De volta ao poder: perspectivas e limites do governo Lula

Imagem: Elyeser Szturm
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Por ADALMIR ANTONIO MARQUETTI, ALESSANDRO DONADIO MIEBACH & HENRIQUE MORRONE*

O sucesso do novo governo depende do abandono do neoliberalismo e da adoção de uma estratégia desenvolvimentista.

Introdução

Lula venceu por uma margem estreita as eleições presidenciais. Foi uma grande vitória de Lula e do Partido dos Trabalhadores, PT, quando olhamos a história recente do Brasil. Na eleição de 2018, Lula estava preso e inelegível, condenado em 2017 por falsas acusações de corrupção. No final de 2019, o Supremo Tribunal Federal anulou o veredicto após o vazamento de mensagens entre o juiz e os promotores.

Lula e o PT tinham enfrentado revezes políticos no passado. Em 2005, o escândalo do Mensalão, um pagamento mensal a parlamentares em troca de apoio do governo, se tornou um símbolo do combate à corrupção. Foi também uma tentativa de tirar o PT e sua coligação política do poder. Apesar dos ataques da grande mídia e da condenação de alguns líderes petistas, Lula foi reeleito em 2006 e Dilma Rousseff em 2010. O PIB brasileiro cresceu 4,05% ao ano entre 2002 e 2010.

O grande revés político começou em 2013, quando surgiram os primeiros protestos de rua nos governos petistas. A classe média conservadora, inicialmente ausente, integrou-se questionando a corrupção e os custos da Copa do Mundo de 2014, aumentando a pressão sobre o governo. Como resultado, caiu a popularidade da presidente Dilma Rousseff. Surgiram grupos com conexões com a direita e com a extrema direita nos Estados Unidos.

Apesar dos crescentes problemas políticos e econômicos, Dilma Rousseff venceu as eleições de 2014. Na campanha, ela argumentou contra o baixo crescimento econômico e o alto desemprego. No entanto, apesar da crise cíclica iniciada no segundo trimestre de 2014 em decorrência da queda da taxa de lucro (Marquetti et al, 2020b), ela implementou políticas de austeridade em 2015. O resultado foi uma queda do PIB de 3,8% em 2015, seguida de uma nova queda de 3,6% em 2016. A crise econômica e o impacto das denúncias de corrupção pela chamada “operação lava jato” desempenharam um papel importante no soft coup de 2016.

O vice-presidente Michel Temer assumiu o poder, sugerindo uma série de medidas visando ampliar a lucratividade. O principal objetivo era a redução dos custos trabalhistas e dos déficits fiscais. Incluía propostas para mudar a regra de indexação do salário mínimo, reformar a legislação trabalhista e a previdência social. Também estavam à vista outras medidas neoliberais, como a eliminação das regras constitucionais de gastos em educação e saúde, impulsionando tanto a privatização quanto a abertura comercial. O governo conseguiu implementar algumas das reformas neoliberais. No entanto, escândalos políticos reduziram as chances dos partidos tradicionais de direita vencerem as eleições de 2018.

A operação lava jato começou no início de 2014, investigando lavagem de dinheiro e corrupção na Petrobrás por diversos partidos políticos. Lula tornou-se o principal réu, e sua prisão em 2017 foi celebrada como a principal conquista da ‘operação lava-jato’. Além disso, Lula também foi impedido de concorrer à presidência, o que permitiu a Bolsonaro vencer a eleição de 2018. Dificilmente a situação poderia ficar pior para o Lula e o PT.

No poder, Jair Bolsonaro lançou uma agenda neoliberal de ultradireita, reformando o sistema previdenciário, privatizando empresas públicas, ignorando as leis ambientais, enquanto atacava os direitos das minorias e a democracia. O Brasil é o segundo país com maior número de mortes por covid; a estatística oficial estava próxima de 700 mil em dezembro de 2022, enquanto o número de casos conhecidos era superior a trinta e seis milhões. A taxa de crescimento anual do PIB foi de 0,6 % nos primeiros três anos de governo, e a taxa de crescimento esperada em 2022 era de 2,8 %. Além disso, a taxa de inflação aumentou de 3,75 % em 2018 para 10,06 % em 2021, e a inflação esperada em 2022 era de 5,88 %. Mesmo considerando os problemas associados à pandemia e à guerra na Ucrânia, o desempenho econômico foi péssimo.

A desigualdade e a pobreza aumentaram. Em relação a 2020, a renda familiar média per capita diminuiu 6,9 % em 2021; a classe dos 10% mais pobres foi a que mais perdeu, 32,2 %; a classe dos mais de 10% a 20% mais pobres perdeu 19,8 % do rendimento domiciliar per capita (IBGE, 2022).

Logo, a questão econômica era a maior preocupação dos eleitores, sendo fundamental para a vitória de Lula. Seu apoio político foi baseado em eleitores com renda mensal de até dois salários mínimos. Eles sofreram o pior com o retorno do neoliberalismo e da crise econômica. Lula organizou uma grande coalizão; o vice-presidente é Geraldo Alckmin, ex-membro do Partido Social Democrático Brasileiro, PSDB, e candidato à presidência nas eleições de 2006 e 2018. O PSDB apoiou as principais reformas institucionais neoliberais na década de 1990, tornando-se o principal partido da oposição quando o PT estava no poder. O desafio político é como governar com essa grande coalizão, principalmente quando o governo tem que enfrentar escolhas difíceis sobre a gestão da economia.

Aumentar o crescimento do PIB é necessário para unir e expandir a coalizão política e implementar a política redistributiva prometida durante a campanha. Apesar da derrota de Bolsonaro, seu partido é o maior da Câmara dos Deputados. Os candidatos pró-Bolsonaro venceram importantes eleições estaduais, como em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Sem crescimento econômico, o bolsonarismo continuará sendo uma força política nos próximos anos.

O artigo investiga as perspectivas e os limites econômicos do terceiro mandato de Lula. Abordamos essas questões empregando a taxa de lucro e seus determinantes. A taxa de lucro é fundamental para o funcionamento das firmas capitalistas para as diferentes escolas de pensamento econômico. A queda da lucratividade após a crise de 2008 devido ao esmagamento dos lucros e a queda dos termos de troca teve papel decisivo no fim da coalizão política organizada por Lula, abrindo a possibilidade para o soft coup em 2016.

 

A taxa de lucro e seus componentes no Brasil: 2000-2021

A taxa de lucro é um determinante central da rentabilidade esperada, desempenhando um papel fundamental no ciclo de negócios (Weisskopf, 1979). A elevação taxa de lucro aumenta a taxa de lucro esperada, o que impulsiona o investimento, expandindo a produção e o emprego. A queda na taxa de lucro reduz a rentabilidade esperada, reduzindo os investimentos e a produção agregada. A política econômica pode elevar o investimento e a acumulação de capital no curto prazo. No entanto, num contexto de queda da taxa de lucro, o investimento e a acumulação de capital diminuirão no médio e longo prazo. É necessário que o investimento esteja sobre o controle da sociedade para que a taxa de acumulação não se reduza com a diminuição da taxa de lucro.

A trajetória da taxa de lucro depende de três fatores relacionados aos tipos de crises em uma economia capitalista, conforme sugerido por Weisskopf (1979). Primeiro, o esmagamento do lucro é uma diminuição na parcela nos lucros devido ao maior poder de barganha dos trabalhadores. Por razões econômicas e políticas, os salários podem aumentar mais rapidamente do que a produtividade do trabalho. Em segundo lugar, o declínio na utilização da capacidade instalada devido à falta de demanda agregada. Em terceiro lugar, a queda na produtividade potencial do capital devido ao aumento da composição orgânica do capital.

Esse fenômeno geralmente está associado à mudança técnica, acumulação de capital e a mecanização, mas também ocorre quando o preço dos bens de capital aumenta mais rapidamente do que o deflator do PIB e os termos de troca diminuem em uma economia aberta. Independentemente de sua origem, a queda na taxa de lucro resulta em redução do investimento e da acumulação de capital e, consequentemente, em menor crescimento econômico.

A taxa de lucro é a relação entre os lucros e o capital adiantado na produção. Weisskopf (1979) propôs uma decomposição da taxa de lucro, r, na parcela dos lucros, π, no nível de utilização da capacidade instalada, u, e na produtividade potencial do capital, ρ. A taxa de lucro é calculada do seguinte modo:

onde Z é o lucro líquido, K é o estoque líquido de capital, X é o produto líquido e XP é o produto potencial líquido. Para informações sobre os dados, ver Marquetti et al. (2023).

O aumento ou declínio da taxa de lucro tem consequências políticas importantes em uma sociedade democrática. As mudanças na produtividade potencial do capital ocorrem no médio e a longo prazos, e suas influências estão associadas às modificações institucionais nas economias capitalistas. A interação entre a distribuição funcional de renda e a utilização da capacidade capturada pelos ciclos de Goodwin tem importantes consequências políticas. O aumento/diminuição da utilização da capacidade instalada expande/reduz o poder de barganha dos trabalhadores com consequências para a participação nos lucros e a taxa de lucro.

O capitalista responderá politicamente a um esmagamento dos lucros, retirando o apoio da coalizão governante no poder. Os trabalhadores também responderam à queda na utilização da capacidade instalada, ao aumento do desemprego e a redução do poder de barganha e da participação salarial votando contra o governo no poder. As condições econômicas são um ingrediente chave nos votos de trabalhadores e capitalistas (Fisher, 2018). No entanto, os capitalistas têm o maior poder econômico e político para influir e alterar o sistema democrático. Isso é especialmente verdade em países sem tradição democrática, como no caso brasileiro.

Olhar para as mudanças nas três variáveis ao longo do tempo pode ajudar a entender melhor a trajetória dos governos do PT no início do século XXI, lançando algumas luzes ao comparar as atuais condições econômicas e sociais que o novo governo enfrenta com as anteriores. A Figura 1 apresenta a taxa de lucro, r, e o investimento líquido, I, do Brasil entre 2000 e 2021. As mudanças na taxa de lucro líquido precedem os movimentos no investimento líquido. O resultado é consistente com Grazziotin et al. (2021), que mostra uma causalidade de Granger da taxa de lucro para a acumulação de capital na economia brasileira entre 1950 e 2016.

