Italo Calvino, espectador cinematográfico

Emily Jacir, Memorial às 418 aldeias palestinas que foram destruídas, despovoadas e ocupadas por Israel em 1948, 2001.
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Por MARIAROSARIA FABRIS*

Reflexões no centenário de nascimento do escritor italiano

No meio cultural brasileiro, Italo Calvino é lembrado antes como ensaísta, apesar da ampla divulgação de sua obra ficcional.[1] O escritor destacou-se ainda como jornalista e, no exercício dessa atividade, especialmente no segundo pós-guerra, o cinema serviu também para ilustrar alguns dos temas tratados (religião, psicologia do fascismo, sexo e sentimento amoroso) nas crônicas para a edição piemontesa de L’Unità.[2]

De 1953 em diante, colaborou com vários jornais e periódicos, dentre os quais Il Contemporaneo, Il Ponte, Il Giorno, Cahiers du Cinéma, Corriere della Sera, La Repubblica[3] e, principalmente, Cinema Nuovo,[4] do qual participou em enquetes, debates e como correspondente no Festival de Veneza, cujo júri presidiu em 1981, quando o Leão de Ouro atribuído a Die bleierne Zeit (Os anos de chumbo) levantou polêmicas em virtude do tema e da forma como foi abordado.

Italo Calvino teria preferido que o prêmio tivesse sido atribuído também ao filme de Nanni Moretti, Sogni d’oro (Bons sonhos), agraciado com o Leão de Prata pela melhor direção, para mostrar ao público que “o humor inteligente é outra via ‘séria’ (igualmente séria, digo eu) para chegar à verdade e à própria libertação”, como anotou Natalia Aspesi.

Apesar disso, também em nome dos outros jurados, saiu em defesa da obra de Margarethe von Trotta contra os que nela viram uma exaltação da luta armada: “Ninguém entre nós jamais pronunciou a palavra terrorismo, ninguém pensou em discutir seus conteúdos de modo forçado. Estivemos todos de acordo em vê-lo como um filme de sentimentos, que cavouca na consciência; em julgá-lo do ponto de vista humano e não formal ou político”.

“Na minha opinião, o filme contém elementos de recusa do terrorismo bem nítidos. Contém o crescimento exponencial do fanatismo e da crueldade que o terrorismo comporta na sociedade, em todos os níveis. Acredito que esses elementos sejam mais fortes do que outro também muito forte, que vai no sentido oposto: ou seja, a progressiva identificação da irmã não terrorista com a irmã terrorista, depois de sua morte. […] um drama de consciência só pode ser enfrentado com essa seriedade e esse respeito”.[5]

Na qualidade de editor, Italo Calvino tentou convencer, por carta, Cesare Zavattini a publicar seus roteiros pela Einaudi em 1952[6], mas este não aceitou, e enfrentou dificuldades para a realização do volume Sei film (Le amiche. Il grido. L’avventura. La notte. L’eclisse. Deserto rosso) (1964), proposto por Michelangelo Antonioni, em outubro de 1962.

Curiosamente, quase duas décadas depois, numa entrevista a Lietta Tornabuoni, o escritor afirmará detestar os roteiros publicados, que, para ele, “só seriam interessantes se oferecessem todas as várias fases pelas quais passa um roteiro, todas as sucessivas reescritas de uma cena ou de um diálogo, todos os cortes, as sobras, as renúncias, as palavras que não se transformaram em imagens, o que nunca foi rodado”.

Em que pesem essas incursões, Italo Calvino, no entanto, não teve com o cinema uma relação tão intensa como a estabelecida com a literatura, que, nem por isso, deixou de ser marcante, pois ele – cujo “aprendizado de espectador fora lento e contrastado” pela família durante a infância – se apaixonou pela sétima arte na adolescência (“entre 1936 e a guerra”, portanto entre “os treze e os dezoito anos”), indo ao cinema quase diariamente, quando não duas vezes por dia,[7] e começando a resenhar filmes para o Giornale di Genova, em meados de 1941, como San Giovanni decollato (1940), de Amleto Palermi, interpretado por Totò, de acordo com a “Cronologia”.

Como já assinalado, Italo Calvino dedicou vários escritos à arte cinematográfica – dentre os quais merecem destaque a “carta aberta” a Michelangelo Antonioni, quando do lançamento de Le amiche (As amigas, 1955); o prefácio de Quattro film (1974), de Federico Fellini; a polêmica com Alberto Moravia sobre Salò o le 120 giornate di Sodoma (Saló ou os 120 dias de Sodoma, 1975), de Pier Paolo Pasolini.

Publicada no Notiziario Einaudi (nov.-dez. 1955), sob o título “Le amiche”, na “carta aberta”, Calvino, também em nome de Giulio Einaudi e de outros amigos de Cesare Pavese, congratulava-se com Antonioni pela transposição cinematográfica do romance Tra donne sole (Mulheres sós, 1949).Elogiava o roteiro, elaborado pelo próprio diretor, por Suso Cecchi d’Amico e pela escritora Alba de Céspedes, por ter preservado certo “sabor pavesiano”.

Apreciava o “olhar sensível”, mas nada indulgente, que o diretor soube lançar sobre a média burguesia de Turim, de um jeito “despojado e acre, baseado na relação de paisagens sempre algo esquálidas e invernais com falas pausadas e quase casuais entre personagens, um estilo cinematográfico que remete à lição do understatement de tantos escritores modernos, dentre os quais Pavese”. Se fez ressalvas a algumas personagens femininas, como no caso de Clelia, a principal, reprovando até a interpretação da atriz que a encarnava, considerou a mais pavesiana de todas a personagem de Nene, praticamente criada pelo roteiro e pela representação de sua intérprete.

Antonioni foi um dos diretores mais apreciados por Calvino. Numa enquete realizada por Cinema Nuovo, no início de 1961, “Quattro domande sul cinema italiano”, relativa aos filmes Rocco e i suoi fratelli (Rocco e seus irmãos, 1960), L’avventura (A aventura, 1960) e La dolce vita (A doce vida, 1960), acabou preferindo a obra de Antonioni à de Fellini e à de Luchino Visconti, enquanto método, rechaçando a etiqueta de “vanguarda decadente” – conforme lembrou Guido Fink –, que o crítico de cinema Guido Aristarco lhe atribuiu (em nome das teorias de György Lukács), por ser um romance da solidão existencialista: “É um filme pessimista, que não procura dourar a pílula, que não quer moralizar, reformar os hábitos da burguesia como os católicos de esquerda e os radicais. Vocês estão num lamaçal e fiquem nele: esta é a única postura moral séria. Por que decadente? É um filme de grande severidade, com uma moral sempre vigilante, porque baseada na realidade humana, porque não gratuita, não literária”.

