FRAGMENTOS IV

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Por Airton Paschoa*

Prisão domiciliar

Os velhos amuam que nem crianças. Os primeiros porque lhes roubaram o solzinho e as últimas porque lhes tiraram os raios e ralhos. Uns trabalhando mais, outros menos, passam dia e noite risonhamente apreensivos os adultos. Madurões amadurecem, esperando tempo bastante de apodrecer. Os jovens não se conformam; não fizeram nada e nada podem fazer. A penitenciária a céu aberto, tantos a tomando por liberdade… como por liberdade tomavam o regime semiaberto em que viviam. A quantos, que importa o sol nascer quadrado? seja forma atual de suprematismo, seja forma aberta de supremo autismo.

princípio

sempre igual e sem igual
meço e estremeço
os milhões de manhãs que despontaram
os milhares de manhãs que apontaram
espertando esperança
nem que ponta
ao anverso oposta
de lança
de lâmina
de desânimo
cansado o coração
de bater e apanhar

elefantíase

tromba e tromba
o tempo tolo

[tábua]

ondas de calor
ondas de rádio
ondas de ódio
ondas de medo
ondas médias
e só de passar roupa

a tábua

Geológica

Era que recubra esta era.
Não sobre pedra sobre pedra.
Sequer ira.
Sequer hera.

Suíte

O Impossível, o impossível impensável, o que risca o céu e rasga o véu, o que pula o tempo e pulsa a têmpora, o que arca, o que descortina e desatina, o que é arco e é íris, o que estica a corda e corta a fala e corta à faca, o impossível impassível, o que é, senão o que toca o celo?

Ditadura

Vamos pensar que cada manhã redime toda manhã. Senão… Não. Não pode haver alternativa. Se houver… Precisamos negar, negar. Precisamos instituir a manhã como unidade de tempo, como a única unidade do tempo! Sim, sem senão. Sem possibilidade de destituição. Precisamos acreditar que cada manhã absolve toda manhã, que toda manhã, cegamente, piamente crer que toda manhã redime cada manhã. Dia após dia. Precisamos, precisamos. Precisamos crer. Precisamos decretar. Precisamos esquecer, não podemos esquecer, precisamos decretar a ditadura das manhãs.

*Airton Paschoa é escritor, autor, entre outros livros, de A vida dos pinguins (Nankin, 2014).

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