Figura 1: A taxa de lucro, r, e o investimento líquido, I, Brasil: 2000-2021
Fonte: Marquetti et al. (2023)

A Tabela 1 mostra a decomposição da taxa de lucro e da taxa de crescimento do PIB por mandatos presidenciais entre 2002 e 2021. A taxa de lucro manteve-se estável no período devido ao leve aumento da produtividade potencial do capital. Esse resultado reflete a desindustrialização da economia brasileira no período. A desindustrialização é uma mudança estrutural na qual as economias passam de setores com baixa para alta produtividade de capital. Nos processos de desmecanização, ocorre um movimento contrário ao investigado por Marx em sua análise da queda da taxa de lucro. A participação da manufatura no valor agregado a preços correntes caiu de 15,27% em 2000 para 11,97% em 2021; foi de 14,97 % cento em 2010.

Tabela 1: A decomposição da taxa de lucro líquido e taxa de crescimento do PIB por mandato presidencial, Brasil, 2000-2021, %

Fonte: Marquetti et al.

A Figura 2 mostra a taxa de lucro e seus componentes entre 2000 e 2021. A taxa de lucro não apresentou tendência durante o período, apenas movimentos cíclicos. Apesar da queda na parcela dos lucros, a taxa de lucro aumentou entre 2002 e 2007, impulsionada pela maior utilização da capacidade instalada e elevação da produtividade potencial do capital. Entre 2007 e 2015, a taxa de lucro caiu devido à queda na parcela dos lucros e na utilização da capacidade instalada. A taxa de lucro expandiu entre 2015 e 2021 com o aumento da parcela dos lucros e a maior utilização da capacidade instalada.

Figura 2: A taxa de lucro e seus componentes, Brasil, 2000-2016
Fonte: Marquetti et al. (2023)

Da onda rosa ao neoliberalismo tardio: a economia brasileira no século XXI

As perspectivas positivas para o novo governo Lula se baseiam na aprovação popular dos governos do PT nos anos 2002-2014. O período abrange os dois mandatos de Lula, entre 2002 e 2010, e o primeiro governo Dilma, entre 2011 e 2014. As crises econômicas e políticas afetaram o segundo mandato de Dilma Rousseff, o que resultou em seu impeachment em 2016.

O período compreende a onda rosa, o ciclo de governos de esquerda que tomou posse em vários países latino-americanos por volta de 2000. A onda rosa combinou redistribuição de renda para o trabalho, redução da pobreza e maior autonomia nacional. A investigação da onda rosa brasileira auxilia na compreensão das possibilidades e dos limites do novo governo Lula.

A incapacidade do neoliberalismo em promover o crescimento econômico e manter a lucratividade na década de 1990 desempenhou um papel importante na vitória do Partido dos Trabalhadores em 2002. Houve duas outras razões para a vitória. Primeiro, Lula organizou uma ampla aliança entre diferentes setores sociais, incluindo as frações da classe trabalhadora e da burguesia (Boito Jr. e Saad-Filho, 2016). José Alencar, um capitalista industrial, era o candidato a vice-presidente. Em segundo lugar, Lula assinou a Carta ao Povo Brasileiro, em julho de 2002, informando ao setor financeiro que o governo manteria algumas políticas econômicas neoliberais, como as altas taxas de juros reais. Esse movimento reduziu a oposição da burguesia financeira ao novo governo.

No poder, a política econômica do Partido dos Trabalhadores foi pragmática e moderada, combinando elementos do desenvolvimentismo e do neoliberalismo. Razões políticas e econômicas determinaram qual deles seria hegemônico. Nos dois primeiros anos, predominou uma política econômica neoliberal. O governo manteve o regime de metas de inflação e taxas de câmbio flutuantes, comprometendo-se com o equilíbrio fiscal por meio de metas de superávit primário. Henrique Meirelles, anteriormente um executivo de banco internacional, foi nomeado presidente do Banco Central. Consolidou-se uma política de redistribuição para os pobres através da unificação de vários programas de transferência condicionada de renda no Bolsa Família.

Do lado político, as relações com o Poder Legislativo dependiam de uma ampla coalizão política, como de costume no Brasil. A grande aliança implicou constrangimentos políticos para o governo, que não tinha a maioria no legislativo. A crise do Mensalão em 2005 decorreu da tentativa de angariar apoio político no legislativo. Para superar a crise, o governo formou uma nova aliança política com o Partido do Movimento Democrático Brasileiro, PMDB, o maior partido do Congresso.

Mudanças econômicas ocorreram no período, o desenvolvimentismo tornou-se hegemônico e Guido Mantega substituiu o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho. A política fiscal e os programas de transferência de renda ganharam destaque na expansão da demanda e no crescimento da produção. A nova política de salário-mínimo entrou em vigor no final de 2006, vinculando sua alta à inflação anterior e ao crescimento do PIB, possibilitando o aumento da participação do trabalho na renda e do consumo das famílias. O Programa de Aceleração Econômica, PAC, um conjunto de investimentos públicos e privados, foi lançado em 2007 sob a liderança de Dilma Rousseff.

A demanda por commodities aumentou e os termos de troca melhoraram no período. Os preços das commodities subiram 135% entre 2002 e 2007 (FMI, 2022), o que, associado a uma alta taxa de juros, levou a uma apreciação do real. Isto permitiu combinar aumentos reais de salários com o controle da inflação. Como efeito colateral, houve uma maior desindustrialização e o aumento do poder político do agronegócio.

