Por JOSÉ MACHADO MOITA NETO*
Parece que a cada geração os pais enfrentam o dilema de Maquiavel entre escolher ser amado ou temido
Para esta data comercial, até o sistema capitalista gostaria de retirar as marcas do patriarcado pois as vendas dos dias do Pais estão longe de empatar com o do dia das Mães. Qualquer tentativa de análise do fenômeno comercial, por qualquer ângulo que se deseje ou imagine, por qualquer das ciências ou técnicas disponíveis chegaremos em causas que direta ou indiretamente apontam para o patriarcado e as marcas por ele deixados em nossa cultura.
Nem todo mundo pode reconstruir uma genealogia paterna e isto é uma marca do machismo consentido pelo patriarcado. No atestado de óbito de Trajano de Alcântara Moita encontrei o nome de seu pai: Manoel Coelho Moita. Entre os nomes de seus filhos está o do meu avô, o mais velho da primeira núpcias, com 52 anos na época. A filha mais nova da segunda núpcias, neste registro de óbito, tinha apenas 10 anos quando Trajano faleceu. Portanto, meu bisavó Trajano teve carreira de pai bastante longa para os padrões da época constando 20 filhos neste atestado de óbito.
Trajano quis ser um pai diferente de Manoel, José quis ser um pai diferente de Trajano, Edson quis ser um pai diferente de José, José Neto quis ser um pai diferente de Edson. Todos conseguiram e, ao mesmo tempo, fracassaram nesse projeto. É muito difícil identificar e lutar contra as novas formas do patriarcado para saber exatamente onde e como ele se entranhou em nossa alma, em nossa vida. Talvez esta seja a essência dos versos de uma Canção de Belchior (Como Nossos Pais):
Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito
Tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais
Parece que a cada geração os pais enfrentam o dilema de Maquiavel entre escolher ser amado ou temido. É uma sina do patriarcado que precisa ser rompida. As mães querem ser amadas e os pais hoje se distribuem entre os que querem ser amados, temidos ou apenas estarem ausentes. Na média, talvez, a cada nova geração também os pais são menos temidos e um pouco mais amados. No fim do patriarcado, as datas do dia dos pais e do dia das mães terão o mesmo peso comercial, mas talvez ambas terão menos importância que o dia do Pet ou qualquer coisa que venha superar comercialmente estas datas.
Quando bate a nostalgia por um pai que já partiu, a música Naquela mesa, composta por Sérgio Bittencourt em homenagem póstuma para Jacob do Bandolim (seu pai), parece expressar como a memória é mais lúcida e sábia que a de história. Cada filho, rememora como um momento marcante, em casa, durante a refeição a presença paterna, sem bandolin ou histórias contadas, mas com uma saudade do que pode ter acontecido, mesmo por um dia, durante a convivência.
Cada história de pai é muito particular, vivenciado de modo diferente por cada filho. Como professor, acostumado a avaliar, posso atribuir notas a paternidade por fases da vida: papai esteve na nota sete durante muito tempo, enquanto dele dependi financeiramente. Após esse tempo, sua nota foi elevada para oito. Quando me tornei pai, elevei a sua nota. Porém a nota máxima ele atingiu a após a morte. A saudade, o vazio, a orfandade de um adulto traz até a memória virtudes antes não computadas.
Sobre mim tenho toda a pesada herança do patriarcado, de um modo único de ser, de ter e de poder que me distingue de uma afetuosa mãe. Quero mudar e quando o faço, mais coisas se exigem desse novo homem (pai ou não) para abrigar no coração todas as identidades do mundo que diferem do pesado fardo do patriarcado. Apesar dos fracassos pessoais como pai, já me foi anunciado o presente desse dia especial. Creio que obtive, até o momento, uma nota baixa como pai, porém aprovativa. Não tenho esperança de chegar a nota 10, nem após a morte, mas me basta a tranquilidade de hoje me sentir mais amado do que temido.
*José Machado Moita Neto é professor aposentado da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e pesquisador da UFDPar.
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