Educação que dá certo

image_pdf

Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO*

Nordeste tem o melhor desempenho em ensino público básico

1.

Assun pontificou o grande Luiz Gonzaga, é verdade e dou fé. O Ceará é o estado do Brasil com melhor desempenho em ensino público básico. Dentre todos os estados brasileiros, é aquele que detém o primeiro lugar no número de alunos diplomados do ensino médio que vão fazer o Enem. A proporção, altíssima, é da ordem de 89.9 % e foi medida no final do ano passado.

Expandindo o âmbito da indagação para lá das fronteiras do estado até a região: o Nordeste tem as únicas escolas do país com nota 10 no Ideb nos anos iniciais (do 1º. ao 5º.ano).

Indo da região até os limites do país: o Brasil teve 21 escolas públicas com nota 10 nos anos iniciais em 2023, segundo dados do Ideb, divulgados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Todas as escolas estão na região Nordeste, com destaque para o Ceará, que chegou a 15 unidades com nota 10. Alagoas vem em seguida e Pernambuco logo depois.

Antes que o leitor fique perdido no emaranhado das siglas, uma palavra sobre o Ideb e o Ioeb, objetos de tanta discussão: o Ideb é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, enquanto o Ioeb é o Índice de Oportunidades da Educação Brasileira. Em suma, grosso modo podemos equacionar o Ideb com o diagnóstico, enquanto o Ioeb mede a melhoria. E aqui vamos contar com a ajuda de Teresa Perez, diretora da Ong Roda Educativa e perita nesses índices.

Mais recente, concebido para reajustar o outro e atualmente na quinta edição, o Ioeb leva em conta dois tipos de indicadores.

O primeiro, de desempenho, é uma versão “corrigida” do Ideb. Tradicionalmente, o Ideb leva em conta (i) a taxa de aprovação e (ii) a nota de cada estudante em uma avaliação externa e independente, a Prova Brasil. A versão utilizada no Ioeb é estatisticamente ajustada para reduzir os efeitos da condição socioeconômica dos alunos nas notas.

O segundo, de melhoria, envolve:  quantidade de docentes com nível superior, duração da jornada escolar, proporção de diretores que ficam vários anos na mesma escola, percentual de crianças de 4 a 6 anos matriculadas na educação infantil.

“O índice Ioeb tenta dar conta não apenas dos resultados em educação e não somente para um pequeno grupo, mas das oportunidades disponíveis para todas as crianças e jovens de um território”, explica Tereza Perez.

Uma boa panorâmica da questão é dada nos quatro episódios de um documentário, cujo título já encaminha o debate: Educação que dá certo. O documentário trata de perquirir as razões da existência, nas regiões mais pobres e atrasadas do país, de polos de excelência em escolas públicas. E isso entra ano sai ano.

Um dos lugares escolhidos é a capital do Piauí, Teresina. Nela se instala um paradoxo. De um lado, é a capital brasileira com menor PIB per capita. De outro lado, sempre quando comparada às demais capitais, sobressai como a que tem a melhor rede pública. Dentre todas as capitais do país, saiu-se com o melhor Ideb.

Em Alagoas, no município de Coruripe, a busca de melhoria necessitou de imaginação para configurar uma solução original. O objetivo perseguido e alcançado nos últimos anos foi duplo: trazer o péssimo ensino rural para o nível do ensino urbano, ao mesmo tempo concentrando numa única escola regional os alunos esparsos pela área rural.

E o Ceará merece mais do que uma palavra, pois enche de assombro não só o Brasil como outros países, que ali vão buscar soluções. O Ceará é o campeão nacional de resultados, tanto na rede estadual quanto na municipal. Mas isso é consequência de mais de 20 anos de dedicação, pois a reforma iniciou-se em 2000/2001, e vem se aperfeiçoando desde então.

Um exemplo desse aperfeiçoamento constante é o Programa de Alfabetização na Idade Certa, de 2007, que fincou as bases da reforma que viria, com atenção aos seguintes pontos: (i) Lideranças políticas engajadas com a Educação. (ii) O estado é responsável não só pela rede estadual mas também pela rede municipal. (iii) É preciso comprometer todos os agentes da mudança, de alto a baixo. (iv) Foco na sala de aula. (v) Engajamento de toda a sociedade.

Como eixo principal, a meta da continuidade, pois os resultados demoram a aparecer, o que exige perseverança.

