Abordagem estruturalista e sistêmica-financeira

Imagem: Ferran Perez
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

A geração Yuppie adotou o neoliberalismo e pregou o abandono de formulação de políticas públicas em busca de equidade social mas louvava a meritocracia para se justificar.

A Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED) organizou a coletânea de ensaios, Carlos Lessa, o Passado e o Futuro do Brasil (ABED \ Fundação Perseu Abramo) – download aqui [ABDE – Carlos Lessa O Passado e o Futuro do Brasil – FPA 2023] –, em sua homenagem. Possibilita distintas leituras sobre sua vasta obra temática.

Vou tentar distinguir as sutis diferenças teórico-metodológicas entre a geração da abordagem estruturalista do querido professor e a minha e de alguns praticantes de uma abordagem sistêmica-financeira. Muitos colegas optam pela “denúncia do capitalismo”, criticando sua “financeirização” como esta fosse reversível, ou seja, reagem contra o avanço da história e, em vez de serem revolucionários, colocam-se como reacionários…

Estrutura é o modo como uma coisa é construída ou está disposta. Trata da organização, disposição e ordem dos elementos essenciais, componentes de um corpo concreto ou abstrato, neste caso, de uma Ciência Econômica (Economia com maiúscula) – e não economia como atividade. Pondera, em termos relativos (%), todos os componentes necessários para lhe dar sustentação, pois a ciência exige a medição dos conceitos.

A abordagem estruturalista se concentra nas estruturas econômicas, sociais e políticas capazes de moldar o desenvolvimento econômico de um país ou região. Analisa como as características e as relações entre diferentes setores de atividades econômicas, bem como as instituições e as políticas governamentais, desempenham um papel fundamental na determinação do crescimento econômico e da distribuição de renda.

Entre outros, há alguns princípios-chave da abordagem estruturalista, como a ênfase na composição do setor produtivo, na distribuição de recursos e na organização dos fatores produtivos. Os economistas estruturalistas reconhecem o desenvolvimento econômico não ser uniforme em todos os lugares, ou seja, diferentes setores e regiões de um país ou um continente podem se desenvolver de maneira desigual e combinada.

A abordagem estruturalista considera o comércio internacional e a questão da dependência econômica de países subdesenvolvidos em relação aos industrializados desenvolvidos. Afirma o tipo da inserção de um país na economia global afetar sua capacidade de se desenvolver de forma independente, embora sem plena autonomia.

A estrutura das instituições e políticas governamentais é vista como crítica para o desenvolvimento econômico. Os economistas estruturalistas analisam como as políticas públicas, como regulamentações, subsídios e investimentos em infraestrutura, moldam a economia para “dar salto de etapas” no processo de desenvolvimento.

A equidade na distribuição de renda é uma preocupação importante para a abordagem estruturalista não só sob o ponto de vista da justiça social como também da dimensão do mercado interno. Ela avalia como as estruturas econômicas e políticas afetam a distribuição de renda e o bem-estar da população.

A industrialização e a diversificação produtiva da economia são meios de promover o desenvolvimento econômico. Os estruturalistas criticam a excessiva dependência de setores primários, como agricultura ou mineração, por limitar o crescimento sustentável.

A abordagem estruturalista destaca o contexto histórico e as especificidades de cada país ou região. Ela reconhece não existir uma abordagem única para o desenvolvimento econômico. As políticas e as estratégias devem ser adaptadas às circunstâncias locais.

Ela foi muito influente em economias em desenvolvimento na América Latina, em especial no Brasil, na fase da indústria nascente (1951-1980), quando vigorava um Estado desenvolvimentista com um projeto nacional. No entanto, a Economia em defesa do “livre-mercado” como valor acima do desenvolvimento, competia ideologicamente com essa abordagem nacional-desenvolvimentista.

A geração Yuppie (abreviatura de Young Urban Professional), um termo anglófono cunhado no início dos anos 1980, tipificava um jovem profissional urbano em ascensão. Esses jovens executivos, profissionalmente bem remunerados, gastavam sua renda em artigos de luxo e atividades de lazer e almejavam se distanciar das preocupações sociais das gerações anteriores. Apreciavam a Era de Ronald Reagan e Margareth Thatcher.

Essa geração adotou o neoliberalismo, para compreensão dos processos econômicos em economia de mercado, e pregou o abandono de formulação de políticas públicas em busca de equidade social. Pelo contrário, louvava a meritocracia para se justificar.