O crescimento econômico entre 2003 e 2007, combinado com a elevação dos termos de troca, permitiu o crescimento simultâneo da taxa de lucro e da parcela salarial. Foi essa a base que sustentou a estabilidade social e política nos anos Lula, resolvendo interesses contraditórios de diversos setores da sociedade.

À medida que a utilização da capacidade produtiva e as taxas de lucro aumentavam, permitindo maiores salários reais, não havia maior contradição entre os interesses dos trabalhadores e dos capitalistas. Como mostra a Figura 3, esse movimento foi observado no primeiro governo Lula. Ele exibe o gráfico de dispersão entre a utilização da capacidade e a participação salarial entre 2000 e 2021. Os dados são consistentes com um ciclo de Goodwin, estabelecendo uma relação não linear entre a utilização da capacidade e a parcela salarial.

Capitalistas e trabalhadores compartilharam o crescimento econômico com maiores lucros, salários e empregos. Esses foram os princípios centrais do sucesso do PT: as condições econômicas reduziram as disputas de classe social (Marquetti et al., 2020b; Martins e Rugitsky, 2021). A alta taxa de juros real que beneficiou as elites financeiras foi aceita pelos setores populares, enquanto a expansão da participação salarial na renda não foi contestada pelos capitalistas.

Figura 3: A relação entre a utilização da capacidade instalada, u, e a parcela salarial, 1- π, Brasil: 2000-2021.
Fonte: Marquetti et al. (2023).

O cenário econômico mudou após o colapso financeiro em 2008. Políticas fiscais e monetárias expansionistas para estimular a demanda por produtos manufaturados funcionaram para evitar uma grande crise econômica. A taxa de crescimento do PIB atingiu 7,5% em 2010. A crise neoliberal afetou a economia brasileira na década de 2010, quando os termos de troca diminuíram, e as tentativas de manter um alto nível de utilização da capacidade resultaram na queda da participação dos lucros na renda e da taxa de lucro.

A desaceleração do comércio mundial e a adoção do quantitative easing pelos Estados Unidos induziram um deslocamento da demanda global para países com mercado interno crescente e moeda nacional apreciada. A estratégia adotada pelo governo Dilma Rousseff foi estimular o investimento privado por meio de mudanças nas taxas de juros e câmbio. A abordagem produziu alguma desvalorização da moeda nacional, mas não conseguiu impulsionar o crescimento econômico. Houve medidas de redução de custos, como o aumento de isenções fiscais e subsídios, e o uso de bancos públicos para reduzir o spread nas taxas de juros.

O governo esperava que as políticas resultassem em aumento nos lucros após impostos e em maiores investimentos privados. O investimento público desempenharia um papel complementar na restauração do crescimento. O equilíbrio fiscal seria estabelecido por crescimento econômico que proporcionaria maior arrecadação tributária. Nesse cenário, o setor financeiro teria que aceitar uma taxa de juros menor e a concorrência dos bancos públicos.

No entanto, a queda das taxas de lucro devido o esmagamento dos lucros impediu a recuperação do investimento privado. Há claros limites na capacidade do governo de conciliar os distintos interesses das classes sociais. As políticas de valorização do salário mínimo e de manutenção de baixas taxas de desemprego foram mantidas em um contexto de aumento dos custos do trabalho. A baixa taxa de desemprego reduziu o custo da perda de emprego e aumentou o poder de barganha dos trabalhadores.

O setor financeiro entendeu a política econômica como o fim do compromisso assumido na Carta aos Brasileiros. Houve um equívoco sobre o neoliberalismo por parte do governo Dilma Rousseff. As políticas adotadas eram consistentes com uma aguda cisão entre capitalistas financeiros e produtivos. Uma das principais características do neoliberalismo é a fusão do capital produtivo com o capital financeiro sob a liderança deste último.

Além disso, a agitação social surgida em 2013 e o menor crescimento econômico intensificaram a disputa entre as classes sociais e reduziram a popularidade do governo. Em 2014, Dilma Rousseff foi reeleita por estreita margem. Durante a campanha, Dilma Rousseff reconheceu os problemas econômicos e propôs ajustes graduais para preservar o emprego e o crescimento econômico. Em uma virada neoliberal, no entanto, ela nomeou Joaquim Levy, um economista formado em Chicago, como ministro das finanças para se reaproximar da burguesia financeira.

Foi implementada uma política econômica de austeridade. A taxa de inflação atingiu 10,6 % em 2015 após forte elevação dos preços administrados, enquanto o investimento e o PIB caíram 14 % e 3,8 %, respectivamente. No final de 2015, o governo tentou mudar de rumo, substituindo Joaquim Levy por Nelson Barbosa, que propôs uma austeridade branda combinando aumento de gastos e impostos com uma reforma da previdência, mas já era tarde.

No mesmo período, estourou uma crise política em torno do escândalo de corrupção da Petrobras. A cobertura da mídia sobre a operação lava jato prejudicou a imagem do governo. Como ficou claro depois, o objetivo principal da operação era processar e prender Lula e desmoralizar o PT. Com o aumento dos problemas econômicos, surgiu na mídia uma associação entre a crise econômica, os governos petistas e a corrupção. O clima político adverso associado à ruptura da conciliação de classes estabelecida na primeira eleição de Lula, gerou as condições sociais e políticas para o impeachment de Dilma Rousseff.

