Geopolítica ambiental

Imagem: Kelly
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JOSÉ MACHADO MOITA NETO*

O discurso ambiental circulante no Brasil é dominado pelos interesses geopolíticos internacionais

Entre as áreas de atuação do Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil (https://www.gov.br/mre/pt-br) existe uma descrita como Desenvolvimento sustentável e meio ambiente que remete para atuação em três frentes: (i) Desenvolvimento sustentável; (ii) Meio ambiente e mudança do clima; e (iii) Mar, Antártica e Espaço. Portanto, nesse primeiro olhar, o Brasil tem uma geopolítica ambiental.

No site do Ministério das Relações Exteriores, ao fazer uma busca utilizando a palavra geopolítica, encontrei uma entrevista como o ex-ministro Ernesto Araújo.[i] que, para os meus propósitos, só é aproveitável o início de uma frase: “Quem controla o discurso hoje, o discurso público, tem um poder tremendo (…)”. É um simplismo que gostaria de inverter para melhor expressar a geopolítica: quem tem um poder tremendo, controla o discurso público. Esse poder se expressa, minimamente, como a conjunção de poder militar, político e econômico. Há inúmeras situações em que as questões geopolíticas de ação ou reação do governo brasileiro se misturam com a nossa política interna.

Essa expressão recente (geopolítica), que nasce da projeção do poder de um Estado sobre o espaço de outros Estados, pode até ser lida ingenuamente com a junção de duas disciplinas, geografia e política. Contudo, há uma multiplicidade de formas de projeção do poder (militar, econômico, tecnológico, por exemplo) e uma multiplicidade de espaços de ocupação (território, ciberespaço, cultura, por exemplo) que afetam todas as relações entre as nações. Nenhum Estado é imune a essa projeção de poder em seu espaço e nem deixa de fazer o mesmo no espaço de outros Estados. O que muda basicamente entre Estados é a intensidade de sua ação na projeção desse poder e o grau de reação a penetração de seu espaço por outros Estados. Nesse sentido geopolítico, nos acostumamos com o status de nação ocupada por diversas potências, principalmente, EUA, China e Alemanha. Esses estados projetam sobre o espaço brasileiro sua influência militar, econômica e tecnológica.

Há diversos indícios dessa ocupação no discurso público que circula no Brasil, cuja origem direta ou indireta está nesses países com interesses geopolíticos no Brasil. Dentro de uma visão de soberania interpenetrante, cujas fronteiras de um Estado não são apenas as fronteiras territoriais, mas todo espaço efetivo por ele ocupado, não haveria problema se o Brasil também projetasse o seu poder (ação) ou contivesse o poder dos outros estados (reação). De fato, em nenhum país do G7 ou do BRICS é sentido qualquer discurso que promova os interesses geopolíticos brasileiros. A ilusão de uma política externa de conciliação ou neutralidade apenas esconde a inércia em nossa ação geopolítica ou a capitulação na reação aos interesses geopolíticos de outras nações. A denúncia do WikiLeaks de que os EUA grampearam o telefone da ex-presidente Dilma Rousseff, na época do governo de Barack Obama, é apenas uma pequena amostra da interferência no Brasil por outras nações. Os grandes players da geopolítica batem e apanham nessa busca por hegemonia. Já o Brasil, só apanha ou se automutila.

O discurso ambiental circulante no Brasil é dominado pelos interesses geopolíticos internacionais. As questões ambientais globais são promovidas em detrimento das questões ambientais locais ou regionais. O aquecimento global e a sua consequência para as mudanças climáticas é mais discutido do que o saneamento básico e a poluição dos nossos rios. As decisões sobre a matriz energética, a mineração e o agronegócio brasileiros são chanceladas pela geopolítica internacional com o aval das nossas elites.

A geopolítica americana já interferiu na América Latina sobre as facetas de defesa da democracia, combate às drogas, defesa de direitos humanos, por exemplo. Foram todos discursos que esconderam, no primeiro momento, os interesses geopolíticos dos seus promotores. É necessário construir a nossa capacidade de ter um discurso próprio sobre as questões ambientais que atenda aos interesses do Brasil, inclusive, sobre a parcela da população esquecida pelas elites políticas e econômicas. A injustiça ambiental sempre os atinge.

*José Machado Moita Neto é professor aposentado da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e pesquisador da UFDPar.

Nota


[i] https://www.gov.br/mre/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/discursos-artigos-e-entrevistas/ministro-das-relacoes-exteriores/discursos-mre/intervencao-do-ministro-ernesto-araujo-no-painel-redefinindo-a-geopolitica-do-forum-economico-mundial-de-davos-29-01-2021


O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • O avesso de Marxcultura los soles 14/09/2024 Por TIAGO MEDEIROS ARAÚJO: Comentário sobre o livro recém-lançado de José Crisóstomo de Souza
  • Marx e a financeirização – o exuberante capital fictíciodolar olho 48 18/09/2024 Por RENILDO SOUZA: O papel crucial da ciência e da tecnologia na economia capitalista do século XXI favorece a valorização das mercadorias-conhecimento gerando as chamadas renda-conhecimento
  • A revolução silenciosaeb 18/09/2024 Por MARISA BITTAR: Considerações sobre os dados do censo demográfico e a educação brasileira.
  • O pedido de impeachment de Alexandre Moraesstf supremo brasília niemayer 15/09/2024 Por MARCELO AITH: Os processos de ruptura democrática se iniciam, invariavelmente, com o enfraquecimento do Poder Judiciário, como ocorreu na Hungria com o primeiro-ministro ditador Viktor Orbán
  • Alemanha, uma ameaça para a Europa?cofre 18/09/2024 Por FLÁVIO AGUIAR: A Alemanha entrou num processo acelerado de desindustrialização, arrastando consigo o continente todo
  • Brasil paraleloLUIS FELIPE MIGUEL 2024 16/09/2024 Por LUIS FELIPE MIGUEL: A Brasil Paralelo é a maior impulsionadora de conteúdo político nas plataformas sociodigitais do Brasil. Dinheiro não falta, no seu trabalho de doutrinação do público
  • A condenação perpétua de Silvio AlmeidaLUIZ EDUARDO SOARES II 08/09/2024 Por LUIZ EDUARDO SOARES: Em nome do respeito que o ex-ministro merece, em nome do respeito que merecem mulheres vítimas, eu me pergunto se não está na hora de virar a chave da judicialização, da policialização e da penalização
  • Contradição educacionallousa 4 15/09/2024 Por FERNANDO LIONEL QUIROGA: Os adjetivos do professor e a máquina de moer o passado
  • O que fazer com uma pessoa deprimidabeco amarelo 14/09/2024 Por HELENA TABATCHNIK: Sejam gentis com a pessoa deprimida. Não a cobrem como se ela fosse normal. E, mais importante de tudo, informem-se. Vocês podem estar fazendo muito mal a alguém que amam
  • O triste fim de Silvio Almeidasilvio almeida 08/09/2024 Por DANIEL AFONSO DA SILVA: O ocaso de Silvio Almeida é muito mais grave que parece. Ele ultrapassa em muito os eventuais deslizes deontológicos e morais de Silvio Almeida e se espraia por parcelas inteiras da sociedade brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES