Por SAMUEL KILSZTAJN*
O Estado Judeu, em total desacordo com todos os princípios judaicos da diáspora, além de massacrar o povo nativo da Palestina, exporta armas e treina carrascos para controlar e reprimir povos insurgentes em outros países
A “Solução final para a questão palestina” proposta por Donald Trump reflete, no limite, a essência do pensamento de todo e qualquer sionista, mesmo daqueles que se declaram de esquerda. Os sionistas costumam contrapor judeus a árabes, ignorando a nacionalidade palestina. Consideram que os judeus somam 20 milhões de adeptos e os árabes muçulmanos 500 milhões.
Argumentam que Israel é um minúsculo pedacinho de terra, ainda mais comparado com a vasta extensão dos territórios habitados pelos árabes – eles têm tanta terra, não é suficiente, já não basta?! O que custaria aos árabes nativos que vivem por séculos entre o Jordão e o Mediterrâneo, no pré-Estado de Israel, se mudarem definitivamente para a Jordânia, Líbano ou Síria? O que custaria à Jordânia, Líbano, Síria, Egito, Iraque, Arábia Saudita e demais países árabes do Oriente Médio e da África do Norte absorver seus primos que vivem entre o rio e o mar? Desde 1948, sete milhões já deixaram a região; restam ainda tão somente três milhões na Cisjordânia, dois milhões na Faixa de Gaza e dois milhões em Israel para serem alojados entre os demais 493 milhões de árabes.
Os países europeus somam 750 milhões de habitantes. Poderíamos pensar em evacuar a minúscula Holanda e alojar os 18 milhões de holandeses nos demais países europeus, digamos nas terras dos alemães, franceses e de outros primos europeus? Aliás, a maior parte dos países europeus já é estado-membro da União Europeia, o que facilitaria em muito a absorção dos holandeses.
Os sionistas advogam que toda essa invenção de países árabes no Levante data do desmanche do Império Otomano, que desmoronou durante a Primeira Guerra Mundial. Até então, a região estava administrativamente dividida em Vilayets, governadas por um Vali, subdivididas em Sanjaks (Livas), Kazas, Nahiyes e, por fim, aldeias. Nunca existiu um povo palestino, nem jordaniano, libanês e sírio, tudo isso foi um mero expediente utilizado pelos ingleses e franceses para se apoderar do espólio do Império Otomano, o Levante, que dividiram com régua e esquadro. Contudo, a divisão arbitrária da região em países não confere aos sionistas o direito de evacuar a população nativa que vive há séculos entre o rio e o mar e se apossar de suas terras.
Os sionistas acham que podem simplesmente enxotar os palestinos e diluí-los em meio aos demais países árabes que compunham o Império Otomano – os costumes já são os mesmos, a começar pelo café turco, sírio, palestino, árabe etc. servido com o pó, sem coar (assim como o otomano café grego e armênio), a culinária, os doces, vestuário, tapeçaria etc., além da língua árabe.
Theodor Herzl, o fundador do moderno sionismo político, em O Estado judeu, considerou que, para a Europa, os judeus na Palestina constituiriam uma fortaleza contra a Ásia, um posto avançado da civilização contra a barbárie. Quando o Império Otomano desmoronou, os judeus representavam apenas 8% da população local e, até a ascensão dos nazistas ao poder na Alemanha em 1933, o sionismo era muito pouco expressivo. Os nazistas repudiavam o judeu por ser passivo, fraco, não ter honra, não lutar. O slogan nazista era Juden raus! Auf nach Palastina! (Judeus fora! Fora para a Palestina!).