A virada neoliberal de 2015 e os efeitos políticos da operação lava jato reduziram o apoio político dos setores populares, que não se mobilizaram para defender o governo do PT. Além disso, a burguesia percebeu a virada neoliberal como branda demais para reduzir o poder de barganha dos trabalhadores e insuficiente para restaurar a lucratividade. Com o desenrolar da crise política, o governo Dilma Rousseff ficou sozinho, tornando-se presa fácil das articulações políticas que levaram à sua queda por meio de um golpe parlamentar.

 

O neoliberalismo tardio

O PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer, lançou o documento “Ponte para o Futuro” em outubro de 2015, contendo medidas para restaurar a lucratividade por meio da redução de custos trabalhistas e implementação de austeridade fiscal. As propostas exigiam uma virada neoliberal radical e completa. O golpe e a implementação plena do neoliberalismo marcaram o fim da onda rosa brasileira. A partir de 2016, houve elevação da taxa de lucro, ejá o golpe parlamentar produziu os resultados esperados do ponto de vista da burguesia.

Contudo, a desconfiança e os ataques ao sistema político continuaram após o golpe. Embora o alvo principal da lava jato fosse Lula, ela transcendeu o PT, atingindo o governo Temer e os partidos políticos no Congresso. A feroz defesa dos interesses capitalistas e os escândalos políticos resultaram em baixa popularidade. A desmoralização do PT e do sistema político e a insatisfação com o governo abriram a possibilidade para um candidato de extrema direita. Lula, porém, era o favorito para a eleição de 2018, mesmo tendo sido condenado pelo juiz Sergio Moro, que mais tarde se tornou ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Lula foi preso e impedido de concorrer depois que o Supremo Tribunal rejeitou seu recurso de habeas corpus.

Abriu-se assim o caminho para a vitória de Jair Bolsonaro e o retorno do exército brasileiro ao cenário político. O apoio político de Jair Bolsonaro foi heterogêneo, incluindo grupos conservadores e de extrema direita, evangélicos, relevantes segmentos militares, setores ligados ao agronegócio e empresários comerciais e grupos neoliberais liderados pelo ministro da Fazenda Paulo Guedes, economista formado em Chicago.

O governo de Jair Bolsonaro promoveu a reforma da previdência social e introduziu uma série de desregulamentações, incluindo a redução dos padrões de proteção ambiental e trabalhista. Foi aprovada a independência do Banco Central, além de marcos regulatórios que facilitam a gestão privada em áreas como gás natural e saneamento. A privatização da Eletrobrás e a venda de diversos ativos da Petrobras, como a BR Distribuidora e refinarias, completaram um quadro representativo do aprofundamento do projeto neoliberal tardio. Houve uma desorganização do funcionamento do Estado.

A epidemia de Covid-19 teve um grande impacto no Brasil. Enquanto o neoliberalismo tardio foi eficiente em reduzir a massa salarial e aumentar a taxa de lucro, ele foi ineficiente para proteger a saúde e a renda dos trabalhadores e da população pobre. Inicialmente, o governo Bolsonaro aderiu a tese da ‘imunidade de rebanho’, recusando-se a agir para diminuir a propagação do coronavírus. Vários ministros da saúde foram nomeados sem uma estratégia clara de enfrentamento da pandemia.

As pressões políticas e sociais levaram o governo a agir. Em abril de 2020, o Congresso Nacional aprovou uma lei sobre transferências emergenciais de renda para mitigar os efeitos sociais e econômicos da pandemia, promovendo aumento de renda no curto prazo e redução da pobreza. A taxa de aprovação de Bolsonaro cresceu em 2020 durante o período de pagamento. Com o fim dos programas emergenciais de transferência de renda, houve um rápido aumento da pobreza devido ao alto índice de desemprego e à queda dos salários reais. O principal componente da renda das famílias brasileiras é a renda do trabalho. A participação salarial declinou acentuadamente durante o neoliberalismo tardio, como pode ser visto na Figura 3.

A combinação da agenda neoliberal com a pandemia levou a uma queda acentuada no padrão de vida da população. A inflação cresceu rapidamente no segundo semestre de 2021, a Guerra da Ucrânia impactou ainda mais a renda real e o bem-estar da população. A queda do padrão de vida e a péssima situação social, com a volta da fome levaram os políticos conservadores a exercerem pressão sobre o governo. Em 2022, um novo programa, ‘Auxílio Brasil’, que violou as regras fiscais, e a redução dos impostos indiretos sobre combustíveis foram implementados para reverter a queda na popularidade do governo. No terceiro trimestre de 2022, houve uma queda do IPCA e uma leve recuperação do emprego.

As medidas restauraram parte da popularidade de Bolsonaro, mas foram insuficientes para garantir sua reeleição. Os trabalhadores e a população pobre apoiaram Lula. Existem limites para a queda do salário real e da renda familiar em sociedades com eleições regulares. Pela primeira vez desde a redemocratização, o presidente foi derrotado na tentativa de reeleição. A margem de dois por cento da vitória de Lula mostra o ambiente político polarizado que o novo governo enfrentará. As seções a seguir apresentam as medidas propostas e discutem as perspectivas e os limites do novo governo.