2.

O panorama do ensino público fundamental no Nordeste não poderia ser mais promissor do que o atual. Levando isso em conta, não é de admirar quando surgem certas notícias pontuais, que à primeira vista parecem excepcionais, mas que se tornam compreensíveis no quadro geral.

Assim, por exemplo, vemos os alunos de uma escola pública de Pernambuco criar uma fralda biodegradável. É o que ocorreu com os estudantes da Escola Técnica Paulo Freire, não desmerecendo o nome de seu patrono e herói epônimo.

Ou então a surpresa de saber que um terço dos alunos que passam no vestibular do ITA, o Instituto Técnico de Aeronáutica de São José dos Campos, por reputação uma das melhores escolas de engenharia do país, provêm do Ceará. A tal ponto que, dizem, o ITA está cogitando fundar uma filial naquele estado.

Do mesmo modo se compreende que no Enem do ano passado, na prova de redação, o estado que teve mais notas acima de 950/1000 tenha sido o Piauí. Segundo consta, o resultado deve muito a reformas recentes que aumentaram o número de horas que o estudante passa na escola e ao incremento da prática de leitura em sala de aula – entre outras boas medidas.

Ou então nos inteiramos de que quem tirou 1.000 na prova de redação do Enem em 2022 foi a aluna Letícia Marques, filha de mãe solo doméstica, moradora de uma pequena cidade no interior do Ceará.

Mas os dados gerais também são compatíveis com estas informações pontuais e realmente causam admiração. Assim é quando sabemos que as dez melhores escolas de ensino público fundamental no país todo são cearenses, em ranking medido pelo Inep. Não é só em Sobral, e já veremos por quê…

Conforme o outro índice utilizado, o Ioeb que mede oportunidades na educação, entre os 50 municípios que ficaram no topo do ranking, se 32 deles eram cearenses, no total 40 eram do Nordeste.

E chegamos ao município de Sobral, no Ceará, que em 2015 apresentou um “Índice de Desenvolvimento da Educação Básica” (Ideb) de 8,8. Com essa nota, Sobral bateu simultaneamente três recordes: o do Ceará, da Região Nordeste, e de todos os municípios brasileiros. A nota alcançada ultrapassa até mesmo a média proposta pelo Ministério da Educação para 2021 (6,1).

São dados a exigir respeito. Antes, em 2011, ao alcançar 7,3 pontos, a taxa de abandono escolar do 1° ao 5° ano – esse terror dos educadores – tornou-se coisa do passado. O desempenho das escolas municipais permaneceu acima da média do estado (4,9) e também da média nacional (5,0). Dentre as 47 escolas da rede municipal, 35 foram avaliadas via Ideb, sendo que 34 aparecem entre as 100 melhores da região Nordeste, e 9 delas estão entre as 100 melhores do país.

Mas não foi de agora. O movimento ascensional começou em 2001 e nunca mais esmoreceu. Nessa data, começaram as reformas, que aumentaram no número de horas na escola de 6 para 9, e outras medidas estratégicas, a maioria sob a batuta de Izolda Cela. Agora colhem-se os frutos e há vários anos o município sagra-se campeão em escolas públicas estaduais e municipais, apresentando os melhores resultados do Brasil.

Ora, dirão os desmancha-prazeres, estes dados encorajadores devem ser tomados com um grão de cautela. Se as estatísticas mostram pouco ou nenhum avanço das escolas públicas nas regiões mais desenvolvidas – Sul e Sudeste – é porque estas já partem de um patamar mais alto. O que é verdade, embora não invalide os demais argumentos em seu conjunto. É só conferir os resultados, quando medidos por agências externa e independentes, como o ITA, a Prova Brasil, a Rede Educativa, o Inep ou o Enem.

Viemos aproveitando neste texto informações do relatório oficial assinado por Sergio Kobayashi, de 2001 a 2004 secretário municipal da Educação de Caucaia, um dos municípios mais pobres do Ceará. Trata-se de um documento público, que pode ser acessado por qualquer pessoa. Afora a fina análise, traz numerosos gráficos e tabelas, todos utilíssimos.

*Walnice Nogueira Galvão é professora Emérita da FFLCH da USP. Autora, entre outros livros, de Lendo e relendo (Sesc\Ouro sobre Azul). [amzn.to/3ZboOZj]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES