Por MARKUS SOKOL*
Com foco no hemisfério ocidental, a estratégia substitui a prioridade à OTAN por controle de migração, recursos e combate a “narcoterrorismo”, prometendo recompensas a aliados, enquanto enfrenta oposição interna dos EUA e de governos latino-americanos
O presidente Donald Trump anunciou, no dia 4 de dezembro de 2025, a nova Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América, como faz cada presidente eleito. Donald Trump quer retomar a Doutrina Monroe de 1823, do então presidente Monroe – “a América para os americanos” –, uma doutrina da época do capitalismo ascendente nos EUA, que visava a hegemonia econômica e política sobre as antigas colonias das potências europeias.
Mas, dois séculos depois, não haverá a ressurreição de Lázaro. O que há é que querem se livrar, mais de trinta anos após a queda da URSS, do fardo do que resta da ordem mundial criada após 1945.
Os Estados Unidos precisam de terras raras chinesas, de petróleo e de minerais russos. A Estratégia anuncia que as relações comerciais são agora o critério declarado das relações internacionais.
Nessa perspectiva, a Estratégia de Donald Trump busca a estabilidade. Por isso quer um acordo rápido para encerrar a guerra na Ucrânia e compartilhar seus recursos e, por outro lado, evitar uma escalada de tensões descontrolada em torno de Taiwan, fortalecendo a presença militar americana na região.
Donald Trump diz que a OTAN não é mais uma prioridade, que não tem mais o propósito de se expandi-la, e que a Europa deve assumir o orçamento de sua própria segurança militar. No momento, quer dizer, especialmente em relação à Ucrânia. O documento também anuncia o apoio do governo estadunidense à extrema direita europeia.
Dmitry Pskov, o porta-voz do Kremlin, considerou a nova doutrina de Donald Trump “um passo positivo”.
No texto da nova Estratégia de Segurança divulgado pela Casa Branca, pela primeira vez, as Américas – o hemisfério ocidental – aparecem antes da Europa, Ásia ou África. Para o continente, a Estratégia anuncia um “corolário Trump” específico à “Doutrina Monroe”. Não é uma boa notícia – o “corolario” do presidente Theodore Roosevelte (1901) era a política do“big stick” (porrete).
A migração no centro
Deixemos os gringos falarem: “Os EUA devem ser preeminentes no Hemisfério Ocidental como condição para nossa segurança e prosperidade, razoavelmente estável e bem governado o suficiente para prevenir e desencorajar a migração em massa para os EUA; queremos um hemisfério cujos governos cooperem conosco contra narcoterroristas; que permaneça livre da apropriação de ativos-chave, e que apoie cadeias de suprimentos críticas; e queremos garantir nosso acesso contínuo a locais estratégicos importantes”.
“Buscaremos apoio dos aliados já estabelecidos no hemisfério para controlar a migração, deter o fluxo de drogas e fortalecer a estabilidade e a segurança em terra e no mar. Recompensaremos e incentivaremos os governos, partidos políticos e movimentos da região que estejam amplamente alinhados com nossos princípios e estratégia. Mas não devemos ignorar governos com perspectivas diferentes, com os quais, ainda assim, compartilhamos interesses, e que desejam trabalhar conosco”.
Tais são os interesses imperialistas: controle da migração; narcoterrorismo, real ou imaginário, mas necessário; minerais críticos e petróleo, isto é, a concorrência chinesa.
Embora o documento não mencione a China explicitamente ao discutir o hemisfério ocidental, o alvo nos “competidores não-hemisféricos” é claro. “A escolha que todos os países devem enfrentar é se querem viver em um mundo liderado pelos EUA, com países soberanos e economias livres, ou em um mundo paralelo no qual são influenciados por países do outro lado do mundo”.
A doutrina de Donald Trump dava impressão de desengajamento e volta ao isolacionismo do país no mundo, mas era só impressão. “Os EUA não podem permitir a qualquer nação tornar-se tão dominante a ponto de ameaçar seus interesses”.
América Latina não será “quintal dos EUA”
Estes são objetivos que os EUA já visavam, mas agora vem com mais força, e com a grosseria de Donald Trump que promete a “recompensa” a governos … e também a “partidos políticos e movimentos”!
A nova estratégia de Washington busca o lendário “quintal dos EUA” na América Latina, citado pelo secretário de Guerra, Pete Hegseth. Os EUA estacionaram gigantescas forças navais e aéreas junto à Venezuela e à Colômbia. No dia 8, o secretário da Guerra atacou e roubou um petroleiro guianense carregado na Venezuela, junto à costa. Pete Hegseth já era questionado no Congresso, até por Republicanos, sobre a legalidade dos ataques a barcos.
A geopolítica entra em contradição com as relações entre as classes em plena crise do imperialismo.
O brilho da administração de Donald Trump foi abalado nos EUA pelas manifestações “No Kings” e pela eleição de Zohran Mamdani, dos Socialistas Democráticos da América (DSA), para prefeito de Nova York – ele defendeu e defende os migrantes.
As barbaridades persecutórias de tipo fascista do ICE (a polícia migratória) contra migrantes, provocam repulsa crescente nos grandes centros. As políticas de Donald Trump estão sendo questionadas. A sua popularidade está caindo para abaixo de 40%.
E não é só isso, pois o “establishment” democrata, que lhe permitiu implementar suas políticas desde o início do segundo mandato, em janeiro, também foi abalado pela eleição de Zohran Mamdani, agora em novembro.
Os povos rechaçam a ofensiva de Donald Trump e vários governos, em vários graus, não aceitam as exigências de Trump, Petro na Colombia, Lula no Brasil e Claudia no México.
O PT, em particular, deve captar a mensagem da Estratégia sobre a “recompensa aos partidos e movimentos” em vista das eleições presidenciais de outubro. Se Donald Trump mudou de ideia sobre a exigência de libertação do ex-presidente Jair Bolsonaro, feita em julho, a Estratégia de Segurança deixa claro que nada garante, ao contrário, que ele não retome uma ingerência explícita. Afinal, estamos tratando dos “direitos naturais dados por Deus aos cidadãos americanos”.
Jornada continental de luta de 8 a 14 de março
Um passo prático, desde já, é confrontar as deportações em massa de Donald Trump. Em setembro, no México, uma conferência continental convocou uma Jornada Continental pelo Direito à Migração e pela Soberania Nacional, para março próximo. Ela traz uma resposta do norte ao sul do continente à esta nova doutrina de Donald Trump.
Esta luta interessa aos dois milhões de compatriotas nos EUA e a outros milhões de familiares aqui no Brasil.
Interessa, por fim, a todos os trabalhadores no continente que precisam construir elos de solidariedade internacional contra o capital financiero e a reação, no rumo da sua emancipação.
*Markus Sokol foi membro da Comissão Executiva do PT. É membro do Comitê Nacional do Diálogo e Ação Petista.
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