Fragmentos XXI

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por AIRTON PASCHOA*

Sete peças curtas

Museu de cera

Meu avô ouvia no rádio Vicente Leporace.
O avô do meu neto assistia Artur da Távola na TV.
Um falava de política, outro de música clássica.
O neto, mudo, não vê nem ouve.
Curte, ama, compartilha, ilhado.

 

O cubo ao quadrado

Dentro do cubo rola a culpa.
A culpa da culpa da culpa…
Que culpa tenho eu?
Sobe e desce, com os ombros.
Rio abaixo, rio acima.
Que culpa temos nós?
Interrogo o pai, o filho e espirro.
Seis, o cubo cai.
A manhã nasce fria feito sala de IML.
O peito palpita e não pode palpitar.
As solas de borracha apagam os passos.

 

Andantino

Riscam, coriscam, cãibra!
O caco de luz, o corte de azul, o sangue do lusco-fusco.
E os olhos fechados e a respiração flechada.
Respiro fundo e passo.

 

Sismo

Quando apagamos a luz
e nos damos as costas
o leito se abre e rolando vai
cada qual no seu abismo.
Claro que retornamos
e o novo dia vai raiar
e você vai rir e ralhar
e tornar a dormir e acordar. Mas

é impossível evitar o leve tremor.

 

Parede

Estranho. De tão belo o balé evocava a infância. Foi o que disse à repórter que o entrevistara. A prefeitura distribuía sopão cultural à população faminta de beleza. Num desses pontos estarrecia de emoção com o corpo jamais visto, colado ao poste, o pintor de parede. De que infância fazia cartaz o miserável… Da nossa? com as cantigas de roda rodando no tempo veloz a passos sempre mais desgarrados? Da sua, cercada de adultos imensos e misteriosos, quase deuses em seu poder de amar ou matar? Da infância da humanidade em balé solene à roda do Sol? Daquela infância que jamais vivemos e passamos a vida tentando esquecê-la? Não falou, voltou à parede como quem volta as costas. E o tremor de ombros de longe em longe tem cara de sestro de infância.

 

Desenho

Faz tempo que não desenho.
A palavra manhã, por exemplo. Nascendo com seus montes e lagos, seu sol subindo detrás da encosta, à altura quase da pequenina nuvem poente.
Ou seriam pernas como raios correndo por cima de tudo atrás da pipa cortada?
Manhã.
Manhã que sem nuvem, de um azul de doer, vem deixando repontar no peito e na pedra, manhosamente, o que sempre foi e é desde que a inscreveu o primeiro homem com estilete e esperança.

 

O poeta aureolado

O poeta laureado recita na Universidade
ele mora pertinho
O poeta laureado é chamado quando tem festa no câmpus
foi aluno professor poeta laureado
O poeta laureado é uma sumidade na comunidade
dá a largada na regata resgata os argonautas
Chove aplauso
o poeta laureado fala do tempo
do amor da morte da metamorfose
depois volta pra casa
A casa é grande e ensolarada
como o riso da mulher que ama
e prepara o pato com laranja
O poeta laureado come o pato com laranja
e vai votar a Diana o poema que rumina
O poeta aureolado é americano

*Airton Paschoa é escritor, autor, entre outros livros, de Banho-maria(e-galáxia, 2021, 2.ª edição, revista).

 

 

 

 

 

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Ricardo Musse Francisco de Oliveira Barros Júnior Vinício Carrilho Martinez Renato Dagnino Gerson Almeida Kátia Gerab Baggio Dênis de Moraes Luiz Carlos Bresser-Pereira Mariarosaria Fabris Fábio Konder Comparato Luis Felipe Miguel João Adolfo Hansen Andrés del Río Claudio Katz Benicio Viero Schmidt Antônio Sales Rios Neto Osvaldo Coggiola Salem Nasser Andrew Korybko Leonardo Sacramento Érico Andrade Luiz Marques Atilio A. Boron Fernão Pessoa Ramos Jean Marc Von Der Weid Vanderlei Tenório Heraldo Campos Eugênio Trivinho Alexandre Aragão de Albuquerque Michael Roberts Ronaldo Tadeu de Souza Michael Löwy Luís Fernando Vitagliano José Luís Fiori Francisco Pereira de Farias Marjorie C. Marona Alexandre de Lima Castro Tranjan Marilena Chauí Marcos Silva Valerio Arcary Eliziário Andrade Mário Maestri Chico Whitaker João Paulo Ayub Fonseca Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Vladimir Safatle Yuri Martins-Fontes Boaventura de Sousa Santos Antonino Infranca Paulo Capel Narvai Dennis Oliveira Priscila Figueiredo Ricardo Abramovay Antonio Martins José Geraldo Couto Celso Frederico Alexandre de Freitas Barbosa Anselm Jappe João Feres Júnior José Micaelson Lacerda Morais Walnice Nogueira Galvão Gilberto Maringoni Everaldo de Oliveira Andrade João Carlos Salles José Dirceu Rafael R. Ioris Bento Prado Jr. Marcos Aurélio da Silva Matheus Silveira de Souza Ronald Rocha Lincoln Secco Valerio Arcary Tales Ab'Sáber Luiz Bernardo Pericás Sergio Amadeu da Silveira Remy José Fontana Afrânio Catani João Lanari Bo João Carlos Loebens Henri Acselrad André Singer Lorenzo Vitral Ari Marcelo Solon Daniel Brazil Jorge Branco Luiz Roberto Alves Paulo Nogueira Batista Jr Leda Maria Paulani Eleutério F. S. Prado Paulo Sérgio Pinheiro Ricardo Fabbrini Marcelo Guimarães Lima Francisco Fernandes Ladeira Ricardo Antunes Luiz Renato Martins Carla Teixeira Ladislau Dowbor Samuel Kilsztajn Daniel Costa Jorge Luiz Souto Maior Chico Alencar Caio Bugiato Lucas Fiaschetti Estevez Plínio de Arruda Sampaio Jr. Ronald León Núñez Flávio Aguiar Airton Paschoa Marcus Ianoni Gabriel Cohn Manchetômetro Luiz Eduardo Soares Carlos Tautz Eleonora Albano Annateresa Fabris Paulo Fernandes Silveira Eugênio Bucci Marilia Pacheco Fiorillo Armando Boito Denilson Cordeiro Bruno Fabricio Alcebino da Silva Manuel Domingos Neto Jean Pierre Chauvin Igor Felippe Santos Tadeu Valadares Sandra Bitencourt Maria Rita Kehl Bernardo Ricupero José Machado Moita Neto Alysson Leandro Mascaro João Sette Whitaker Ferreira Flávio R. Kothe Luiz Werneck Vianna André Márcio Neves Soares Elias Jabbour Bruno Machado Luciano Nascimento Slavoj Žižek Eduardo Borges Michel Goulart da Silva Henry Burnett Otaviano Helene Fernando Nogueira da Costa Rubens Pinto Lyra Paulo Martins Gilberto Lopes Thomas Piketty José Raimundo Trindade Rodrigo de Faria Berenice Bento Tarso Genro Marcelo Módolo Juarez Guimarães Leonardo Avritzer Julian Rodrigues Liszt Vieira José Costa Júnior Celso Favaretto Leonardo Boff Milton Pinheiro Daniel Afonso da Silva

NOVAS PUBLICAÇÕES