 

Medidas propostas pelo PT

Em 27 de outubro de 2022, apenas três dias antes do segundo turno, Lula lançou uma nova carta, a “Carta para o Brasil de amanhã”. A carta apresenta as principais propostas do novo governo, sintetizando os debates ao longo da campanha em 13 pontos prioritários. O documento possui um enfoque mais amplo do que a ‘Carta aos Brasileiros’ de 2002, que era voltada para o mercado financeiro. Em 22 de dezembro de 2022, o Relatório Final elaborado pelo Gabinete de Transição Governamental reafirmou os pontos prioritários levantados na Carta ao Brasil de amanhã.

Os pontos prioritários podem ser resumidos em oito propostas econômicas. As medidas podem ser descritas como: (i) Revisão do programa de transferência de renda; (ii) Proporcionar ganhos reais aos beneficiários do salário-mínimo e aposentados; (iii) Renegociação da dívida dos cidadãos em dificuldades económicas e disponibilização de acesso ao crédito à população altamente endividada; (iv) Isenção de imposto de renda para cidadãos que recebem até R$ 5.000,00 mensais, acompanhada de reforma tributária; (v) Estimulo aos investimentos públicos e privados em infraestrutura; (vi) Utilização de bancos públicos e empresas estatais para aumentar o investimento e a prestação de serviços; (vii) Reindustrialização, modernização do país e entrada na tecnologia digital; (viii) Combate ao desmatamento, atingindo emissão zero de dióxido de carbono no fornecimento de eletricidade, estimulando a agricultura, a mineração e a extração sustentáveis.

Os dois documentos enfatizam a necessidade de uma rápida recuperação das capacidades estatais de planejamento, execução e implementação de políticas públicas. A estrutura e a organização do estado sofreram em várias dimensões sob o governo de Jair Bolsonaro (Lotta; Silveira, 2021). Houve desmonte das políticas públicas de educação e saúde, restrição da participação social, enfraquecimento dos mecanismos de controle social e obstrução do acesso aos direitos individuais, sociais e econômicos. O Relatório Final aponta para a necessidade de revisão e o planejamento de diversas ações para fomentar a capacidade de ação do Estado por meio da reorganização de ministérios e revogação de diversas instruções e decretos do governo anterior.

Há também um senso de urgência em relação ao reposicionamento do Brasil na comunidade internacional e em seus fóruns, recuperando parte do soft-power perdido nos últimos anos. Nesse sentido, as propostas visavam restaurar a influência brasileira em fóruns como MERCOSUL e BRICS, bem como em outras instituições internacionais associadas às Nações Unidas.

Também busca implementar uma nova política ambiental para melhorar a imagem e facilitar o acesso a fundos internacionais para preservar a floresta amazônica. Fundos internacionais estão disponíveis para combater as mudanças climáticas e o Brasil pode se beneficiar dos recursos. Além disso, a nova posição internacional pode reduzir a oposição política interna, ajudando a aliviar as pressões e promover as reformas necessárias. O cenário externo e a forma como Lula lida com as pressões políticas internas são fundamentais para o seu sucesso.

Uma das primeiras medidas do novo governo foi uma Proposta de Emenda Constitucional, PEC, para permitir elevar em R$ 145 bilhões o teto de gastos do Orçamento de 2023. Os recursos são fundamentais para que o novo governo cumpra alguns compromissos assumidos na Carta ao Brasil de Amanhã, como o Bolsa Família de R$ 600, com R$ 150 por criança de até seis anos; elevação do salário mínimo real; aumento de recursos para educação e saúde pública. A PEC também permite ampliar os investimentos federais em R$ 70,4 bilhões.

Essas medidas provavelmente têm o potencial de estimular o crescimento de curto prazo com o emprego de uma política fiscal expansionista. O novo governo deve sustentar o leve processo de recuperação econômica iniciado com as medidas oportunistas adotadas por Jair Bolsonaro. Os últimos meses de 2022 foram de recuperação do emprego e do crescimento. O novo governo do PT terá que enfrentar uma forte oposição de direita e extrema direita. Nesse ambiente polarizado, é essencial combater o aumento do desemprego para preservar a popularidade. A PEC abriu algum espaço fiscal no primeiro ano do novo governo.

 

Perspectivas Econômicas

Para o novo governo, a expansão da demanda agregada e da utilização da capacidade instalada estimulará o crescimento econômico. No curto prazo, a política econômica combinará expansão fiscal, aumento das transferências sociais para famílias de baixa renda e aumento do salário mínimo real. Embora possa promover o crescimento e atender às expectativas iniciais em torno do novo governo, há riscos na sustentabilidade de uma trajetória de crescimento de longo prazo. Em especial, no caso de uma queda na taxa de lucro provocada pelo esmagamento dos lucros.

Além disso, há limites fiscais para a expansão dos investimentos públicos. No segundo trimestre de 2022, a receita do governo federal atingiu 32,1% do PIB e a despesa foi de 37,2%. Do total de gastos, 24% foram para o pagamento de juros e 40,9% para o pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais, enquanto o investimento atingiu 0,67% (STN, 2022). Há espaço para flexibilizar a política monetária no curto prazo; a taxa básica de juros foi de 13,75%, e a taxa de inflação nos últimos 12 meses foi de 5,9%. A taxa de juros real está em 7,41% ao ano.

