Fortalecer o PROIFES

Imagem: Sasha Prasastika
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Por GIL VICENTE REIS DE FIGUEIREDO*

A tentativa de cancelar o PROIFES e, ao mesmo tempo, fechar os olhos para os erros da direção da ANDES é um desserviço à construção de um novo cenário de representação

Cabe, de início, parabenizar o site A Terra é Redonda por sua atitude aberta e democrática, ao publicar textos com diferentes visões, argumentos e opiniões sobre assuntos de interesse público.

No dia 4 de junho de 2024, o professor Valter Pomar postou, nesse site, comentários a respeito de artigo que aí publiquei anteriormente, intitulado “Em defesa do acordo assinado pelo Proifes”. Apresento a seguir algumas considerações a respeito, além de outras reflexões sobre as negociações havidas com o governo federal, bem como esclarecimentos relativos a notícias falsas que vêm sendo difundidas.

Não se pode apagar a história e nem viver do passado

De acordo com Valter Pomar, os dois primeiros parágrafos do meu texto anterior se dedicaram a “remoer o passado”, falando dos acordos assinados pelo PROIFES e do papel desempenhado pela ANDES a partir dos anos 2000. Aqui acredito que o termo ‘remoer’ não se aplica à necessária apresentação do histórico do que vem fazendo cada entidade. É compreensível que, para quem insiste em defender a ANDES, essa comparação seja desconfortável.

Por outro lado, é também inquestionável que todos os aperfeiçoamentos da carreira, vantagens e benefícios salariais conquistados nos últimos vinte anos resultam dos acordos assinados pelo PROIFES, sem os quais os docentes do Magistério Superior (MS) e do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) estariam hoje em situação bastante precária. Enquanto que, ao mesmo tempo, inúmeras posições atrasadas ilustram a trajetória da ANDES nesse período, contrastando lamentavelmente com sua atuação anterior, em prol da redemocratização.

Contudo, não precisamos recuar no tempo para que essas diferenças fiquem claras. Ainda agora, em 2024, o PROIFES voltou a firmar, junto com diversas entidades, o acordo do qual resultou, a partir deste mês de maio, o aumento do auxílio alimentação e outras vantagens. Esse acordo foi assinado pelo PROIFES, mas não pela ANDES.

As oposições da ANDES

Essas considerações nos levam a outra questão: de fato não mencionei, no texto anterior, a existência de uma oposição na ANDES. Cabem aqui duas observações a respeito. A primeira é que para os apoiadores do PROIFES essa preocupação está de longa data superada.

A segunda é que é compreensível e natural que alguns colegas, como o professor Valter Pomar, queiram que seja muito bem explicitado que pertencem à oposição da ANDES, posto que não querem que suas posições sejam confundidas com o que diz e faz a situação: a categorização do governo do presidente Lula (primeiro mandato) como neoliberal, merecedor, portanto, de ferrenho ataque, sob a forma de uma greve logo organizada contra ele; a contraposição visceral ao REUNI (programa de investimentos para expansão das universidades públicas), com invasão violenta de reitorias, justificada, de acordo com eles, pelo ‘apoio unânime dos professores de todo o Brasil’; a oposição à lei das cotas; a recusa a caracterizar o ‘impeachment’ da presidente Dilma como golpe; dentre muitos outros pontos. Portanto, é justo deixar claro que setores da oposição no âmbito da ANDES – embora insistam em permanecer sob a sua sombra – não podem ser responsabilizados pelos inúmeros desatinos políticos há tempos praticados pela entidade.

De qualquer forma, vale dizer que não é de hoje que há oposição na ANDES. Em 2004, essa oposição – a então ‘ANDES-Sind’ – era muito forte. Naquele ano lançamos uma chapa para concorrer às eleições da entidade. Tivemos 10.537 votos (48% dos votos válidos), contra 11.413 (52%) da situação. As irregularidades do pleito foram flagrantes. Nada mudou de lá para cá: as irregularidades continuam, como denunciado mais de uma vez pelo Renova ANDES (hoje grupo majoritário de oposição na ANDES).

Essa situação nos levou – naquele mesmo ano de 2004 – a analisar a validade da tese de continuar disputando as eleições da ANDES. Nossa reflexão chegou a dois obstáculos, a nosso ver intransponíveis, que a ela se opunham. De um lado, estava evidente que a direção da ANDES tinha formas peculiarmente criativas de conduzir as eleições do sindicato. De outro, havia uma razão mais profunda, de natureza estrutural. Explico.

