Completar a obra da redemocratização

Imagem: Thgusstavo Santana
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LUIZ WERNECK VIANNA*

Sob ameaça a sociedade deu partida ao sentimento de insurgência contra um governo que renega o que há de melhor em nossas tradições

Para observadores desatentos, o apego irracional ao poder por parte de Bolsonaro quando todos e tudo lhe escapam do controle e comunicam em alto e bom som que chegou a hora do seu fim, aparenta sinais de loucura, de falhas cognitivas que escapam a uma percepção normal das circunstâncias a que está exposto, tanto no processo eleitoral que emite sinais irreversíveis de derrota nas urnas, como na rejeição manifesta pela opinião pública entre gregos e troianos, inclusive de largas fatias da elite, ao seu estilo de mando e de governo.

Mas há método nessa loucura, e que não recua do uso de qualquer expediente que evite a sua derrota final, em última instância até o de favorecer enfrentamentos que levem o país à beira de uma guerra civil. Bolsonaro e seu entorno imediato nunca esconderam seus propósitos do que entendiam como uma purificação política do país a eliminação dos seus adversários, no limite, física (os trinta mil mortos tantas vezes mencionados publicamente), explícita na glorificação de militares torturadores na ditadura militar e na sua obsessão de defesa do regime do AI-5. Nesse sentido, converteu em uma política de Estado a difusão do culto às armas e a massificação da sua posse, e favoreceu a criação de milícias entre seus simpatizantes e sequazes.

Ao longo do seu governo, em particular após sua inflexão em favor das forças políticas agrupadas no Centrão, procurou palmilhar as vias da política na expectativa de que com elas se credenciaria a disputar com êxito a sucessão eleitoral, sem perder de vista, em nenhum momento, a alternativa golpista para o caso de se frustrarem. Salvo um desastre cósmico às vésperas das eleições, são favas contadas sua derrota eleitoral, e já se fazem ouvir os tambores que anunciam a presença dos conspiradores contra a democracia, em que pesem robustas trincheiras, nacionais e internacionais, que começam a se levantar contra seus intentos.

Os democratas, nessa hora de suma gravidade, não podem se iludir antecipando o sucesso dos seus esforços, pois, na verdade, o que está em jogo é levar a efeito a obra inconclusa da democratização do país, removendo o que ainda sobrevive do entulho autoritário. O desespero dos que se sentem na iminência de perderem o poder e suas prebendas pode levar a que se socorram no “tudo ou nada” ou cogitarem de que “depois de mim, o dilúvio”, precipitando o país no tumulto e no caos.

O recente ultraje à dignidade da nação praticado por Bolsonaro na famigerada reunião com embaixadores de países amigos mais uma vez expôs a natureza temerária de suas ações como dirigente político que a tudo subordina ao que entende como seus interesses na preservação do poder. Os riscos letais a que nossa democracia incorre pela ação de conspiradores dispostos ao uso de recursos extremos contra ela não pode ser outro que o da união de todos nessa causa de salvação nacional.

Sob ameaça a sociedade deu partida ao sentimento de insurgência contra um governo que renega o que há de melhor em nossas tradições e em nossos esforços por radicar aqui os ideais civilizatórios. O manifesto que ora conta com mais de 500 mil assinaturas em defesa da democracia e de nossas instituições, ao qual aderem juristas, intelectuais, artistas e entidades representativas da indústria, das finanças e do comércio e seis centrais sindicais, ainda aberto a novas adesões, apontam nessa direção.

Seu texto, atores, e o lugar em que será anunciado publicamente no dia 11 de agosto na Universidade de São Paulo, carregam simbolicamente os elos entre o movimento libertário atual e o dos idos anos 1980, significando continuidade nas lutas democráticas entre esses dois períodos em que este mais recente visa completar o que ainda faltou ao primeiro.

*Luiz Werneck Vianna é professor do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Autor, entre outros livros, de A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Revan).

 

O site A Terra é redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores. Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como.

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China
O pagador de promessas
Por SOLENI BISCOUTO FRESSATO: Considerações sobre a peça teatral de Dias Gomes e o filme de Anselmo Duarte
Na escola ecomarxista
Por MICHAEL LÖWY: Considerações sobre três livros de Kohei Saito
A força econômica da doença
Por RICARDO ABRAMOVAY: Parcela significativa do boom econômico norte-americano é gerada pela doença. E o que propaga e pereniza a doença é o empenho meticuloso em difundir em larga escala o vício
Ainda estaremos aqui?
Por ANTONIO SIMPLICIO DE ALMEIDA NETO: É preciso, com urgência, considerar a negligência com que temos tratado o conhecimento histórico nas escolas brasileiras, notadamente as públicas
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES