Economia de Francisco

Imagem: Elyeser Szturm
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Por Eduardo Maretti*

Reunião por videoconferência entre acadêmicos de vários países com o prêmio Nobel Joseph Stiglitz debateu, no dia 12 de dezembro, ideias para a introdução de mudanças no currículo de Economia nas universidades em todo o mundo.

No Brasil, a reunião foi sediada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Stiglitz e outros economistas devem elaborar, a pedido do Papa Francisco, uma minuta de proposta para essas mudanças, uma das principais pautas do Congresso de Economia de Francisco, inciativa do Papa, a ser realizado na cidade de Assis (Itália), de 26 a 28 de março de 2020.

Por carta, o Papa convidou economistas e empreendedores de todo o mundo para participar do evento em Assis (cidade escolhida por ser o berço de Francisco de Assis), para “conhecer quem hoje está se formando e começando a estudar e praticar uma economia diferente, que dá vida e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a destrói”.

Em vídeo, o papa fez a defesa da ideia: “A economia não pode pretender só aumentar a rentabilidade, reduzindo o mercado de trabalho e criando novos excluídos”. Recentemente, o pontífice criticou as “limitações políticas ou sociais ou ecológicas” em vigor no Brasil, em mensagem ao povo brasileiro no dia de Nossa Senhora Aparecida (12 de outubro), padroeira do país.

Além de Stiglitz, participarão do encontro em março, entre outros, personalidades como Amartya Sen (Nobel de Economia em 1998), Muhammad Yunus (Nobel da Paz em 2006), a ativista Vandana Shiva, os economistas Jeffrey Sachs e Ladislau Dowbor.

As reuniões como a realizada no dia 12 – que contou com participantes de 14 países, dos cinco continentes, e 30 universidades – são parte do programa Pontifício Scholas Occurrentes, organização de Direito Pontifício criada em Buenos Aires, em 2001, por iniciativa do então arcebispo Jorge Bergoglio, hoje Papa Francisco. A instituição reúne estudantes de todo o mundo. A Articulação Brasileira para a Economia de Francisco (ABEF) participa do programa.

Segundo Ladislau Dowbor, professor Economia da PUC-SP, a ideia é que “a economia deve servir à sociedade, e não o contrário”. “A gente está aproveitando a iniciativa do papa para repercutir no Brasil. Estamos enfrentando uma aberração em termos de política econômica e de conceito da política em geral”, disse, na abertura da videoconferência. Ele propôs a formação de núcleos nas universidades brasileiras, nos sindicatos, em movimentos como o MST, “para a discussão de como repensar a organização econômica de maneira geral”.

Stiglitz defende que o currículo de Economia nas universidades tem que ser reformado em todos os aspectos. Na videoconferência, ele abordou o tema a partir de três ideias centrais. A primeira é que “o homem tem que viver em harmonia com a natureza”. Segundo o Nobel de Economia de 2001, é preciso entender por que não estamos vivendo em harmonia com o meio ambiente. “E como podemos reformar a economia para assegurar que façamos isso? Estamos tratando recursos escassos, como a água, como se não fossem escassos. A economia tem que tratar disso como se fossem bens escassos”, disse.

O segundo ponto é o que ele denomina de “economia circular”. “Os recursos naturais têm que ser reutilizados. A economia tem que focar em reciclar e renovar. Uma economia em que a gente esteja em harmonia com a natureza. Temos que inovar, investir, ter investimentos públicos e privados e regulamentações”, Para Stiglitz, ideias como essa precisam fazer parte do currículo padrão nos cursos de Economia.

“Não podemos separar justiça ambiental de justiça social”, afirmou. Ele ilustrou sua preocupação com o fato de que já há, hoje, “imigrantes climáticos” – impulsionados pelos desequilíbrios ambientais provocados pela ação humana – oriundos de regiões pobres como a África e partes da Índia. Por isso, é preciso disseminar o conhecimento pensando nas gerações futuras.

O terceiro ponto é que, “para alcançar esses objetivos, tem que haver ações, temos que focar em como trabalhamos coletivamente para promover melhorias”. Grandes empresas e corporações têm que mudar, entendendo os enormes prejuízos sociais e ambientais causados pelos modelos cujo único interesse é “maximizar os interesses do acionista”. As companhias precisam generalizadamente mudar paradigmas, como algumas já fazem.

Stiglitz deu dois exemplos: as companhias que não se importam ou importavam com a produção de alimentos para crianças que provocam diabetes infantil e os laboratórios que fabricam medicamentos que causavam a morte de pessoas. “Somente pensavam nos lucros e tinham ações horríveis sem pensar nas consequências morais. Finalmente, disseram: ‘estamos indo no caminho errado’. As empresas têm que pensar nas consequências. Agora percebemos que essa conduta egoísta não está funcionando para a sociedade. Essas preocupações econômicas têm que ser trazidas para a Economia”, destacou.

Stiglitz comentou sobre o ministro da Economia da Argentina, Martín Guzmán, de 37 anos, nomeado pelo novo presidente do país, Alberto Fernández. Guzmán foi aluno e colaborador de Stiglitz. “Estou entusiasmado com Martín e com a Argentina”. Segundo o economista norte-americano, o novo ministro foi um dos melhores alunos que já teve.

Ética e cooperação

Por tudo isso, no currículo, é preciso aliar a Economia à ética, defende Stiglitz. “Precisamos enfatizar essas questões éticas. Como se muda o currículo para uma perspectiva mais ampla do que o interesse dos acionistas? Isso para mim é essencial. É uma educação essencial para os líderes de negócios do futuro. Os negócios estão destruindo o meio ambiente. Assim, o mundo não irá sobreviver”.

É preciso também ensinar aos estudantes a necessidade ética da cooperação. Eles precisam entender a gravidade da produção de produtos nocivos à saúde, caso no futuro trabalhem no setor alimentício, para que não ajudem conscientemente a provocar diabetes infantil, por exemplo. “É preciso que sintam culpa. Temos que ser responsáveis individualmente por nossas ações”.

Do ponto de vista das regiões do planeta, as diferenças regionais precisam ser consideradas, no que diz respeito ao combate à mudança climática, acredita o economista. “Para mim, parece que a resposta para mudança climática não pode trazer empecilhos para os países em desenvolvimento se desenvolverem. Tem que haver ajuda do Norte para o Sul. O Norte tem obrigação moral em relação ao Sul, tem responsabilidade, e deveria reduzir suas emissões”.

“O crescimento tem que ser diferente do passado, baseado em energia fóssil. Agora temos condição de produzir energia renovável. Se esse objetivo for alcançado em 2050, teremos possibilidade de crescer de maneira sustentável. Para isso, tem que haver mudanças de muitas coisas. Temos que ter padrões de consumo menos intensivos energeticamente, em termos de carbono”. Segundo Stiglitz, serão necessárias também mudanças na organização das cidades e no processo de produção.

*Eduardo Maretti é repórter da Rede Brasil Atual.

Publicado originalmente na Rede Brasil Atual.

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