Nas eleições da ANDES podem votar todos os filiados, diretamente em urna. As diretrizes políticas que norteiam a entidade, no entanto, são aprovadas em instâncias da entidade, Conselhos de Associações Docentes (CONADs) e Congressos, cujos ‘delegados’ são eleitos em assembleias, em cada ‘Seção Sindical’ (SS). Não é, assim, suficiente ganhar as eleições da ANDES para poder dirigir a entidade. Muito pelo contrário, porque quem foi às urnas para eleger a direção da ANDES não necessariamente vai às assembleias, intermináveis e por vezes manipuladas; logo, não estará nos CONADs e Congressos, que são as instâncias em que aquelas diretrizes são definidas – e que a diretoria deve cumprir, de acordo com o estatuto, seja lá qual for o programa pelo qual se elegeu. Uma insuperável contradição.

Assim é que, pelas razões acima, o grupo que fundou o PROIFES, com a adesão ampla e altamente majoritária dos integrantes da ‘ANDES-Sind’, decidiu, a partir de 2006, abandonar a ideia de ‘disputar a ANDES por dentro’, como se dizia no jargão da época. Optou-se por fortalecer o PROIFES, como alternativa democrática e plural à organização ultraesquerdista e pretensamente vanguardista do movimento docente federal na ANDES. A direção dessa entidade, em vez de reconhecer com a devida honestidade política as divergências existentes, criou notícias falsas, que requenta e repete até hoje: o PROIFES seria uma entidade governista, criada pelo então presidente Lula e seus ministros para enfraquecer a ANDES.

Para nós é absolutamente claro – com todo o devido respeito a diferenças de opinião – que a tentativa do Renova ANDES de ganhar as eleições dessa entidade e governá-la está fadada ao fracasso, não apenas pelo fato de que a disputa eleitoral se dá sob pesado uso, pela situação, da máquina sindical da ANDES, mas, sobretudo, pelo fato de que, estruturalmente, há um controle sobre os processos de decisão política da entidade, definidos pela militância das assembleias e pelos ‘delegados’ aí eleitos, e não pelo conjunto de filiados que votam nas eleições da diretoria.

Greves

A greve é um importante e legítimo instrumento de pressão da classe trabalhadora, a ser usado como último recurso, quando se chega a um impasse incontornável. O que não pode ser apoiado é que, estando processos de negociação em curso, como ocorria este ano na Mesa Específica e Temporária da Educação, em pleno funcionamento, seja deflagrada uma greve.

Há, além disso, que considerar que, nas atuais circunstâncias, é particularmente desafiadora a correlação de forças políticas que atuam no Brasil. Não devemos minimizar o impacto dos dois governos anteriores ao atual, em que as universidades e institutos federais estiveram sob forte ataque, sem que nenhum espaço de diálogo tenha sido aberto, nem com professores ou técnico-administrativos (TAs), nem com quaisquer servidores públicos de outras categorias. Há que constatar também que, nesse período, houve um intenso movimento de desqualificação – junto à sociedade civil – das nossas instituições e do que aí é feito, inclusive com acusações estapafúrdicas vindas de titulares da própria pasta da Educação.

Do ponto de vista das forças que defendem a elite predatória e seu projeto político, é compreensível esse movimento: somos um entrave, além de desnecessários. Desnecessários porque, da perspectiva do aprofundamento da subalternidade e do entreguismo, em nada contribuem a formação de profissionais qualificados ou a produção de conhecimento voltada ao desenvolvimento científico e tecnológico soberano. E um estorvo, porque as nossas instituições são berço do pensamento crítico, a ser eliminado por quem se opõe à proposta de que alcancemos, no Brasil, cidadania plena para todos.

Em um contexto, portanto, em que o diálogo com o governo estava aberto e em andamento, e em que narrativas sobre as nossas instituições, sobre a importância do nosso trabalho, estão sob forte disputa, construir e levar adiante uma greve longa e desgastante, que esvazia nossas instituições e prejudica nossos alunos, não foi a melhor opção. A favor da greve pesou a enorme insatisfação de docentes e técnico-administrativos, decorrente da precarização do investimento e do custeio das nossas universidades e institutos federais, e, sobretudo, da deterioração acentuada do poder aquisitivo dos nossos salários, exacerbada pelo congelamento de seis anos imposto pelos dois governos anteriores. É necessário, porém, um olhar que vá além do próprio umbigo: qual é, neste momento, a leitura da sociedade a respeito da continuidade da atual greve?

Reestruturação: porque a proposta do PROIFES foi aceita e a da ANDES rejeitada?

De início, agradeço ao professor Valter Pomar pela concordância em relação à análise que fiz no texto anterior, seja no que se refere à “crítica a pontos da proposta inicial do Andes, seja na defesa de detalhes da proposta final do governo, seja ao apontar problemas na contraproposta apresentada no dia 27 [pela ANDES]”. Considero, ainda assim, que essa temática merece ser revisitada.

A proposta de reestruturação de carreiras apresentada pelo PROIFES deu continuidade ao acordo de 2015, quando essa entidade e o governo Dilma assinaram acordo que, pela primeira neste século, conquistou a reorganização das nossas carreiras: a partir de agosto de 2019 (última etapa do acordo), todos os vencimentos docentes passaram a ser gerados logicamente a partir do chamado salário base – o do professor auxiliar(A) / DI, nível 1, 20h, graduado. Alcançar esse avanço foi muito importante, porque as malhas salariais das carreiras constituíam, antes disso, um emaranhado de centenas de números sem relação uns com os outros.

Entretanto, a negociação entre os PROIFES e o governo que resultou naquele acordo esbarrou em problemas orçamentários, e os percentuais defendidos pelo PROIFES não foram integralmente concedidos. O PROIFES propunha degraus de 5% entre todos os níveis existentes, estimulando a promoção e a progressão na carreira, mas o governo, alegando falta de disponibilidade de recursos, concedeu degraus de apenas 4% entre os níveis de Adjunto(C)/DIII e Associado(D)/DIV.

A proposta de elevar esses degraus de 4% para 5% foi, naturalmente, reapresentada ao governo nas negociações deste ano. Adicionalmente, o PROIFES insistiu na eliminação das duas primeiras classes, com a criação de uma ‘classe de entrada’ com nível salarial 16,3% mais alto que o atual, tornando nossas carreiras muito mais atrativas.

A proposta de ‘reestruturação’ da ANDES/Sinasefe (‘Sete pontos indissociáveis’), de outra parte, é atrasada e antiacadêmica: propõe eliminar as classes (titular, associado e adjunto, no magistério superior), tornando as carreiras anacrônicas em relação a todas as demais existentes no Brasil e no mundo; demanda a redução da Retribuição por Titulação (RT), diminuindo o estímulo à formação docente – a RT de doutor, segundo a ANDES, deveria ser rebaixada, passando dos atuais 115% para 75%; dentre diversos outros aspectos negativos, que apontei no texto original. Além disso, se opõem essas entidades à elevação dos degraus e ao aumento significativo dos salários dos recém contratados, conforme defendido pelo PROIFES.

A aceitação quase integral da reestruturação proposta pelo PROIFES, por parte do governo, foi, portanto, uma escolha acertada, dada de um lado a sua qualidade e, em contrapartida, o caráter retrógrado e frágil da outra proposta. Diante disso, seria de muito bom tom rever a afirmativa de que haveria um ‘jogo combinado’ entre o PROIFES e o governo, que poderia ser interpretada – embora certamente não tenha sido essa a intenção – como teoria conspiratória: uma acusação sem provas ao governo do presidente Lula de ter tido um comportamento pouco republicano na mesa de negociação.

É de se esperar também, nesse episódio, uma avaliação crítica, serena e criteriosa das duas propostas de reestruturação. É fundamental trabalhar no campo dos argumentos concretos, não das especulações, razão pela qual reitero aqui uma questão séria já apontada no meu primeiro texto: a ANDES, em sua última proposta, defende que o salário dos atuais docentes em início de carreira (estágio probatório, que dura três anos) e dos futuros contratados, seja cerca de R$1.300 menor, todo mês, do que o que já está consignado no acordo firmado pelo PROIFES, o que causaria a esses docentes, no período, prejuízo de mais de R$50.000,00. O que dizer sobre isso?

