Fragmentos XXXIV

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Por AIRTON PASCHOA*

Oito peças curtas

Pelo sinal

Freio de fim de ano – freio de arrumação? Imperativo de segurança diminuir a velocidade. Sobrevivente algum há de querer levar ao pé da letra a virada. Impõe cuidado a curva – sobremodo se topamos novo túnel.

Não haverá de ser nós, porém, pelo sim, pelo não, a rasgar o tradicional protocolo de polidez – Feliz Túnel Novo!

Virada

Sempre me indaguei por que estimava tanto a expressão entrado em anos. Atribuía a bossa antiga à elegância que emana do feliz eufemismo, leve, etérea, apta a estranhamente eternizar. Hoje, entrado em anos, topei a verdadeira resposta. A cada entrada de ano nos perguntamos, entre brincos e brindes, viva! se vamos sair dele.

Kryptonita

(história enquadradinha)

Quando o Super-homem cai do cavalo, literalmente, e resta tetraplégico agoniados anos antes de bater as botas, ele que não podia mais batê-las, literalmente, como qualquer cavalariço, dizer o quê? que é diretor sádico o Destino, ácido, sarcástico, sardônico, mordaz, escarninho? que não podemos, nem em quadrinhos, quadrões, telinhas, telões, não podemos nem um tantinho brincar de condição sobre-humana, de querer sobrepassar condição cujo Frágil, por fora e por dentro estampado e tapado, carrega cada caixão? A kryptonita é um aviso… tanto quanto qualquer gripe, que pode dar crepe.

[diário oficial]

Faço saber, a quem interessar possa, que decidi voltar às “citações”, gênero que inventei, com perdão da imodéstia, tocado pelos novos tempos – togado? Com as intimações, deixo de aborrecer os amigos, tais os ataques postais a cuja tortura os submeto desde a criação, salvaguardando assim os raros que inda me restam, e continuo a cumprir um mandado estúpido, vai saber de que juízo, se não for da própria falta dele, que é o de ficar mandando pelos ares a mim mesmo… Eis os cacos (e cacoetes).

[todo-foderoso]

Faço saber, a quem interessar pocilga, que prossiga. De minha parte declaro, baixo e malsão, nossa onimpotência.

[novidade?]

Faço saber, a quem interessar possa, que nunca falto de sorrir, por dentro, à amável pergunta de praxe dos amigos – alguma novidade? Na minha idade novidade é câncer. E passo bem sem ela. Mas respondo – felizmente nenhuma. Sorriem, talvez sem entender… coisa que também não é novidade, felizmente, e é o meio de mantê-los.

[mai uai]

Faço saber, a quem interessar possa, que nutro imorredoura admiração, fascinação, veneração de dobrar as patelas por quem, ao cabo da vida, assevera que, vivendo de novo, faria tudo exatamente do mesmo jeito, igualzinho, tintim por tintim. Em português decente, babo de inveja, uai. Soberba à parte, ou só birra, os birrentos, ou são invulgarmente inteligentes, cientes que não se pode fugir ao que se é, ou sofrem de falta de imaginação de doer. Eu faria tudo diferente, tudin’ por tudin’. Se tenho outra chance, por que repetir a farsa? Por não ter sido o Sinatra, decerto, mas, pra ser franco, por saber o que é ser eu, meu deus, coisa que não se deseja ao próprio inimigo… mesmo porque continuaria a ser eu, hem? ia ser outro, mas tão outro, tão outro que terminava marciano – Márcio, ao menos, exceto este asco, ou Ascânio, exceto este asno, Ânio que fosse (antes pelo meio que todo pelo cano).

[américa fucking]

Faço saber, a quem interessar tensão, que tem um problema a américa. Lá se trepa em tudo que é trem, avião, carro, dentro, fora, pia, bancada, escada, em cima, embaixo, mesa, idem, guarda-roupa, tábua de passar roupa, atriz de passar roupa, em tudo que é suporte, benza deus! só não se trepa em árvores, por razões meio ambientais, quero crer, e em camas tampouco, por ser lá desconfortáveis, presumo, quer em si, quer aos amantes, feitas que são das descascadas coitadas, inibindo os descascados coitosos. Fato é que não tem fim o clinche: o guy pega a guria e joga na parede, a gurya revida, jogando-o na porta, o cara a atira de cara na parede contrária, a cara de cara amassada pega e remessa na mesa o gajo, o qual contra-ataca e a pincha no chão, gaja que por sua vez recontra-ataca, jogando o guyri no teto, e por aí vão, de suporte em suporte até o insuportável. Um dia, queira ícaro, atravessam a janela e estrebucham no asfalto, ao passo que os atrasados de cá, que nem nós, continuam decaindo na tentação de velho toro.

*Airton Paschoa é escritor. Autor, entre outros livros, de Peso de papel (e-galáxia, 2022).


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