Significativamente intitulado “Autobiografia di uno spettatore” (“Autobiografia de um espectador”), o prefácio ao volume que reunia quatro roteiros de Fellini – I vitelloni (Os boas-vidas, 1953), La dolce vita, 81/2 (Oito e meio, 1963) e Giulietta degli spiriti (Julieta dos espíritos, 1965) – posteriormente, passou a integrar La strada di San Giovanni (O caminho de San Giovanni, 1990). Este prefácio, junto com a entrevista que deu a Lietta Tornabuoni para o diário La Stampa, de Turim (23 ago. 1981), constitui a maior fonte dos comentários de Italo Calvino sobre cinema.

Estimulado pelo próprio Fellini a escrever sua autobiografia de espectador, o escritor dedicou apenas um quarto do texto à sua obra fílmica. Segundo Italo Calvino, o cineasta teria se dedicado a elaborar ininterruptamente a história de sua vida, desde I vitelloni, “só que nele a biografia também se tornou cinema, é o exterior a invadir a tela, a escuridão da sala a despejar-se no cone de luz. […] a biografia do herói felliniano – que o cineasta retoma desde o início a cada vez – é mais exemplar do que a minha porque o jovem abandona a província, vai a Roma e passa para o outro lado da tela, faz cinema, torna-se cinema ele próprio. O filme de Fellini é cinema pelo avesso, máquina de projeção que engole a plateia e máquina de filmar que vira as costas para o set, mas os dois polos são ainda interdependentes, a província adquire um sentido ao ser recordada de Roma, Roma adquire um sentido ao termos chegado da província, entre as monstruosidades humanas de uma e de outra se estabelece uma mitologia comum, que gira em torno de gigantescas divindades femininas como a Anita Ekberg de A doce vida. E trazer à luz e classificar essa mitologia convulsa é a aposta do trabalho de Fellini, tendo ao centro a autoanálise de Oito e meio como uma espiral apinhadade arquétipos. […] é preciso lembrar que na biografia de Fellini a inversão dos papéis de espectador a diretor foi precedida pela inversão de leitor de revistas semanais humorísticas a cartunista e colaborador daquelas mesmas revistas. A continuidade entre o Fellini cartunista-humorista e o Fellini cineasta é dada pela personagem de Giulietta Masina […]. E não por acaso, o filme-análise do mundo de Masina, Julieta dos espíritos, tem por referência figurativa e cromática declarada as charges coloridas do Corriere dei Piccoli: é o mundo gráfico do papel impresso de larga difusão a reivindicar sua especial autoridade visual e seu estreito parentesco com o cinema desde as origens”.

Em 1975, o Corriere della Sera publicou os artigos “Sade è dentro di noi (Pasolini, Salò)” (30 nov.), “Sade per Pasolini, un sasso contro la società” (6 dez.) e “Perché ho parlato di ‘corruzione’” (10 dez.), que, depois, passou a intitular-se “Su Pasolini: una risposta a Moravia”. No primeiro texto, além de perguntar-se se o diretor teria conseguido, de fato, fazer o espectador penetrar no universo sadiano, Italo Calvino levava sua análise para o lado pessoal da vida de Pasolini, vendo no filme seu sofrimento por não ter conseguido escapar das malhas da corrupção que o dinheiro engendra, ao contaminar tudo ao seu redor. A proposta de Salò teria resultado pouco clara, porque seu autor não teria tido a coragem de enfrentar o “tema fundamental de seu drama: o papel que o dinheiro havia passado a ter em sua vida desde quando tinha se tornado um cineasta de sucesso”.

O escritor romano se indispôs com o artigo, pois, ao interpretar mal as palavras do autor lígure, pensou que este havia chamado Pasolini de corrupto, quando não tinha sido essa sua intenção. Ademais, não gostou nem um pouco da expressão “cineasta de sucesso”, ao que Italo Calvino respondeu com sua tréplica: “Ao dizer que havia se tornado um ‘cineasta de sucesso’, não estou dizendo, como Moravia quer me levar a dizer, que o era ‘interiormente’, isto é, que fazia os filmes pensando nos lucros, mas o era ‘para os outros’, com tudo o que está implicado no fato de ter-se tornado um personagem dos ‘meios de comunicação de massa’ para alguém que continua a pensar, a reagir, a provocar segundo sua exclusiva vocação de intelectual”.

Vale lembrar que Italo Calvino nunca escondeu que não gostava das obras cinematográficas de Pasolini; expressou sua falta de apreço ao assistir a Accattone (Desajuste social, 1961), em Turim, e em cartas a Guido Aristarco, ao tachar Il vangelo secondo Matteo (O evangelho segundo São Mateus, 1964) como “algo desprovido de qualquer significado e amadorístico”, e ao crítico literário Gian Carlo Ferretti, quando afirmou não ler os textos do intelectual bolonhês, nem ver seus filmes, “que aqui, em Paris, provocam um delírio de entusiasmo”.

Já numa mensagem endereçada ao próprio Pasolini, em 3 de julho de 1964, ao mesmo tempo em que elogiava a poesia “Vittoria”, perguntava-lhe: “Quando vai parar com o cinema?”. Mesmo no texto escrito depois da morte do cineasta, “Ultima lettera a Pier Paolo Pasolini” (Corriere della Sera, 4 nov. 1975), evitou referir-se à sua produção fílmica.[8]

Em que pesem seus escritos cinematográficos, Italo Calvino reputava-se antes um espectador. Um “espectador médio”, que, na adolescência, ficava sempre à espreita de novas atrações e apreciava tanto as comédias quanto os filmes de aventura, que, anos mais tarde, considerará o gênero popular por excelência: “Já sabia com antecedência que filme estava passando em cada sala, mas meu olho procurava os cartazes, postados a um lado, que anunciavam o próximo filme na programação, porque ali é que estava a surpresa, a promessa, a expectativa que me acompanharia nos dias seguintes”.

“Filmes de aventura e filmes cômicos correspondem ambos, acredito, a uma mesma necessidade elementar interior: a de ser surpreendido por uma emoção, que pode ser a que provoca o riso como a que liberta de uma tensão de perigo. Gostaria de propugnar a criação de uma boa narrativa de aventura e de um bom cinema de aventura. A Itália nunca teve nem uma nem o outro. E a narrativa de aventura é a única narrativa popular possível; e o cinema de aventura é o único cinema popular possível”.[9]

Cinema, portanto, como surpresa e também como evasão, não em sentido negativo, mas enquanto o meio que, de forma mais rápida e fácil, o transportava para longe, o que permitia “satisfazer uma necessidade de estranhamento, de projetar minha atenção num espaço diferente, uma necessidade que acredito corresponder a uma função primária de nossa inserção no mundo, uma etapa indispensável a toda formação. […]

Ele respondia a uma necessidade de distância, de dilatação dos limites do real, de ver se abrindo ao meu redor dimensões incomensuráveis, abstratas como entidades geométricas, mas também concretas, absolutamente repletas de caras e situações e ambientes que, com o mundo da experiência direta, estabeleciam uma rede própria (e abstrata) de relações”.

Sua paixão pela sétima arte, contudo, não se traduziu numa contribuição constante com o cinema enquanto indústria, nem o levou a desejar mudar de ramo: “senti […] que, em nome de meu velho amor pelo cinema, tinha de preservar minha condição de mero espectador, e que perderia os privilégios dessa condição se passasse para o lado dos que fazem os filmes”.

Apesar dessa afirmação, o escritor elaborou alguns textos cinematográficos e televisivos, nem todos filmados: um roteiro de onze páginas datilografadas, sem título, dividido em sete partes – “Una fabbrica che proibisce il matrimonio”, “Il matrimonio segreto”, “Una luna di miele in piedi”, “Un capufficio intraprendente”, “L’autocolonna degli amanti”, “Gli orari che non combinano” –, escrito no período do pós-guerra e que irá originar o conto “L’avventura di due sposi” (“A aventura de dois noivos”, 1958), a letra de Canzone triste (1958), com música de Sergio Liberovici, e o roteiro do primeiro episódio de Boccaccio ’70 (Boccaccio 70, 1961), “Renzo e Luciana”, escrito em parceria com Giovanni Arpino, Suso Cecchi d’Amico e Mario Monicelli;

Propostas para as séries televisivas Comiche TV, I fidanzati impossibili e Grand Guignol; um argumento ambientado na época da Resistência, Viaggio in camion, publicado em Cinema Nuovo (25 abr. 1955); Marco Polo (1960), um longuíssimo argumento redigido a pedido de Mario Monicelli, Suso Cecchi d’Amico e do produtor Franco Cristaldi para um documentário nunca realizado, mas passo inicial de Le città invisibili; o argumento Tikò e il pescecane (c. 1958-1960), livremente inspirado no romance Ti-Koyo et son requin, de Clement Richter, publicado em ABC (9 set.1962) e levado para as telas, sob o título de Ti-Koyo e il suo pescecane, por Folco Quilici (1962), o qual, junto com o escritor, Augusto Frassinetti e Ottavio Alessi, assinou também o roteiro;

Dois textos para filmes não realizados de Michelangelo Antonioni – do primeiro (provavelmente de meados da década de 1960), a ser protagonizado por Soraya, segunda esposa do Xá da Pérsia, Mohammad Reza Pahlavi, sobrou o argumento, de umas doze páginas, dividido em seis sequências – “Risveglio e telefono”, “Il bagno”, “Dal parrucchiere”, “Il tucano fuggito”, “La madre del carcerato” e “La ragazza difficile” –, enquanto do segundo restou apenas o contrato com o produtor Carlo Ponti, pelo qual o escritor se comprometia a roteirizar o argumento do diretor, Tecnicamente dolce (Tecnicamente doce)[10] –, com quem deveria ter colaborado também no roteiro de Blow-up (Blow-up – depois daquele beijo, 1966), mas o momento não era propício, como explica ao diretor em carta; seis fábulas teatrais, baseadas em esboços do pintor e cenógrafo Toti Scialoja, para Il teatro dei ventagli, programa infanto-juvenil transmitido pela TV em 1978, conforme informações colhidas na “Cronologia”.

Segundo Giovanni Bogani, foram poucas também as obras de sua autoria levadas para as telas, extraídas das coletâneas de narrativas breves Gli amori difficili, Marcovaldo ovvero le stagioni in città, Ti con zero (Te com zero, 1967, que depois integrou Tutte le cosmicomiche) e Ultimo viene il corvo, ou daquela de crônicas Um ottimista in America, 1959-1960 (publicada postumamente em 2014), e do romance Il cavaliere inesistente. São elas: o já citado episódio “Renzo e Luciana”; L’avventura di un soldato (1962), de Nino Manfredi, transposição do conto homônimo (“A aventura de um soldado”), Abenteur eines Lesers (1973), de Carlo di Carlo, filme para a TV alemã, inspirado em “L’avventura di un lettore” (“A aventura de um leitor”) e Avventura di un fotografo (1983), de Francesco Maselli, filme para a TV, extraído do conto de mesmo título (“A aventura de um fotógrafo”); Marcovaldo (1970), de Giuseppe Bennati, série televisiva em cinco capítulos; Die Verfolgung (1972), de Carlo di Carlo, filme para a TV alemã, baseado no conto “L’inseguimento” (“A perseguição”); Palookaville (1995), de Alan Taylor, inspirado livremente em “Ultimo viene il corvo” (“Por último vem o corvo”); America paese di Dio (1967), de Luigi Vanzi; Il cavaliere inesistente (1969-1970), de Pino Zac, mistura de ficção e animação, respectivamente. A partir de outro conto de Ti con zero, “Il guidatore notturno” (“O motorista noturno”), tanto Michelangelo Antonioni quanto Jean-Paul Torok pensaram em realizar um filme. Ademais, Calvino resistiu sempre a autorizar a transposição cinematográfica de seu primeiro romance, Il sentiero dei nidi di ragno, como no caso do diretor estreante Giorgio Viscardi.

Conforme confidenciou a Lietta Tornabuoni, o que Italo Calvino almejava, no entanto era ser plagiado, pois isso lhe parecia mais lisonjeiro, embora nada rentável. É o que teria acontecido com a novela, Furto in pasticceria, que Alessandro Blasetti não conseguiu rodar, mas que teria inspirado a sequência de I soliti ignoti (Os eternos desconhecidos, 1958), na qual os ladrões ficam comendo na cozinha do apartamento que foram assaltar, conforme Furio Scarpelli, um dos argumentistas e roteiristas do filme de Mario Monicelli.

Ademais, Bogani aventa a hipótese de “L’inseguimento” ter inspirado L’ingorgo (O grande engarrafamento, 1979), de Luigi Comencini, enquanto Il cavaliere inesistente estaria na base da armadura vazia que surge em I paladini (1983), de Giacomo Battiato. É o que aconteceu também com o primeiro capítulo do romance Fear of flying (Medo de voar, 1975), em que “L’avventura di un soldato”, tornava a ser traduzida em palavras depois de ter dado origem a um filme só de imagens, conforme carta de Calvino a Erika Jong.

Apesar de sua colaboração com a indústria cinematográfica, contudo, o foco deste texto é o Italo Calvino espectador, um espectador privilegiado, cuja postura em relação ao cinema foi mudando ao longo da vida, como ele mesmo declarou: “Finda a guerra, muitas coisas haviam mudado: eu estava mudado, e o cinema tinha se tornado outra coisa, uma outra coisa em si e uma outra coisa em relação a mim. Minha biografia de espectador retoma seu curso, mas é a de outro espectador, que já não é apenas espectador”.

“Com tantas outras coisas na cabeça, se eu revisitava na lembrança o cinema hollywoodiano de minha adolescência, achava-o uma coisa pobre […]. Até minhas lembranças da vida daqueles anos tinham mudado, e tantas coisas que eu considerara como o insignificante cotidiano agora se coloriam de significado de tensão, de premonição. Enfim, ao reconsiderar meu passado, o mundo da tela revelava-se para mim mais pálido, mais previsível, menos emocionante que o mundo de fora”.

“Os gostos da adolescência foram varridos, ao falar deles é como se pertencessem à vida de outra pessoa. […] Quando comecei a fazer parte do mundo do papel impresso, o cinema feito por pessoas que eu podia conhecer já não me impressionava muito. Não havia mais o sentimento de distância, de mistério mítico, de dilatação dos limites do real: para reencontrá-lo, tinha que ver filmes japoneses, que pertenciam a um mundo totalmente distante. Perdeu-se a emoção da maravilha, a do espectador encantado, boquiaberto feito criança, característica de um tempo em que a gama de imagens era limitada, a experiência da contemplação de imagens era insólita e rara, e não costumeira e diária como é hoje”.[11]

Quando a realidade, e não mais sua representação, adentrou a existência do jovem Italo, ele se tornou “ator”, como lembrou Goffredo Fofi: “é partisan, militante, funcionário, jornalista, escritor, intelectual. Atira-se na vida, participa dela em primeira pessoa, assume responsabilidades sociais de forma extremamente intensa, com uma precisa postura política. Depois, vem 1956, o fim da Guerra Fria, o boom, a Itália do bem-estar. E Italo Calvino volta de novo a ser espectador”.

Um espectador mais desencantado, porém, ainda em busca do “encontro excepcional” entre ele e um filme, casualmente ou graças à arte: “No cinema italiano pode-se esperar muito do gênio pessoal dos diretores, mas pouquíssimo do acaso. Essa deve ser uma das razões pelas quais às vezes admirei, frequentemente apreciei, mas nunca amei o cinema italiano. Sinto que de meu prazer de ir ao cinema, ele mais tirou do que deu. Porque esse prazer deve ser avaliado não só a partir dos ‘filmes de autor’, com os quais estabeleço uma relação crítica de tipo ‘literário’, mas também a partir do que pode aparecer de novo na produção média e menor, com a qual procuro restabelecer uma relação de mero espectador. […] para recriar o prazer pelo cinema, tenho de sair do contexto italiano e me reencontrar como mero espectador”.

O repertório cinematográfico da adolescência – que ele enriquecia no verão, ao recuperar filmes de anos anteriores – havia se ampliado em cineclubes, na Cinemateca Francesa e nos cinemas poeiras do Quartier Latin (onde resgatava fitas das décadas de 1920 e 1930, ou assistia às novidades polonesas e brasileiras[12]) e em Londres, embora não com leituras de obras teóricas ou de história do cinema. O novo espectador que surgia na fase adulta, se, de um lado, continuava ligado a um cinema “bem feito”, que ia além do meramente artesanal, como o norte-americano ou os bangue-bangues à italiana, de outro, havia passado a interessar-se por filmes mais cerebrais, mas sem deixar-se enredar pelo psicologismo e nem por uma “espetaculosidade exclusivamente tecnológica” ou pelas “sofisticações intelectuais”, como declarou a Lietta Tornabuoni, o que o levou a recusar À bout de souffle (Acossado, 1960), de Jean-Luc Godard, que, numa enquete de Cinema Nuovo (1961), considerou “Literário e gratuito […], e portanto imoral, e portanto – uma vez que chegamos até aqui – decadente”, ou o jogo de encaixes de L’année dernière à Marienbad (O ano passado em Marienbad, 1961), de Alain Resnais. Ademais, como expôs numa carta a Guido Aristarco e na entrevista a Lietta Tornabuoni:

“Não me convenceram nem Deserto rosso [O deserto vermelho, 1964, de Antonioni], nem Il silenzio [Tystnaden/O silêncio, 1963, de Ingmar Bergman] […]”.

“O filme mais interessante que vi em 1964 é The servant [O criado, 1963], de [Joseph] Losey. Aliás, me parece um exemplo único, na história do cinema, de filme filosófico, além de ter uma narração cinematográfica rigorosa. 2001: uma odisséia no espaço, [2001: a space odyssey, 1968], de [Stanley] Kubrick é um filme belíssimo, imenso, Apocalypse now [Apocalypse now, 1979], de [Francis Ford] Coppola, me parece belíssimo, exceto Marlon Brando: mas não quero começar a teorizar, a fazer discursos sobre o gosto ou a poética cinematográfica. […]”

“Eu estava entre os defensores do cinema popular e artesanal até que não se tornou uma bandeira de muitos intelectuais que o teorizaram, transformando-o numa outra bobagem. Sem prevenção alguma, procuro estar disponível para o que vale: como regra, porém, e não apenas no cinema, prefiro o profissionalismo à leviandade que se julga inspirada”.

Para Italo Calvino, o cinema havia sido “outra dimensão do mundo” ou “uma dimensão, um mundo, um espaço de mente”. A uma realidade informe opunha a organicidade do universo cinematográfico, cujo chamado o fascinava e o transportava para outras dimensões: “Outro mundo que não o que me cercava, mas para mim apenas o que eu via na tela possuía as propriedades de um mundo, a plenitude, a necessidade, a coerência, ao passo que fora da tela se amontoavam elementos heterogêneos, como que juntados ao acaso, os materiais de minha vida, que me pareciam desprovidos de toda e qualquer forma. […]”

“Quando […] entrava no cinema às quatro ou às cinco, impressionava-me ao sair a sensação da passagem do tempo, o contraste entre duas dimensões temporais diferentes, dentro e fora do filme. Havia entrado em plena luz do dia e lá fora encontrava a escuridão, as ruas iluminadas prolongando o preto-e-branco da tela. A escuridão amortecia um pouco a descontinuidade entre os dois mundos e um pouco acentuava, pois marcava a passagem daquelas duas horas que eu não vivera, sorvido numa suspensão do tempo, ou na duração de uma vida imaginária, ou no salto para trás nos séculos. […] Quando chovia no filme, eu aguçava o ouvido para saber se lá fora também começara a chover, se uma tempestade me surpreendia por eu ter fugido de casa sem guarda-chuva: era o único momento em que, mesmo permanecendo mergulhado naquele outro mundo, lembrava-me do mundo de fora; e era um efeito angustiante. A chuva nos filmes ainda hoje desperta em mim aquele reflexo, uma sensação de angústia”.

“[…] o intervalo entre a primeira e a segunda parte do filme (outro costume estranho, exclusivamente italiano, que de maneira inexplicável se mantém até hoje) chegava para me lembrar que ainda estava naquela cidade, naquele dia, naquela hora: e, conforme o humor do momento, aumentava a satisfação de saber que, num instante, voltaria a me projetar nos mares da China ou no terremoto de São Francisco; ou então oprimia-me a advertência para que eu não esquecesse de que ainda estava aqui, para que não me perdesse, distante”.