Os yuppies se notabilizaram pelo chamado “capitalismo rentista”. Teria resultado da crença em práticas econômicas de domínio do acesso a qualquer tipo de propriedade (automotora, imóvel, financeira, intelectual etc.) e obtenção de lucros significativos sem contribuição para a sociedade. O materialismo não acredita nesse idealismo demiurgo.

Os críticos do rentismo generalizado pensam agir em defesa da geração de renda por meio da produção de coisas úteis para a sociedade. Por exemplo, Luiz Carlos Bresser-Pereira, um notável e admirável novo-desenvolvimentista, denuncia: “a partir dos anos 1980, os capitalistas rentistas, muitos deles herdeiros, substituíram os empresários na propriedade dessas empresas. Para administrar sua riqueza surgiu uma classe especial de profissionais, os financistas, jovens brilhantes formados nas melhores universidades. Assumiram também o papel de ideólogos ou intelectuais orgânicos dos rentistas e adotaram o neoliberalismo como ideologia e a teoria econômica neoclássica, ou a Escola Austríaca, como justificação supostamente científica”.

Financeirização descreve o processo sistêmico pelo qual as trocas são progressivamente intermediadas por instrumentos financeiros. Em economia de mercado, com divisão de trabalho, possibilitam bens, serviços e riscos serem trocados por moeda e facilitam a transformação de fluxos de renda em estoques de ativos mantenedores de riqueza.

Esse termo é usado para descrever o irreversível desenvolvimento do capitalismo financeiro. O grande erro de seus críticos é “jogar fora o bebê junto com a água do banho”, isto é, não entender o papel-chave da alavancagem financeira para a ampliação da economia de escala, produtividade, lucro operacional e consequente emprego e renda dos trabalhadores.

A abordagem estruturalista do Carlos Lessa evoluiu para a contemporânea abordagem sistêmica-financeira. Seu didatismo permite o entendimento das bases desta.

O professor Carlos Lessa, em uma palestra famosa para estudantes, nos anos 1970, usou como exemplo, para ilustrar uma operação analítica, o desmembramento de… uma vaca! Dessa metáfora ele deduzia toda análise econômica ser uma operação de partição de ideias. A coleção de partes obtidas pelo analista é composta de conceitos. Mas o objeto idealizado, colocado sob análise, admite, da mesma maneira feita com a vaca Madalena, inúmeros modos de partição.

Por trás de cada conjunto de conceitos econômicos, existem critérios implícitos ou explícitos. Dependendo dos conceitos destacados, mantendo oculto o critério de partição, demonstra-se qualquer coisa. Porém, não se ressuscita a Madalena, isto é, O todo antes destrinchado, seja por um açougueiro, seja por um veterinário.

Na análise do capitalismo real contemporâneo, não cabe distinguir entre “setor real” e “setor financeiro”. As atividades produtivas e financeiras estão integradas e/ou interconectas como subsistemas componentes um único sistema econômico-financeiro.

Isso deve ser ensinado a todos os aprendizes de economia. Não existe um “setor bancário” autônomo, assim como não existe um “setor produtivo” independente da circulação monetário-financeira. Bancos e as chamadas equivocadamente empresas não-financeiras são componentes do mesmo sistema capitalista financeiro por definição.

Em Economia, o conceito de estrutura pode ser entendido como “as proporções e relações características de um conjunto econômico localizado no tempo e no espaço”. Distingue a ordem e a integração das partes de um corpo unificado ou de um sistema.

Diante da heterogeneidade das unidades, formadoras do conjunto, apresenta-se a ideia de interdependência interativa dos elementos componentes. Assim como os fatores econômicos e os extraeconômicos integram a análise de qualquer sistema socioeconômico, os econômicos e os financeiros compõem a do sistema econômico-financeiro.

Em 1967, o manual conhecido como “Castro-e-Lessa” já tratava os comportamentos estanques dos agentes econômicos como uma reminiscência a ser ultrapassada. Sabia haver outro ciclo a se fechar: da especialização extrema ao retorno obrigatório às inter-relações entre todas as disciplinas sociais – e todas as Ciências – com a superação da divisão de trabalho sobre recortes de uma realidade única absolutamente indivisível.

