Carta dos economistas

Carlos Zilio, HCE MARCO, 1970, caneta hidrográfica sobre papel, 22x30
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Por JEFFREY SACHS, JOSEPH STIGLITZ, MARIANA MAZZUCATO, CLAIR BROWN, INDIVAR DUTTA-GUPTA, ROBERT REICH, GABRIEL ZUCMAN*

Para reconstruir nosso mundo, precisamos acabar com a economia do carbono. Ela amplifica iniquidades raciais, sociais e econômicas, criando um sistema que é fundamentalmente incompatível com um futuro estável.

Do racismo profundamente enraizado à pandemia de Covid-19, da desigualdade extrema ao colapso ecológico, nosso mundo enfrenta emergências terríveis e interconectadas. Mas, por mais que o momento presente dolorosamente destaque as fraquezas de nosso sistema econômico, ele também nos oferece a rara oportunidade de reimaginá-lo. À medida que buscamos reconstruir nosso mundo, podemos e devemos acabar com a economia do carbono.

Mesmo com o colapso climático à espreita, a pressão para que se retorne à velha economia baseada em carbono é real – e ainda mais perigosa, dada a instabilidade fundamental de uma economia enraizada na injustiça. Fontes de sofrimento humano em larga escala, como colheitas catastróficas, crises hídricas, o avanço do nível do mar, incêndios florestais, clima severo, migração forçada e pandemias, vão de mãos dadas com um mundo em aquecimento. A exposição à poluição atmosférica, por exemplo, aumenta o risco de complicações em doenças como a Covid-19, e o desmatamento e as temperaturas crescentes aumentam a probabilidade do surgimento de novas doenças infecciosas. Quando tais consequências se manifestam, não é por acidente que elas afetam desproporcionalmente as comunidades de cor, comunidades de baixa renda, as nações e povos mais vulneráveis e outros grupos historicamente marginalizados.

São as pessoas negras na América, por exemplo, que têm de suportar algumas das mais altas taxas de exposição ao ar poluído. A economia do carbono amplifica e gera desigualdades raciais, sociais e econômicas, criando um sistema que é fundamentalmente incompatível com um futuro estável. Se falharmos em agir agora, o momento presente poderá apenas ser uma mera prévia do que está por vir, conforme somos forçadamente levados a situações e compensações cada vez mais dolorosas. Além disso, é ingênuo imaginar que podemos simplesmente tocar a indústria de combustíveis fósseis – uma indústria que, por décadas, mentiu sobre a mudança climática, que se opôs ativamente a soluções climáticas sérias e que continua a planejar um futuro dependente de combustíveis fósseis – ao bom comportamento.

Em vez disso, devemos reconhecer que o momento presente cria uma oportunidade para se construir um futuro melhor para nós e para nossos filhos. Enfrentando a economia do carbono, podemos começar a traçar um caminho em direção à recuperação econômica ao mesmo tempo que construímos um mundo mais justo e sustentável.

Os governos devem eliminar progressivamente e de maneira ativa a indústria de combustíveis fósseis.

Socorros financeiros e subsídios a grandes companhias de petróleo, gás e carvão apenas atrasam a transição energética essencial, distorcendo mercados enquanto nos prendem a um futuro que não podemos sustentar. Em vez disso, uma ação coordenada de descontinuação gradual da exploração e da extração de recursos de carbono permite aos governos redistribuir fundos para a tecnologia sustentável, para infraestrutura, programas sociais e bons empregos, estimulando uma transição econômica que beneficie as pessoas e o planeta.

Instituições de poder financeiro devem parar de financiar e investir em combustíveis fósseis.

Quando nossos maiores bancos, nossos investidores mais influentes e nossas mais prestigiosas universidades apostam no sucesso da indústria de combustíveis fosseis, eles fornecem-lhe o capital econômico e social necessário para a manutenção do perigoso status quo. Em vez disso, essas instituições devem retirar seus investimentos nas companhias de combustíveis fosseis e cortar seu financiamento enquanto reinvestem tais recursos em um futuro justo e estável.

As pessoas devem construir poder político para defender um sistema econômico mais justo

Se tentarmos uma reconstrução da economia cujos princípios norteadores sejam um retorno ao ‘business as usual’, simplesmente substituiremos uma crise por outra. Em vez disso, devemos reconhecer que quando uma crise nos atinge, o desastre se amplifica sobre as linhas de fratura da sociedade, e que, quando não nos preparamos para os desastres, os custos da inação recaem com maior força sobre os mais vulneráveis. Uma recuperação verde pode e deve elevar aqueles que mais precisam dela, em casa e ao redor do mundo, criando, nesse processo, uma sociedade mais resiliente e regenerativa.

Conquistando uma transformação econômica de larga escala que desmonte a economia do carbono e que traga consigo um mundo mais sustentável, temos a oportunidade de dar início ao processo de recuperação econômica ao mesmo tempo que trabalhamos para desfazer as injustiças no coração de nosso sistema moderno. Enquanto especialistas em economia, abaixo-assinados, apelamos para que nossos responsáveis políticos reconheçam o papel que uma ação climática significativa tem na reconstrução de nosso mundo – para que reconheçam que uma economia e uma sociedade saudáveis requerem um planeta saudável.

Essa carta foi assinada por mais de 100 economistas. Veja a lista com todos os signatários aqui.

Tradução: Daniel Pavan

Publicado originalmente no jornal The guardian.

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