O “cinema da distância” de sua juventude, no entanto, desapareceu para dar lugar ao “cinema da proximidade”: “Do pós-guerra em diante o cinema foi visto, discutido, feito, de maneira totalmente distinta. Não sei quanto o cinema italiano do pós-guerra mudou nosso modo de ver o mundo, mas certamente mudou nosso modo de ver o cinema (qualquer cinema, mesmo o americano). Não há um mundo dentro da tela iluminada na sala escura e lá fora outro mundo heterogêneo e separado por uma nítida descontinuidade, oceano ou abismo. A sala escura desaparece, a tela é uma lente de aumento pousada sobre o exterior cotidiano, e nos obriga a fitar aquilo pelo qual o olho nu tende a deslizar sem se deter. Essa função tem – pode ter – sua utilidade, pequena, ou média, ou em alguns casos enorme. Mas aquela necessidade antropológica, social, de distância não é satisfeita”.

A esses filmes “capazes de cativar à força”,[13] o escritor lançava um desafio, o de conquistar o grande público; por isso, enquanto a crítica exaltava realizadores considerados neorrealistas,[14] ele se interessava mais por diretores como Pietro Germi (“embora Germi saiba sempre bem demais o que quer”), a dupla Steno-Monicelli – idealizadores de Guardie e ladri (Guardas e ladrões, 1951) – e o Luigi Zampa de L’onorevole Angelina (Angelina, a deputada, 1947) e, principalmente, de La romana (A romana, 1954)[15], que acabou apreciando, apesar de achar, conforme reportou Michele Canosa, que o filme tivesse sido prejudicado pelo roteiro esquemático e comedido dos escritores Giorgio Bassani e Alberto Moravia – este, autor do romance homônimo (1947) –, do qual se originou, complementando: “O filme de arte é algo muito bonito, mas será sempre uma obra de exceção, é um filme que fazemos para nós mesmos e depois vamos assistir piscando o olho e estalando a língua. Mas o problema interessante do novo cinema era ver se a linguagem dos Visconti, dos De Sica, Rossellini, Castellani, conseguia proliferar, se, de estilo poético, conseguia tornar-se língua corrente, e dar vida a uma boa série de dramas populares e de farsas populares de produção média. Então teríamos tido a prova de que não era apenas um movimento cultural, mas dialeticamente ligado a um movimento de exigências e de gostos do público”.

“Zampa é um diretor que nos interessa sempre, logo por essa sua capacidade de oferecer imagens tangíveis aos humores, ao moralismo pessimista do italiano médio, ao seu juízo sobre épocas recentes, e criar máscaras contemporâneas cômicas ou dramáticas”.[16]

Os nomes de Zampa, Monicelli, Steno e Germi trazem à lembrança a comédia à italiana, com a qual o escritor manteve uma relação conflituosa, apesar de lhe pagar seu tributo, diretamente, em Renzo e Luciana, de Mario Monicelli, por ser um dos roteiristas da que foi considerada a parte mais fraca de Boccaccio ‘70 (Boccaccio ‘70, 1961),[17] e, indiretamente, em L’avventura di un soldato, de Nino Manfredi, episódio do filme coletivo L’amore difficile (1962), baseado tão-somente em gestos e silêncios, que, segundo Roberto Poppi, a crítica consagrou como a melhor narrativa breve não apenas do filme que integrava, mas de todo o cinema italiano realizado naquele período.

Esse sentimento de atração/recusa, que dizia respeito à representação do modo de viver de seus compatriotas, era o mesmo que, no fundo, lhe despertaram algumas obras de Fellini: “Deveria então falar da comédia satírica de costumes que durante toda a década de 1960 constituiu a produção média típica da Itália. Na maioria dos casos a considero detestável, porque, quanto mais a caricatura de nossos comportamentos sociais se quer impiedosa, tanto mais se revela complacente e indulgente; em outros casos a considero simpática e bonachona, com um otimismo que permanece milagrosamente genuíno, mas então sinto que não me impele a dar um só passo adiante no conhecimento de nós mesmos. Enfim, olharmo-nos diretamente nos olhos é difícil. É justo que a vitalidade italiana encante os estrangeiros, mas que me deixe indiferente.”

“[…] Fellini pode ir muito à frente no caminho da repulsão visual, mas no da repulsão moral ele para, recupera o monstruoso para o humano, para a indulgente cumplicidade carnal. Quer a província vitellona quer a Roma dos cineastas são círculos do inferno, mas ao mesmo tempo são Terras da Abastança de que se pode desfrutar. Por isso Fellini consegue perturbar até o fim – porque nos obriga [a] admitir que o que mais gostaríamos de afastar nos é intrinsicamente próximo.”

“Como na análise da neurose, passado e presente misturam suas perspectivas; como no desencadeamento da crise histérica, exteriorizam-se em espetáculo. Fellini faz do cinema a sintomatologia do histerismo italiano, aquele específico histerismo familiar que, antes dele, era representado como fenômeno sobretudo meridional e que ele, daquele lugar de mediação geográfica que é a sua Romanha, redefine em Amarcord como o verdadeiro elemento unificador do comportamento italiano”.

O autor, ao rememorar sua formação de espectador, evitou basear-se em textos de referência ou especializados, embora, na época, seguisse com interesse as críticas de Filippo Sacchi e Pietro Bianchi: “As minhas são memórias de alguém que está descobrindo o cinema naquele momento […].

Essas lembranças são parte de um armazém mental e pessoal em que importam não os documentos escritos, mas somente o depósito casual das imagens ao longo dos dias e dos anos, um armazém de sensações particulares que nunca quis misturar com os armazéns da memória coletiva”.

O repertório calviniano de imagens em movimento foi alimentado pelo cinema americano, em primeiro lugar, e, com o passar dos anos, pelo francês, pelo italiano e pelo japonês. Este, de quem admirava as obras de Koji Shima e Akira Kurosawa, foi o que mais o levou a revoltar-se contra o hábito, vigente em seu país, de não projetar filmes no idioma original: “é uma mutilação cultural ver dublados em italiano até os filmes japoneses, nos quais é essencial a ocorrência fônica, os tons, o arquejo, o ritmo do diálogo”.[18]

Com o cinema francês, conheceu outro tipo de estranhamento: os cheiros dos quais vinha carregado; a presença carnal das atrizes, que se instalavam “na memória como mulheres vivas e, ao mesmo tempo, como fantasmas eróticos”, e não enquanto seres idealizados; o realismo, que lhe permitiu conectar o que via na tela com sua experiência; as “coisas mais inquietantes e vagamente proibidas” que propunha, como em Quai des brumes (Cais das sombras, 1938), de Marcel Carné, em que Jean Gabin “não era um ex-combatente querendo se dedicar ao cultivo de uma plantação nas colônias, como a dublagem italiana procurava fazer crer, mas um desertor fugindo do front, tema que a censura fascista jamais teria permitido”. Ao contrário do cinema francês da década de 1930, para ele, “o cinema americano de então não tinha nada a ver com a literatura”, era “algo à parte, quase sem um antes e sem um depois” na história de sua vida.

O que o fascinava no cinema hollywoodiano era a gama de rostos masculinos e femininos que este oferecia. Dentre os atores, Calvino elencava William Powell, Leslie Howard, Fred Astaire, Spencer Tracy, Clark Gable, Gary Cooper, Franchot Tone, James Stewart, os quais, ao lado dos coadjuvantes, constituíam uma constelação de tipos, em geral previsíveis, como os da commedia dell’arte. A eles, opunha a cara de Jean Gabin, “feita de outro material, fisiológico e psicológico”, a se erguer do prato, suja de sopa e carregada de humilhação, na sequência inicial de La bandera (La bandera, 1935), de Julien Duvivier.

Dentre as atrizes, destacava as que representavam a autonomia das mulheres americanas, de Jean Arthur a Carole Lombard, passando por Claudette Colbert, Joan Crawford, Katharine Hepburn, Barbara Stanwyck, além de Marlene Dietrich e, mais tarde, Marilyn Monroe, as quais introduziam novos comportamentos numa sociedade provinciana como a italiana daquele período: “de Myrna Loy eu tinha feito meu protótipo do feminino ideal, o de esposa, ou talvez de irmã, ou, seja lá como for, da identificação de gosto, de estilo, um protótipo que coexistia com os fantasmas da agressividade carnal (Jean Harlow, Viviane Romance) e da paixão extenuante e lânguida (Greta Garbo, Michèle Morgan), pelos quais a atração que sentia era matizada por um senso de temor; ou com aquela imagem de felicidade física e alegria vital que era Ginger Rogers, por quem eu nutria um amor desventurado desde o início até em minhas rêveries – porque eu não sabia dançar.”

“Podemos nos perguntar se construir um olimpo de mulheres ideais e até o momento inalcançáveis era bom ou ruim para um jovem. Um aspecto positivo certamente tinha, pois impelia a gente a não se contentar com aquele pouco ou muito que se encontrava, e a projetar os próprios desejos mais além, no futuro ou no alhures ou no difícil: o aspecto negativo era que não ensinava a olhar as mulheres de verdade com um olho pronto a descobrir belezas inéditas, não conformes aos cânones, a inventar novas personagens com aquilo que o acaso ou a procura nos faz encontrar em nosso horizonte”.

Diante dessas declarações, é escusado lembrar que, entre 1955 e 1959, Italo Calvino teve uma relação com uma atriz, a fascinante condessa Elsa de’ Giorgi, casada e nove anos mais velha do que ele. Os dois se conheceram em Florença, durante uma sessão de leitura de “Il midollo del leone”, um dos ensaios que o escritor acabava de lançar. Dentre outros filmes, a atriz atuou em “La ricotta” (“A ricota”, episódio de RoGoPaG, 1963) e interpretou uma das narradoras de Salò, ambos de Pasolini. Em 1955, o autor conseguiu que I coetanei, obra memorialística da atriz, fosse publicado, entrando em contraste epistolar com outro editor da Einaudi, o escritor Elio Vittorini, pela leitura que este fez do livro.

Conforme registrou Paolo Di Stefano, em 1992, Elsa de’ Giorgi publicou Ho visto partire il tuo treno, em que narrava seu romance com o escritor, extraindo o título de uma das inúmeras cartas de amor que este lhe havia enviado. Segundo Domenico Scarpa, no epistolário, “a paixão se manifestava sem defesas psicológicas e sem precauções estilísticas”.

No cinema preconizado por Italo Calvino, que para ele era feito menos de diretores do que de atores e atrizes, estes não existiam plenamente, pois não conhecia suas vozes, substituídas por aquelas dos dubladores italianos, vozes que soavam absurdas, “metalicamente deformadas pelos meios técnicos da época, e ainda mais absurdas pela afetação da dublagem italiana, que não tinha relação com nenhuma língua falada do passado e do futuro. E, no entanto, a falsidade daquelas vozes havia de ter uma força comunicativa em si, como o canto das sereias, e […] eu ouvia o chamado daquele outro mundo que era o mundo.”

“[…] existia apenas a metade de todo ator ou atriz, isto é, somente a figura e não a voz, substituída pela abstração da dublagem, por uma dicção convencional e estranha e insossa, não menos anônima que as palavras impressas na tela que nos outros países (ou ao menos naqueles onde os espectadores são considerados mentalmente mais ágeis) informam aquilo que as bocas comunicam com toda a carga sensível de uma pronúncia pessoal, de uma sigla fonética feita de lábios, de dentes, de saliva, feita sobretudo das diversas proveniências geográficas do caldeirão americano, numa língua que, para quem a compreende, revela nuanças expressivas e, para quem não a compreende, tem um quê a mais de potencialidade musical (como a que hoje ouvimos nos filmes japoneses ou mesmo nos suecos). Portanto, a convencionalidade do cinema americano chegava a mim duplamente dublada (com o perdão do jogo de palavras) pela própria convencionalidade da dublagem, que, porém, chegava a nossos ouvidos como parte do encanto do filme, inseparável das imagens. Sinal de que a força do cinema nasceu muda, e a palavra – ao menos para os espectadores italianos – sempre foi sentida como sobreposição, uma legenda em letra de forma. (Aliás, os filmes italianos de então, se não eram dublados, eram como se o fossem. […])”.

O público foi outra fonte de interesse do escritor, para quem o cinema era constituído não só pelo filme em si, mas também pela presença dos espectadores: “o cinema é e tem a realidade mais imediata e a idealização mais desmedida, uma liberdade de expressão grande quanto o mundo visível e uma convenção extremamente codificada, a fama mais altissonante e impudica, a atmosfera de riqueza onipotente e, ao mesmo tempo, o sentimento de trabalhar para um mundo de gente pobre, para as multidões anônimas que se acotovelarão nas salas escuras.”

“Cinema quer dizer sentar no meio de uma plateia que bufa, arqueja, caçoa, chupa bala, incomoda, entra, sai, até lê as legendas em voz alta, como na época do mudo; o cinema é essa gente, mais a história que acontece na tela. […] Este público tem com a criação cinematográfica uma relação dialética: se deixa encher a cabeça pelo cinema, mas, por sua vez, se impõe ao cinema”.[19]

Italo Calvino foi um espectador dentre outros espectadores, é verdade, mas um espectador privilegiado uma vez que, como apontaram alguns críticos, dentre eles Lietta Tornabuoni e Antonio Costa,[20] seria possível estabelecer uma relação entre a sétima arte e sua obra ensaística e ficcional, na qual seria interessante destacar como o cinema e outros meios audiovisuais foram importantes na constituição de seu imaginário visual e de sua visão de mundo.