A partir dessa visão holista, importava, precisamente, as diferenças e as particularidades do problema econômico, ponderadas em cada caso concreto. No quadro mais geral, estavam colocados os fatores econômicos e financeiros em relação com a problemática e as circunstâncias dos países subdesenvolvidos, sobretudo os da América Latina.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/3r9xVNh]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Luiz Renato Martins Jorge Luiz Souto Maior Andrés del Río Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Dennis Oliveira Paulo Capel Narvai Maria Rita Kehl Leonardo Sacramento Armando Boito Valerio Arcary João Feres Júnior Luiz Bernardo Pericás Luis Felipe Miguel André Márcio Neves Soares Daniel Costa Manchetômetro Samuel Kilsztajn Thomas Piketty Alexandre de Freitas Barbosa Alexandre Aragão de Albuquerque José Luís Fiori Francisco Pereira de Farias Ronaldo Tadeu de Souza Carla Teixeira Anselm Jappe João Carlos Salles Afrânio Catani Vinício Carrilho Martinez Chico Whitaker Otaviano Helene Alexandre de Lima Castro Tranjan Matheus Silveira de Souza Antônio Sales Rios Neto Tadeu Valadares José Geraldo Couto Sandra Bitencourt Antonio Martins Vanderlei Tenório Luiz Eduardo Soares João Carlos Loebens Eugênio Bucci Celso Frederico Fernando Nogueira da Costa Juarez Guimarães Andrew Korybko Valerio Arcary Bruno Machado Celso Favaretto João Sette Whitaker Ferreira Priscila Figueiredo Lucas Fiaschetti Estevez Marjorie C. Marona Henry Burnett Flávio R. Kothe Slavoj Žižek Carlos Tautz Eleutério F. S. Prado Francisco de Oliveira Barros Júnior José Machado Moita Neto Alysson Leandro Mascaro Rafael R. Ioris Marcos Silva Rodrigo de Faria Manuel Domingos Neto Boaventura de Sousa Santos Paulo Martins Bruno Fabricio Alcebino da Silva Annateresa Fabris Airton Paschoa Atilio A. Boron Osvaldo Coggiola Érico Andrade Claudio Katz Ronald León Núñez Tarso Genro Paulo Sérgio Pinheiro Chico Alencar Ladislau Dowbor Leda Maria Paulani Gilberto Lopes Michael Löwy Luís Fernando Vitagliano Everaldo de Oliveira Andrade Jorge Branco Mário Maestri Marilia Pacheco Fiorillo Henri Acselrad Bento Prado Jr. Gilberto Maringoni Walnice Nogueira Galvão Rubens Pinto Lyra Kátia Gerab Baggio Luiz Roberto Alves Luiz Marques Renato Dagnino Leonardo Boff Daniel Afonso da Silva Salem Nasser Caio Bugiato Jean Pierre Chauvin Lincoln Secco João Lanari Bo Tales Ab'Sáber Marcelo Guimarães Lima Ricardo Fabbrini Marcus Ianoni Flávio Aguiar Dênis de Moraes Eduardo Borges Lorenzo Vitral André Singer Plínio de Arruda Sampaio Jr. Gerson Almeida Vladimir Safatle Marcelo Módolo Yuri Martins-Fontes Marilena Chauí Ricardo Musse Antonino Infranca Luiz Werneck Vianna José Raimundo Trindade Fernão Pessoa Ramos Ricardo Antunes Bernardo Ricupero Eliziário Andrade José Micaelson Lacerda Morais Igor Felippe Santos Benicio Viero Schmidt Daniel Brazil Jean Marc Von Der Weid Paulo Nogueira Batista Jr Marcos Aurélio da Silva Eugênio Trivinho Leonardo Avritzer Ronald Rocha Eleonora Albano Milton Pinheiro Michel Goulart da Silva Ari Marcelo Solon Francisco Fernandes Ladeira Paulo Fernandes Silveira Luciano Nascimento João Adolfo Hansen Mariarosaria Fabris João Paulo Ayub Fonseca Julian Rodrigues Gabriel Cohn José Dirceu Elias Jabbour José Costa Júnior Sergio Amadeu da Silveira Michael Roberts Denilson Cordeiro Heraldo Campos Remy José Fontana Liszt Vieira Ricardo Abramovay Berenice Bento Fábio Konder Comparato Luiz Carlos Bresser-Pereira

NOVAS PUBLICAÇÕES