que defendiam o cenário único do golpe, dado como certo. Trabalhei com a possibilidade de diversos cenários e considerei o golpe um cenário possível, mas improvável, por falta de apoio político/militar nacional e apoio diplomático internacional. É bom não esquecer que o presidente dos EUA mandou três diplomatas ao Brasil com a missão de dizer que o sistema eleitoral brasileiro é confiável e dar um recado aos militares: Nada de golpe! O Senado americano chegou a recomendar rompimento de relações diplomáticas com o Brasil em caso de golpe. Afinal, Jair Bolsonaro apoia Donald Trump e Vladimir Putin, dois inimigos de Joe Biden.
Forçoso é reconhecer que devemos 7dófilo informações importantes. Uma delas é que os conservadores dispostos a apoiar uma ditadura não são apenas 30%, como sempre imaginei. Podemos dizer que 40% do eleitorado apoiariam hoje uma ditadura que viria combinada com um modelo econômico neoliberal, embora nem todos tenham noção disso.
O eleitorado de Jair Bolsonaro não se constitui apenas de empresários, militares e evangélicos. A grande maioria de seus eleitores é formada por conservadores que rejeitam, assustados, o empoderamento das mulheres que não aceitam mais o seu papel tradicional como mãe de família e dona de casa. Nostálgicos da Casa Grande e da Senzala, ficam intimidados com a luta dos negros pela igualdade e escandalizados com a luta dos gays ( LGBTQIA+) pelo reconhecimento de seus direitos. Por exemplo, casamento entre pessoas do mesmo sexo é visto como algo vergonhoso. Além disso, associam desmatamento a progresso.
Assim, no eleitorado de B. não existem apenas interesses econômicos do empresariado capitalista, interesses corporativos dos militares, ou interesses de uma grande massa de evangélicos ludibriados em sua boa-fé por pastores corruptos. A grande maioria é mesmo composta por conservadores que introjetaram os valores da sociedade patriarcal, ignorados durante muito tempo pela esquerda como assunto secundário, fora do foco da luta de classes. Após a vitória de Lula, por margem mais apertada do que imaginávamos, a luta contra os valores conservadores da sociedade patriarcal será inadiável. Em vez de desprezar a “pauta identitária”, teremos de articular essas lutas por direitos com as lutas econômicas dos trabalhadores.
Mas nos últimos metros da reta final, a prioridade deve ser buscar indecisos. Na semana que antecede a eleição, foi importante procurar os que ainda estavam em dúvida. Para minha surpresa, eram muitos. Entrei num shopping e conversei com vendedores de várias lojas. Encontrei indecisos, eleitores de Lula e de Jair Bolsonaro sem muita convicção, os que vão se abster ou votar nulo. Distribuí um panfletinho personalizado. É uma atuação no plano microssocial complementar à atuação nas redes onde, aliás, predominam os gigantes da comunicação digital: André Janones, Felipe Neto e outros.
Essa correria às vésperas da eleição me fez lembrar a ária Nessun Dorma – Que Ninguém Durma – da ópera Turandot, de Puccini, quando a princesa manda todo mundo ficar acordado de noite para descobrir o verdadeiro nome de seu pretendente. No nosso caso, o nome nós conhecemos. Mas que ninguém durma, para convencer mais gente a votar na democracia contra a ditadura, na civilização contra a barbárie.
*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond).
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