Como afirmou Pasolini, em Calvino havia sempre uma tensão entre o mundo como ele é e o mundo como ele gostaria que fosse. Desse modo, o autor lígure seria uma espécie de ser híbrido: um garoto ainda movido pela curiosidade e um velho agarrado ao próprio passado, o qual, ao conceber a cultura como um conjunto de fósseis, não consegue projetar-se no futuro. Em outras palavras, menos contundentes, havia no escritor um lado racional e um lado pessimista, pessimismo este agravado pelo fim de uma cultura (e de uma ideologia) dentro da qual ele havia se formado e na qual o cinema teve um papel preponderante.

*Mariarosaria Fabris é professora aposentada do Departamento de Letras Modernas da FFLCH-USP. Autora, dentre outros livros, de O neo-realismo cinematográfico italiano: uma leitura (Edusp).

Versão ampliada do texto homônimo publicado em Anais de textos completos do XVIII Encontro SOCINE, São Paulo, Socine, 2015.

Referências


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BOGANI, Giovanni. “Obiettivi smisurati”. In: PELLIZZARI, Lorenzo (org.). L’avventura di uno spettatore: Italo Calvino e il cinema. Bergamo: Lubrina, 1990.

CALVINO, Italo. “Autobiografia de um espectador”. In: O caminho de San Giovanni. Trad. Roberta Barni. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

________. Lettere 1940-1985. Milano: Mondadori, 2000 [“A Cesare Zavattini – Roma” (11 dez 1951); “A Michelangelo Antonioni – Roma” (nov.-dez 1955); “A Michelangelo Antonioni – Roma” (3 out. 1962); “A Michelangelo Antonioni – Roma” (12 out. 1962); “A Guido Aristarco – Milano” (22 fev. 1965); “A Michelangelo Antonioni – Roma” (29 set. 1965); “A Gian Carlo Ferretti – Milano” (3 fev. 1969); “A Giorgio Viscardi – Roma” (8 abr. 1974); “A Erika Jong – New York” (10 abr. 1975)].

________. “Sade è dentro di noi (Pasolini, Salò)”; “Su Pasolini: una risposta a Moravia”. In: Saggi 1945-1985. 2 t. Milano: Mondadori, 1995.

________. “Sul cinema: contributo a una bibliografia”. In: PELLIZZARI, op. cit. [de onde foram extraídos dados e trechos dos artigos “Tra i pioppi della risaia la ‘cinecittà’ delle mondine”; “La paura di sbagliare”; “Gina burocratica”; “Quattro domande sul cinema italiano”; “Ultima lettera a Pier Paolo Pasolini”; “Un dramma di coscienza”; “Film di bambini (Austria e Brasile)”].

CANOSA, Michele. “La ‘distanza’”. In: PELLIZZARI, op. cit.

CLERICI, Luca. “Tra carta e pellicola”. In: PELLIZZARI, op. cit.

COSTA, Antonio. “Il senso della vista”. In: PELLIZZARI, op. cit.

FINK, Guido. “Quel fascio di raggi luminosi in movimento”. In: PELLIZZARI, op. cit.

FOFI, Goffredo. “Presentazione”. In: PELLIZZARI, op. cit.

“Italo Calvino” (16 set. 2023). Disponível em: <https://it.wikipedia.org/wiki/Italo_ Calvino>.

MORAVIA, Alberto. “Sade per Pasolini, un sasso contro la società”. In: Cinema italiano: recensioni e interventi 1933-1990. Milano: Bompiani, 2010.

PASOLINI, Pier Paolo. Descrizioni di descrizioni. Milano: Garzanti, 1975.

POPPI, Roberto. Dizionario del cinema italiano: i registi dal 1930 ai giorni nostri. Roma: Gremese, 1993.

SCARPA, Domenico. “Calvino, Italo”. Disponível em <https://www.treccani.it/ enciclopedia/italo-calvino_(Dizionario-Biografico)/>.

STEFANO, Paolo Di. “Elsa, Italo e il conte scomparso”. Corriere della Sera, Milão, 4 ago. 2014. Disponível em <archiviostorico.corriere.it>.

TORNABUONI, Lietta. “Calvino: il cinema inesistente”. In: PELLIZZARI, op. cit.

Notas


[1] Obras de Calvino até agora traduzidas em português pela Companhia das Letras: Una pietra sopra. Discorsi di letteratura e società (Assunto encerrado – Discursos sobre literatura e sociedade, 1980), Collezione di sabbia (Coleção de areia, 1984), Lezioni americane – Sei proposte per il prossimo millennio (Seis propostas para o próximo milênio – Lições americanas, 1988), Perché leggere i classici (Por que ler os clássicos, 1991), Mondo scritto e mondo non scritto (Mundo escrito e mundo não escrito – Artigos, conferências e entrevistas, 2002), Sono nato in America. Interviste 1951-1985 (Nasci na América… uma vida em 101 conversas (1951-1985), 2022) – ensaios e entrevistas; La strada di San Giovanni (O caminho de San Giovanni, 1990), Eremita a Parigi. Pagine autobiografiche (Eremita em Paris – Páginas autobiográficas, 1996), , Un ottimista in America, 1959-1960 (Um otimista na América 1959-1960, 2014) – textos autobiográficos; Prima che tu dica “Pronto” (Um general na biblioteca, 1958) – apólogos e contos; Il sentiero dei nidi di ragno (A trilha dos ninhos de aranha, 1947), Il visconte dimezzato (O visconde partido ao meio, 1952), Il barone rampante (O barão nas árvores, 1957), Il cavaliere inesistente (O cavaleiro inexistente, 1959), as três reunidas em I nostri antenati (Os nossos antepassados, 1960), La speculazione edilizia (A especulação imobiliária, 1963), La giornata di uno scrutatore (O dia de um escrutinador, 1963), Il castello dei destini incrociati (O castelo dos destinos cruzados, 1973), Se una notte d’inverno un viaggiatore (Se um viajante numa noite de inverno, 1979), Palomar (Palomar, 1983) – romances; Ultimo viene il corvo (Por último vem o corvo, 1949), L’entrata in guerra (A entrada na guerra, 1954), Marcovaldo ovvero Le stagioni in città (Marcovaldo ou as estações na cidade, 1963), Le cosmicomiche (As cosmicômicas, 1965), Gli amori difficili (Os amores difíceis, 1970), Le città invisibili (As cidades invisíveis, 1972), Sotto il sole giaguaro (Sob o sol-jaguar, 1986), Tutte le cosmicomiche (Todas as cosmicômicas, 1997), – contos e novelas; Fiabe italiane raccolte dalla tradizione popolare durante gli ultimi cento anni e trascritte in lingua dai vari dialetti da Italo Calvino (Fábulas italianas, 1956), La scommessa a chi primo s’arrabbia (Perde quem fica zangado primeiro, 1956) – literatura infanto-juvenil; Racconti fantastici dell’Ottocento (Contos fantásticos do século XIX escolhidos por Italo Calvino, 1983) – organizador.