Sobre reajustes lineares

Apresentamos, neste tópico, uma rápida consideração sobre reajustes lineares. A ANDES de início reivindicou reajuste de 53%, além de exigir a revogação de todas as reformas previdenciárias. Nenhuma dessas demandas é incorreta, claro, mas ambas eram (e são), neste momento, totalmente irrealistas, aparentemente desenhadas com a intenção de gerar impasses intransponíveis. Ao final, após a apresentação, pelo PROIFES, de índices de reposição de 3,5% (2024), 9,5% (2025) e 4% (2026), a ANDES encaminhou proposta muito similar – 3,69% (2024), 9% (2025) e 5,16% (2026). Em relação aos reajustes em 2024, essas propostas não foram aceitas.

O diagnóstico aqui foi consensual: ambas as entidades entendiam ser essencial um reajuste já neste ano. O que diferiu foi a avaliação. O PROIFES entendeu que a proposta do governo era o limite ao qual se poderia chegar – uma avaliação que demandava coragem, mas precisava ser feita. E a ANDES, inconformada com a aceitação das propostas de reestruturação do PROIFES, apostou na continuidade e na radicalização do enfrentamento ao governo Lula, achando que com isso irá dobrar a posição de falta de reajuste em 2024. O futuro dirá quem interpretou corretamente a realidade.

Representatividade do PROIFES e da ANDES: chega de notícias falsas!

Entrar nesse tema é de suma importância, porque permitirá superar afirmativas incorretas dos que, por desconhecimento ou má fé, vêm difundindo a tese (falsa) da ‘falta de representatividade’ do PROIFES.

A ANDES é um sindicato interestadual (antigamente nacional, mas hoje não mais, por estar impedida de representar os docentes em vários estados brasileiros). Possui ‘Seções Sindicais’ (SS), que representam docentes de várias esferas, no setor público: distritais, municipais, estaduais e federais. Uma consulta à internet sobre os resultados das últimas eleições da ANDES mostra que as SS correspondentes a universidades e institutos federais (o chamado ‘Setor das Federais’) são 55, com um total de filiados que, em 2023, era de 46.280.

O PROIFES, por seu lado, é uma Federação. Existem 11 Sindicatos federados. Um deles, o Sind-PROIFES (fundado originalmente com o nome de PROIFES Sindicato), pode, por seu estatuto, acolher professores federais de todo o Brasil, e tem filiados em nada menos do que 44 instituições (26 universidades e 18 institutos federais). Os outros 10 sindicatos do PROIFES representam professores de 22 universidades e institutos federais. Em vários casos, um mesmo sindicato representa docentes de várias instituições. A ADUFG, por exemplo, representa professores da UFG, UFCAT e UFJ; a APUB representa professores da UFBA, IFBA, UFOB e UNILAB-Malês; o SindPROIFES-PA representa professores da UFPA, IFPA e UFRA; a ADUFRGS representa professores da UFRGS, do IFRS, do UFCSPA e do IFSUL. O número total de filiados do PROIFES nessas 66 instituições é de 17.238.

Qual é o número de docentes federais, hoje? Nas universidades e institutos federais, somos hoje um pouco mais de 200.000. Isso significa que a representação conjunta do PROIFES e da ANDES, em termos de sindicalizados, é de pouco mais de 30% do total da categoria.

Por outro lado, dos 63.518 docentes federais sindicalizados pela ANDES e pelo PROIFES, a ANDES detém 46.280, ou seja 72,9%, enquanto o PROIFES, 17.238, ou seja, 27,1%. Essa é a proporção de representação de cada qual.

Entretanto, a forma de consulta aos professores muda significativamente a representatividade real das posições defendidas por cada entidade, em especial quando se trata de adesão (ou não) a greves e aprovação (ou não) de propostas apresentadas pelo governo. Isso porque, na ANDES, a definição em relação a essas questões se faz unicamente em assembleias, sem consultas a todos os filiados – e este último método é, de forma geral, o adotado pelos sindicatos do PROIFES, quando de decisões relevantes. Assim, uma busca aos dados disponíveis na internet e nas redes sociais mostra que o número de filiados que participaram de assembleias da ANDES para a definição de entrada (ou não) em greve foi de aproximadamente 10.000, enquanto que nas consultas do PROIFES votaram cerca de 7.000 docentes.

