Flávio Dino no STF

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Por JULIAN RODRIGUES

O Supremo é muito poderoso para não ser tratado com prioridade. Uma instituição sobretudo política

O “dedo podre” de Lula, desde 2003, ao indicar membros das Cortes Superiores e da Procuradoria Geral da República há tempos é um problema político e chegou a virar chacota ou drama. Nomear essa turma é competência exclusiva, decisão livre e soberana da ou do presidente da República, conforme estabelece o artigo 101 da Constituição Federal.

Trata-se de método adotado quando da organização de nossa República, “inspirado” no modelo norte-americano. Lá, a Supreme Court of the United States têm nove juízes. Aqui são onze. Sem entrar em detalhes históricos ou de direito comparado (que nem de longe faz parte do meu repertório intelectual), o fato é que nosso Supremo tem esse, digamos assim, DNA.

Isso quer dizer, antes de tudo, o reconhecimento de que a Suprema Corte (o STF) é um tribunal político, não paira sobre a sociedade e seu tempo. Quem indica os membros de ambos é quem ganhou a eleição presidencial nos EUA e aqui. Ou seja, a representatividade, legitimidade, a força da “caneta” de um ou de uma Ministra do STF são diretamente derivados do mandato, da representação político-eleitoral de quem lhes colocou lá.

Resumindo: o STF tem uma legitimidade derivada. Sua composição social-eleitoral deriva do poder presidencial. Ou seja, de quem teve milhões de votos. Portanto, nem que algum idealista ingênuo assim o decretasse, não tem jeito.

Todo Ministro e/ou Ministra do STF tem origem em uma solitária canetada. Esse formato lindinho de tripartição dos poderes parece bonitinho, mas funciona como toda e qualquer teoria. Ou seja, no concreto, no real objetivo inescapável da materialidade, o que move as alavancas, na real, é mesmo a correlação de forças entre as classes em luta. Além, claro, de um monte de outras variáveis político-sociais-ideológicas-programáticas-econômicas. Infra e superestruturais, históricas e circunstanciais.

Flávio Dino vem de uma família de classe média alta e histórico de militância política. Seu pai foi vereador, deputado estadual e prefeito da pequenina João Lisboa (cidade maranhense de 25 mil habitantes). Graduado em direito pela Federal do Maranhão, Dino foi militante do Movimento Estudantil (está explicado rss) e assessor sindical. Virou juiz federal em 1994, primeiro colocado naquele concurso. Presidiu a Associação Nacional dos juízes federais, a AJUFE (2000-2002).

Nas eleições de 2006 trocou a toga pela tribuna política. Virou deputado federal maranhense – e logo pelo Partido Comunista do Brasil! Teve estupendos 123.597 votos: 4,3% dos votos totais do Estado. Um juiz federal que abandona a magistratura e se filia ao PCdoB no Maranhão. Um Estado ainda não totalmente liberto da oligarquia sarneyzista, merece, no mínimo, nossa admiração.

Parlamentar talentoso, Flávio Dino nunca tirou o pé do chão. Candidato a prefeito de São Luiz em 2008, perdeu para João Castelo, “coroné” das antigas. Em 2010, enfrentou a ainda poderosa Roseana Sarney na disputa estadual de 2010. Detalhe: o PT e Lula foram com a filha do ex-presidente. Nosso simpático Dino com seus 30% de votos ultrapassou o “velho progressista”, tradicional político maranhense: Jackson Lago, do PDT (20%).

Presidente da Embratur no governo Dilma, Flávio Dino costurou uma ampla aliança em seu Estado. Em 2014 foi eleito governador do Maranhão. Teve 64% dos votos (1.877.065 de cliques na urna). Em 2018 com 54,3%, surrou novamente Roseana Sarney e foi reeleito governador. Filiou-se ao PSB. Reeleito foi então senador em 2022 – com “rarefeitos” 62,4% do total de votos. Foram somente 2.125.811 sufrágios das gentes do Maranhão cravados em sua simpática figura nas urnas eletrônicas.

Por que Lula fez um golaço?

Em primeiro lugar, tudo indica que Lula entendeu que o STF é um espaço sobretudo político e para quem tem coluna vertebral. Exemplo? Ricardo Lewandowski: discreto, preparado, com coluna vertebral, com lado na disputa política. Dizem que foi indicação da saudosa Dona Marisa. Faria muito sentido.

Aprendemos, vinte anos depois, que o Supremo é muito poderoso para não ser tratado com prioridade. Uma instituição sobretudo política. Desculpem-me os amigos advogados, mas quase toda qualquer tese é defensável. Depende da conjuntura, dos interesses em jogo, da qualificação de quem peleja, da popularidade de quem manda.

Quando Lula indicou Cristiano Zanin, mostrou ousadia. Comemorei, penso que junto com a maioria dos progressistas. Afinal, o jovem advogado havia mostrado coragem, determinação, compromisso político, um defensor das liberdades individuais, portanto, da democracia.

Quase que instantaneamente Cristiano Zanin cuspiu na cara do campo progressista, do PT, dos ativistas de direitos humanos. Alinhou-se com o campo mais retrógado do STF, soou e soa como um bolsominion. Ora, o rapaz de brilhantina no cabelo não chegou no Supremo para fazer isso. Nem chegou lá por ser brilhante político ou teórico. Seu mandato é de outra natureza. Nós, que sonhávamos com um Ricardo Lewandowsky mais jovem, ganhamos, tudo indica, um André Mendonça de estrelinha no peito.

Ao iniciar a redação desse artiguinho não sabia que Ricardo Lewandowsky pode vir a assumir a titularidade do Ministério da Justiça. Nada mais justo e correto.

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória, o que, a toda a evidência, subentende decisão final dos tribunais superiores.” Foi a posição de Ricardo Lewandowsky, em 24 de outubro de 2019, contra a prisão em segunda instância.

Segundo Lewandowski, “é até compreensível que alguns magistrados queiram flexibilizar essa importante garantia dos cidadãos por ingenuamente acreditarem que assim melhor contribuirão para combater a corrupção endêmica e a criminalidade violenta que assola o país”.

Mas, destaca Ricardo Lewandowsky: “Nem sempre, contudo, emprestam a mesma ênfase a outros problemas igualmente graves, como o inadmissível crescimento da exclusão social, o lamentável avanço do desemprego, o inaceitável sucateamento da saúde pública e o deplorável esfacelamento da educação estatal, para citar apenas alguns exemplos, cuja solução contribuiria sobremaneira para a erradicação das condutas ilícitas, especialmente aquelas praticadas pelas classes economicamente menos favorecidas”.

O Ministro também chamou de “lamentável” o entendimento anterior da corte sobre a execução antecipada da pena. “A partir desse entendimento precário e efêmero do STF, um grande número de prisões passou a ser decretado, após a prolação de decisões de segunda instância, de forma automática, sem qualquer fundamentação idônea, com simples remissão a súmulas ou julgados, em franca violação ao que dispõe o artigo 5º da CF”, explicou o gigante Lewandowsky.

Ao indicar Flávio Dino, Lula coloca um quadro político gigante no STF – alguém que acumula saber formal, experiência, coragem, pragmatismo e lealdade ideológica. Go, Dino! Tamos juntos!

*Julian Rodrigues, jornalista e professor, é militante do PT e ativista do movimento LGBTI e de Direitos Humanos.


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