Depois do Holocausto, os sionistas foram sim para a Palestina, expulsaram os nativos de suas casas, aldeias e cidades, arrancaram o povo da terra junto com as centenárias oliveiras e provaram que eram capazes de lutar e matar. Para a Europa e para os Estados Unidos, a questão básica era livrar-se dos judeus sobreviventes. A narrativa ideológica para a ocupação das terras dos palestinos era que o Estado Judeu deveria ser criado para estancar o antissemitismo milenar disseminado nas sociedades cristãs, mas, como resultado, desencadeou o antissionismo entre os muçulmanos, que até então conviviam em relativa harmonia com os judeus.
Quem diria que o Estado Judeu, em total desacordo com todos os princípios judaicos da diáspora, além de massacrar o povo nativo da Palestina, iria exportar armas e treinar carrascos para controlar e reprimir povos insurgentes em outros países? Primo Levi se deu conta do erro histórico em 1985, mas a maior parte dos judeus resiste até hoje em acordar do sonho sionista que se seguiu ao pesadelo nazista.
Em 1948, o céu desabou sobre a Palestina, oito a cada dez palestinos foram banidos de sua terra natal para a constituição do Estado de Israel. A violência dos sionistas, associada à sua hipocrisia e ao silêncio do mundo frente às injustiças perpetradas contra os palestinos semeou a revolta deste povo pacífico. E terroristas são as vítimas saqueadas, violentadas e desalojadas de suas terras? Significativos contingentes populacionais foram despejados em campos de refugiados nas fronteiras com os países vizinhos. Muitos imigraram para os demais países árabes, para o ocidente e para regiões remotas do globo, a exemplo do Brasil, retratado em A Palestina brasileira de Omar L. de Barros Filho.
Não satisfeitos, em 1967, os sionistas ainda avançaram sobre a Faixa de Gaza, Golan, Cisjordânia e Jerusalém oriental, construíram assentamentos israelenses e cercearam a liberdade da população palestina que vivia nestes territórios. Em 1982 avançaram sobre o Líbano e os campos de refugiados, como se não bastasse terem sido eles mesmos os responsáveis pela miséria que se abateu sobre essa população deslocada de seus lares e de suas terras.
A “Solução final para a questão palestina” de Donald Trump vai resolver todos os problemas – acabar com os provisórios acampamentos de refugiados administrados pelas Nações Unidas, em funcionamento há quase 80 anos; acabar com os ancestrais povoados da Cisjordânia, que estão ilhados por assentamentos e estradas israelenses; acabar com a prisão a céu aberto de Gaza, que foi reduzida a escombros; e, de quebra, livrar os palestinos que vivem em Israel de serem tratados como cidadãos de segunda categoria.
Todos os árabes que vivem do Jordão ao Mediterrâneo vão enfim ganhar o merecido descanso e a merecida liberdade junto a seus iguais. Ah, sim, por último, o sonho sionista de um Estado Judeu do rio ao mar também poderá ser transformado em realidade (e os vergonhosos quilométricos muros de concreto que atingem até oito metros de altura poderão ser prontamente removidos).
Toda essa mirabolante “Solução final para a questão palestina” constitui mais um atestado para a agonizante derrocada da civilização ocidental. Poderíamos também pensar em uma solução alternativa. Donald Trump poderia absorver, entre os 340 milhões de habitantes que vivem nos Estados Unidos, os 7 milhões de israelenses que hoje vivem na Palestina.
O Instituto do Filme Palestino – PFI acredita que a cultura constitui uma frente crucial de resistência contra o fascismo e para a preservação da dignidade e libertação de um povo. O documentário Sem chão ganhar o Oscar 2025, certamente, é uma vitória política. Assistir a esses filmes pode lhe causar mal-estar, mas será apenas uma sombra do mal-estar que os palestinos, desgraçadamente, estão fadados a enfrentar em seu dia a dia ao vivo, apenas uma tênue imagem de seu infortúnio.
Salaam Aleikum, Palestina, que a paz esteja convosco!
Vida longa e próspera ao povo palestino!
* Samuel Kilsztajn é professor titular em economia política da PUC-SP. Autor, entre outros livros, de Jaffa.
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