Em outras palavras, a ANDES ouviu 21,6% de sua base, e o PROIFES, 40,6%. Essa é a realidade dos números. Logo, o mito que se procura criar – a falta de representatividade do PROIFES – não tem sustentação nos dados objetivos. Mas há mais do que isso. Os posicionamentos da ANDES se referem unicamente ao que pensam os professores que vão às assembleias, que, como visto, constituem uma pequeníssima parcela do total de docentes.

Muitos optam por não ir a esses encontros, em especial quando se trata de debater e votar questões polêmicas. Para que se tenha uma ideia do nível de tensão que aí pode ocorrer, basta mencionar que em assembleia recente um professor que defendia a não aceitação da proposta do governo agrediu outro, que era a favor, com um soco no olho (fato gravado em vídeo e publicado na internet/redes sociais). Logo, as posições da ‘categoria’ definidas pela metodologia da ANDES se referem às opiniões majoritárias dos militantes que vão às assembleias.

Em contrapartida, os sindicatos vinculados ao PROIFES realizam também assembleias, mas, em geral, optam por definir seu posicionamento – em questões importantes – por intermédio de ‘consultas eletrônicas’ adicionais, em que todos os professores têm direito ao voto, inclusive os que por alguma razão não podem ou não querem ir às assembleias. Por isso o número de docentes consultados pelo PROIFES é percentualmente muito maior. As posições da ‘categoria’, pois, conforme definidas pela metodologia do PROIFES, se referem a opiniões majoritárias de um conjunto proporcionalmente maior de filiados.

É provável que essa diferença de aferição de opiniões contribua significativamente para diferentes conclusões para uma mesma pergunta (como a aceitação ou não de proposta do governo, por exemplo), posto que os dois conjuntos de votantes são, em cada caso, muito diferentes. A esse respeito, não tenho dúvida de que a metodologia do PROIFES tende a resultar em posições mais próximas e representativas das que efetivamente correspondem às opiniões majoritárias do conjunto dos professores federais.

Agora, uma coisa é clara: pelos números acima, fica absolutamente evidente que a tentativa de minimizar e deslegitimar a representação do PROIFES é propaganda enganosa, motivada, em muitos casos, por interesses escusos dos que, não tendo capacidade e/ou vontade política de negociar e firmar acordos, tentam retirar do PROIFES o legítimo direito de fazê-lo.

Além disso, como é sabido, a ANDES apelou à justiça para buscar derrubar o acordo assinado entre o governo e o PROIFES, orientando suas SS a moverem, nesse sentido, dezenas de processos, com pedidos de liminar. Só um deles logrou êxito. A publicação do Registro Sindical do PROIFES, ocorrida esta semana, jogou uma pá de cal nessas tentativas, que a esta altura perderam seu objeto, posto que baseadas exatamente na falta desse documento. Fundamental aqui acrescentar duas observações.

Primeira: o PROIFES cumpre, há muito tempo, as condições requeridas para a obtenção do Registro Sindical, que já vem, assim, bastante atrasado. Segunda: é preciso repudiar com veemência acusação mentirosa que circula nas redes sociais, de acordo com a qual a concessão do registro do PROIFES pelo governo Lula seria uma espécie de retribuição dada à Federação pela assinatura do recente acordo. Como não é possível contestar o mérito da obtenção do registro, busca-se desonestamente difundir desqualificações espúrias. Lamentável.

Destacamos a seguir algumas questões presentes nos parágrafos finais do texto-comentário do professor Valter Pomar.

A mesa de negociação deve tratar de propostas de categorias, não de partidos políticos

A primeira tem a ver com a afirmação de que ‘seria possível avançar mais nas negociações’, isso na opinião de parte do PT, sendo mencionados especificamente “13 presidentes/as de associações docentes que integram o ANDES”.  Vale lembrar que, aqui, o professor se refere à carta que os 13 presidentes enviaram à presidente do PT, solicitando “com urgência uma reunião da executiva nacional para tratar da greve docente federal”. Duas considerações sobre este ponto. Uma delas é que a matéria em tela diz respeito a toda uma categoria, com professores das mais diferentes opiniões políticas e filiações partidárias e, portanto, tem que ser republicanamente discutida pelo todo, e não por uma parte.