É esperado um aumento no poder de barganha dos trabalhadores. Uma nova regra será proposta para elevar o salário mínimo acima da inflação. Em 2006, foi instituída a lei de valorização que corrigia o salário mínimo de acordo com a inflação anual e a taxa de crescimento do PIB dos dois anos anteriores. Entre dezembro de 2002 e dezembro de 2014, o salário mínimo real aumentou 82 %, o PIB real expandiu 50,7 % no período. De 2016 a 2018, o salário mínimo aumentou em linha com a inflação devido à desaceleração e queda do PIB. Em 2019, o governo Bolsonaro eliminou a política que considerava o crescimento do PIB como um elemento para elevar o salário mínimo. Com o novo governo também existe a possibilidade de revisão das leis trabalhistas com a expansão dos direitos dos trabalhadores e o fortalecimento dos sindicatos.

A Figura 4 apresenta a utilização da capacidade instalada na indústria brasileira do primeiro trimestre de 2000 ao terceiro trimestre de 2022. A linha pontilhada exibe dados trimestrais e a linha sólida mostra a média móvel de quatro trimestres. A utilização da capacidade industrial em 2022 foi semelhante à do primeiro semestre de 2004. O resultado é consistente com os dados observados para toda a economia e no ciclo de Goodwin na Figura 3. Nessa perspectiva, em 2021 e 2022 a situação econômica é comparável a vigente no início dos anos 2000. Assim, uma estratégia de crescimento liderada pelos salários pode estimular o crescimento do produto no curto prazo. Apesar da queda na participação nos lucros, a taxa de lucro aumentaria com a maior utilização da capacidade instalada, movimento análogo ao ocorrido no primeiro mandato de Lula.

No entanto, um maior crescimento econômico a médio e longo prazo exige uma maior acumulação de capital. Na Carta ao Brasil do Amanhã, as referências à expansão da acumulação de capital estão no estímulo ao investimento público e privado em infraestrutura, o uso de empresas estatais para aumentar o investimento e a reindustrialização do país. A Figura 5 mostra que a acumulação de capital determina o crescimento do PIB no longo prazo. Para elevar o crescimento de longo prazo do Brasil para quatro por cento (o desempenho médio durante os dois primeiros mandatos de Lula), é necessário expandir a acumulação de capital em quatro por cento.

Figura 4: Capacidade utilizada industrial, Brasil, I.2000 – III.2022
Fonte: FGV (2022)

Nos últimos 70 anos, o Brasil passou por duas fases em termos de crescimento econômico. Primeiro, durante o desenvolvimentismo entre o 1947 e 1980, a taxa de crescimento do PIB foi de 7,4 % ao ano. O Brasil foi uma das economias mais dinâmicas do mundo, o setor industrial liderou o crescimento com a industrialização por substituição de importações. A erosão desse processo começou em 1973, com o fim da Idade de Ouro do capitalismo, houve queda na taxa de lucro da economia brasileira (Marquetti et al. 2023).

Figura 5: Acumulação de capital, gK, e taxa de crescimento do PIB, gX, Brasil, 19502021
Fonte: Marquetti et al. (2023).

Segundo, durante o neoliberalismo, de 1980 a 2021, o PIB expandiu-se a 2,3 % ao ano, um declínio superior a 5 %. O neoliberalismo pode ser dividido em quatro subperíodos. Primeiro, de 1980 a 1989, na década perdida quando a economia teve estagnação, elevada inflação e a industrialização por substituição de importações foi abandonada. Segundo, entre 1989 e 2002, quando o neoliberalismo foi amplamente implementado. Houve a abertura das contas comerciais e financeiras, a privatização de empresas públicas, a redução do papel do estado, o controle da inflação em 1994 com o Plano Real e a adoção do regime de metas de inflação em 1999. Em terceiro lugar, entre 2003 e 2014, o Brasil implementou políticas que combinavam elementos desenvolvimentistas e neoliberais. O PIB cresceu 3,4 % ao ano, o melhor desempenho econômico desde 1980. Em quarto lugar, no neoliberalismo tardio, entre 2016 e 2021, a taxa média de crescimento da economia brasileira foi de 1,2 % anual.

O terceiro mandato de Lula tem a difícil tarefa de reativar o crescimento econômico de longo prazo, aumentando a acumulação de capital para quatro por cento ao ano. Mantida a produtividade potencial do capital constante, o PIB também cresceria a quatro por cento. Para isso, o investimento líquido deveria ser quadruplicado, correspondendo a uma taxa de investimento de cerca de 25 % com a atual produtividade do capital. As possibilidades de expansão da taxa de investimento serão ou pelo aumento da taxa de lucro ou pela adoção de uma nova estratégia de desenvolvimento com o abandono do neoliberalismo.

Há uma contradição entre expandir o investimento em infraestrutura e promover a reindustrialização com o aumento da taxa de lucro. Nos países em desenvolvimento, a mecanização e o crescimento da produtividade do trabalho não estão associadas ao aumento das taxas de lucro (Marquetti t al., 2020a). Pelo contrário, no longo prazo, o aumento da produtividade do trabalho está associado à intensificação da utilização do capital e a diminuição das taxas de lucro.