[2] “Bing Crosby teologo” (30 jun. 1946), “Valenti oleografico” (25 jul. 1946), “Hollywood puritana” (10 nov. 1946), “Tra i pioppi della risaia la ‘cinecittà’ delle mondine” (14 jul. 1948) e “Film cecoslovacchi” (6 jan. 1950).

[3] “La televisione in risaia” (3 abr. 1954) e “Gina burocratica” (20 nov. 1954); “Inchiesta su censura e spettacolo in Italia” (nov. 1961); “Le donne si salvano?“ (29 abr. 1962); “Réponse à ‘Questions aux romanciers’” (dez. 1966); “Sade è dentro di noi (Pasolini, Salò)” (30 nov. 1975), “Perché ho parlato di ‘corruzione’” (10 dez. 1975) e “Quel gran cinico Groucho Marx” (28 ago. 1977); “Un dramma di coscienza” (12 set. 1981), “Diario di uno scrittore in giuria: un giudizio sicuro e subito il dubbio” (13-14 set. 1981), “L’anima e il gioco blasfemo” (31 jul. 1983) e “La parola alla Difesa” (24 nov. 1983), respectivamente.

[4] “Il realismo italiano nel cinema e nella narrativa (1 maio 1953); “Venezia primo tempo: l’inaugurazione” (1 set. 1954); “La paura di sbagliare” e “Gli amori difficili dei romanzi coi film” (25 set. 1954); “Demone dell’oro” (25 out. 1954); “Viaggio in camion (‘Proposte per film’)” (25 abr. 1955); “La noia a Venezia” (25 ago. 1955); “Padre Brown e Don Camillo” (25 mar. 1956); “Sciolti dal Giuramento” (15 dez. 1957); “Malraux da l’espoir a De Gaulle”(jul.-ago. 1958); “Due film e Stalin” (jan.-fev. 1959); “Impressioni di viaggio americane: alla sera non si esce, quindi al cinema non ci si va” ((jul.- ago. 1960); “Quattro domande sul cinema italiano” (jan.-fev. 1961); “Un Traven falsificato” (maio-jun. 1962); “I migliori film dell’anno (1964)” (mar.-abr. 1965); “Film di bambini (Austria e Brasile)” (nov.-dez. 1985); “[Dalla corrispondenza]” (maio-jun. 1986).

[5] Embora reunidas aqui num único texto, trata-se de duas declarações de Calvino publicadas pelo diário romano La Repubblica (12 set. 1981): a primeira, extraída do artigo “‘Abbiamo votato per la sua umanità’”, de Natalia Aspesi; a segunda, de “Un dramma di coscienza”, do próprio autor, conforme registrado em “Sul cinema: contributo a una bibliografia”.

[6] Zavattini foi um dos argumentistas e roteiristas de Darò un milione (1935), de Mario Camerini, um dos filmes italianos que Calvino continuou a apreciar, como declarou a Lietta Tornabuoni.

[7] Uma vez que grande parte das citações que integram o presente texto foram extraídas de “Autobiografia de um espectador”, elas não serão mais assinaladas.

[8] Os comentários sobre Accattone e sobre o cinema pasoliniano foram extraídos de Fofi e do volume de cartas de Calvino, respectivamente. A composição “Vittoria” integra o volume pasoliniano Poesia in forma di rosa (1964).

[9] Foram reunidas, num único texto, citações de Calvino e declarações extraídas de Tornabuoni e Canosa, respectivamente.

[10] O roteiro de Tecnicamente dolce acabou sendo escrito por Antonioni, em meados dos anos 1960, enquanto trabalhava no projeto de Blow-up. Publicado em 1976 pela Einaudi, nele, o diretor antecipava situações e personagens de Professione: reporter (O passageiro, 1975). A leitura do roteiro, feita por atores, é parte integrante da Retrospectiva de Michelangelo Antonioni, apresentada no âmbito da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (2023).

[11] Foram reunidas, num único texto, citações de Calvino e uma declaração extraída de Tornabuoni.

[12] Num artigo de 1985, “Film di bambini (Austria e Brasile)”, no entanto, o parecer sobre O saci, de Rodolfo Nanni, é negativo.

[13] A expressão foi extraída de uma carta de 1947 a um jovem escritor, na qual Calvino diz que leu seu conto com o coração na boca, ou seja, com a mesma sensação experimentada ao assistir a Roma città aperta (Roma cidade aberta, 1944-45), de Roberto Rossellini: “não saberia dizer se é feio ou bonito, nem o filme nem o conto, são coisas que cativam a gente à força, mas todos são capazes de cativar à força”.

[14] Calvino não apreciava todas as obras realizadas por cineastas associados ao Neorrealismo, mas, de Visconti, gostou do já citado Rocco e i suoi fratelli, Senso (Sedução da carne, 1954), engajando-se na campanha em sua defesa, e Ossessione (Obsessão, 1942), como mencionou a Lietta Tornabuoni: “Lembro de ter visto Ossessione, de Visconti, ainda sob o Fascismo; impressionou-me muito, e entendi que sua poética era a mesma dos romances americanos que se liam então”. Além disso, acompanhou as filmagens de Riso amaro (Arroz amargo, 1948), de Giuseppe De Santis, escrevendo o artigo “Tra i pioppi della risaia la ‘cinecittà’ delle mondine”, publicado em L’Unità (Turim, 14 jul. 1948). Destacando também o papel desempenhado pelas verdadeiras mondadeiras, o jovem jornalista assinalava que o diretor “sabe que não se afeiçoou a elas como a um motivo decorativo, sabe que apenas com esses contatos entre cinema e povo se pode fazer um cinema de verdade”.

[15] A La romana, dedicou boa parte do artigo “La paura di sbagliare”, além de uma matéria sobre sua intérprete, Gina Lollobrigida: “Gina burocratica”, ambos de 1954.

[16] Foram reunidas, num único texto, declarações extraídas de Fink e Canosa, respectivamente.

[17] Para reduzir a metragem do filme, Renzo e Luciana foi cortado da versão que circulou fora da Itália. Apenas a sequência final do episódio deriva do conto calviniano. O argumento é uma adaptação livre e atualizada do romance I promessi sposi (Os noivos, 1840-1842), de Alessandro Manzoni. Numa Milão dos primeiros anos 1960, os dois noivos, transformados em operários, deverão enfrentar um chefe e a lógica de um capitalismo selvagem para se casarem.

[18] Dados e citação extraídos de Canosa e Tornabuoni, respectivamente.

[19] Citações extraídas de Luca Clerici e Canosa, respectivamente.

[20] Segundo Costa, o romance Palomar, “é, dentre outras coisas, um questionamento contínuo sobre o sentido da visão entendido enquanto órgão da visão, mas também com o significado do ato de ver”. Ademais em duas das lições americanas, “Esattezza” e, principalmente, “Visibilità”, Calvino interrogava-se sobre “como se forma o imaginário de uma época em que a literatura não se remete mais a uma autoridade ou a uma tradição enquanto sua origem ou como seu objetivo, mas visa à novidade, à originalidade, à invenção?”.


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