A outra é a seguinte: uma tal solicitação passa a impressão de que estaria em curso uma tentativa de influenciar, pela via partidária, o rumo dos acontecimentos, de forma a beneficiar a aceitação da proposta da ANDES, propondo-se para isso não honrar o acordo já firmado pelo governo (também do PT) com o PROIFES. Convenhamos: bastante incorreto e totalmente inadequado. Até porque já haviam sido encerradas as negociações.

A contraproposta da ANDES, embora extemporânea, é ‘assimilável’; mas é muito ruim

A segunda questão tem a ver com a afirmativa do professor Valter Pomar: “o fato é que provamos, por a + b, que o custo total de aceitar a contraproposta da ANDES é totalmente assimilável na atual correlação”. Dois aspectos chamam a atenção. De entrada, a condição de ser ‘totalmente assimilável na atual correlação’ é necessária, mas não é suficiente. Temos acordo em um ponto: a proposta da ANDES é de fato ‘assimilável’ orçamentariamente, até porque prejudica bastante os docentes no início da carreira – e assim economiza recursos, em especial consideradas novas contratações.

Mas isso não basta: a proposta, nesse e em outros aspectos (e essa é uma discussão da qual não se deve fugir), é de péssima qualidade. Não vou repetir aqui os argumentos que já apresentei no primeiro texto, mas o fato é que, em relação a esse ponto fundamental (a baixa qualidade da proposta da ANDES), não foi elencado por Valter Pomar nem um único contra-argumento. O outro aspecto é que, aparentemente, faltou compreender um dado de realidade: as negociações já estão encerradas. Quem disse isso foi o governo (do PT). Está marcada uma mesa, sim, para hoje, 14 de junho, mas é com o MEC e tratará apenas de questões ‘sem impacto orçamentário’. Criar ‘factóides’ a respeito só gera falsas expectativas e, a bem da verdade, deveria ser evitado. Portanto, a esta altura é irrelevante se a contraproposta da ANDES é ou não ‘assimilável’.

Numa mesa de negociação, todos têm que ser ouvidos, não apenas os grevistas

Uma terceira questão refere-se a uma divergência de fundo. Mesmo que as negociações não tivessem terminado, e mesmo que um termo de acordo não tivesse sido assinado, não há concordância com a afirmativa de Valter Pomar, no sentido de que, se o governo quiser ‘um desfecho para a greve’, terá que “negociar com as entidades que representam a maioria dos que estão em greve”. O governo tem que negociar – e assim o fez – com todas as entidades representativas, e o PROIFES é uma delas, e não apenas com porta-vozes de docentes em greve.

Não poderiam de forma alguma ser desqualificados, como interlocutores, representantes de docentes que não estivessem em greve. Entrar (ou não) em greve é uma decisão a ser respeitada, mas que não pode interferir no direito de ser ouvido numa mesa de negociação, que é de todos os docentes, não só dos que escolheram a greve como forma de luta. Agora, um ‘desfecho para a greve’ virá, seja a partir de uma avaliação equilibrada, seja, à falta dela, por falta de sustentação.

Fortalecer o PROIFES: a melhor alternativa do movimento docente

Ainda bem que, em 2004, foi fundado o PROIFES. Não fosse isso, teríamos ficado duas décadas sem assinar termos de acordo, porque essa não é definitivamente a vocação dos que, durante todo esse tempo, vem dirigindo a ANDES. É de domínio público que a atual oposição da ANDES não concorda com quase nada do que a situação faz – até aí temos pleno acordo; ocorre que, ao adotar a tese inatingível de vencer as eleições e, depois disso, dirigir a entidade, esse grupo, na prática, acaba por se confundir com a própria situação e sua atuação política desastrosa e sectária, que em nada contribui para a defesa dos interesses reais dos professores federais.

A tentativa de cancelar o PROIFES e, ao mesmo tempo, fechar os olhos para os erros da direção da ANDES é, assim, um desserviço à construção de um novo cenário de representação – em que todos sejam ouvidos, de forma ampla e transparente. Muito melhor escolha será a de fortalecer o PROIFES, vindo para a Federação: propositiva, plural e verdadeiramente democrática.

*Gil Vicente Reis de Figueiredo é professor aposentado do Departamento de Matemática da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Foi o primeiro presidente do PROIFES.


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