Portanto, o abandono do neoliberalismo e sua substituição por um novo arcabouço institucional capaz de aliar maior crescimento econômico com a geração de emprego e a preservação ambiental é o caminho para o desenvolvimento brasileiro. Restaurar a acumulação de capital e reduzir as emissões de gás carbônico é um desafio para o novo governo. Marquetti et al. (2019) mostram que a redução das emissões em conformidade aos compromissos assumidos no Acordo de Paris requer a redução da acumulação de capital nos países em desenvolvimento ou o emprego de técnicas com elevadas taxas de poupança na utilização de energia. É notório que os países com elevado crescimento têm aumentando a intensidade energética para impulsionar suas economias (Von Arnim e Rada, 2011).

A tentativa de reindustrializar a economia também deve considerar as políticas macroeconômicas. É necessário coordenar a estratégia industrial e a política macroeconômica de curto prazo para ter sucesso na reindustrialização (Nassif et al., 2018). A longo prazo, é necessário ter um plano estratégico de desenvolvimento. Pochmann (2022) referiu-se à necessidade de o estado retomar o planejamento econômico. Também é fundamental instituir um novo conjunto de empresas estatais para ampliar os investimentos no Brasil. Roberts (2022) apontou que as empresas estatais têm desempenhado um papel no crescimento da economia chinesa, mantendo altas taxas de investimento, apesar das taxas de lucro em declínio.

As transformações na economia capitalista na última década colocaram o neoliberalismo na defensiva. Mesmo o FMI, um defensor central do neoliberalismo, chamou a atenção para o fato que as políticas neoliberais aumentaram a desigualdade e comprometeram o crescimento de longo prazo (Ostry et. all, 2016). Sem dúvidas, existem limites políticos, econômicos e ambientais para a implementação de uma estratégia de desenvolvimento nacional. Contudo, esse é o caminho para o país voltar a crescer a taxas próximas de quatro por cento ao ano.

 

Considerações finais

O presente artigo investigou as perspectivas do terceiro governo de Lula, analisando a taxa de lucro e seus principais determinantes de 2000 a 2021. A taxa de lucro e seus componentes em 2021 foram semelhantes aos encontrados no início dos anos 2000, particularmente a utilização da capacidade instalada e a parcela de lucros.

Talvez, a principal diferença seja que a taxa de lucro estava em declínio em 2002. Atualmente, a taxa de lucro está aumentando devido à expansão da parcela de lucros e da utilização da capacidade instalada.

A comparação da situação atual com a prevalente em 2002 apresenta um panorama dos desafios que o novo governo enfrentará. Uma política econômica capaz de aumentar a demanda por meio da redistribuição aos pobres e da expansão da participação do trabalho pode impulsionar a atividade econômica no curto prazo. Também pode ser essencial para consolidar a coalizão política que apoiou a eleição de Lula e conter a oposição. No entanto, os limites representados pelo ciclo de Goodwin podem ocorrer mais rapidamente no período atual.

O principal desafio para o governo é a expansão da acumulação de capital no médio e longo prazo. Depois de 1980, a acumulação de capital e o crescimento do PIB caíram fortemente com a queda da taxa de lucro e a adoção do neoliberalismo. Há referências nos documentos do novo governo sobre o estímulo a acumulação de capital, como a reindustrialização e o aumento do investimento em infraestrutura. A acumulação de capital capaz de propiciar um crescimento de quatro por cento do PIB requer o abandono do neoliberalismo e a adoção de uma estratégia de desenvolvimento nacional com um novo conjunto de instituições. Os países atrasados sem projeto de desenvolvimento não foram capazes de se aproximarem dos líderes.

Os principais resultados do estudo podem ser resumidos da seguinte forma: (1) O sucesso econômico depende dos maiores ou menores graus de liberdade no âmbito político e mesmo econômico; (2) O reestabelecimento em bases renovadas das instituições desenvolvimentistas é parte da solução para o novo governo; (3) Há necessidade de redesenhar e estimular as empresas estatais para impulsionar a acumulação de capital e o crescimento do produto; (4) É necessária a convergência entre as políticas industriais e macroeconômicas; (5) Somente um afastamento do neoliberalismo pode estimular o crescimento econômico e a transformação estrutural da economia nacional.

Estes são elementos que os formuladores de políticas devem considerar. A trajetória da taxa de lucro é contraditória e apresenta oportunidades e dilemas para o novo governo. Há a possibilidade de explorar as oportunidades e contornar os dilemas de classe envolvidos na promoção do crescimento econômico. O desenho adequado das políticas a serem propostas é fundamental para o sucesso do novo governo.

Entretanto, mesmo que haja sucesso de curto prazo em estimular o crescimento, o governo enfrentará dificuldade em promover mudanças de natureza mais profunda devido às restrições políticas. A burguesia brasileira não mostra sinais de um afastamento aos princípios centrais do neoliberalismo, mesmo em um contexto internacional de revisão deste arcabouço conceitual. O período de tolerância com o novo governo deve ser breve. As perspectivas econômicas e políticas permanecem altamente desafiadoras, mesmo para uma pessoa com as qualificações e a experiência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

*Adalmir Antonio Marquetti é professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

*Alessandro Donadio Miebach é professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

*Henrique Morrone é professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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