Por FERNANDO RIOS*
Poemas
“Bem que dizem que o contrário da vida não é a morte. É o medo” (Giovana Madalosso, Batida só).
1.
há uma certa morte
que não pede licença em gaza
e emerge um império do medo
palestinos passam o dia de mãos dadas com ela
e ela quase não dá conta
competindo com caronte
a travessia do aqueronte e do estige
não há moedas que cheguem
para tantos olhos vidrados
para tantos corpos explodidos
expostos por tanta ira
uma vida agônica
escondida, de soslaio
apenas espreita no canto
devidamente amordaçada
se condoendo em dor
(e a torá e o alcorão
pregam infinita paz
imenso amor)
há muito erro nesse horror
2.
diariamente
uma bélica vida
e uma morte armada
aparecem sorridentes
galhardamente triunfantes
comemorando as chacinas
do dia anterior
cada uma ao seu jeito
de um lado nefasto
essa estranha vida
essa estranha morte
registram suas vitórias
comemoram suas vítimas
nas páginas dos jornais
nas notícias de rádio e tv
3.
que mundo é esse
em que vida e morte
cada uma ao seu feitio
aliadas ao necrófilo capital
à mortal finança tecnológica
juntas num lado doentio
aplaudem tanto horror?
que vida e morte matam?
qual vida morre?
quem chora?
quem comemora?
4.
em gaza não há cuidados paliativos
não é a morte quem decide
quem determina
é uma vida armada assassina
cuidadosamente teleguiada
por sobre vidas acuadas
vida e morte se encontram
se fazem se desfazem
mutiladas por uma indústria bélica
tecnodramaticamente
tecnotragicamente
em tiros, drones, foguetes,
sem qualquer cerimônia
sem hora nem vez
sem data nem nada
apenas um tudo horrendo
que ordena e comanda o genocídio
um nazifascismo cancerígeno
uma metástase social
5.
mas tem um paradoxo
judeus e palestinos nasceram juntos
descendem do mesmo pai
um glorioso patriarca
abraão para judeus
ibrahim para muçulmanos
judeus descendem de seu filho isaac
árabes, mesmo os palestinos
descendem de seu filho isma’il
e que doloroso é ver parentes
uns rindo
outros chorando
diante de tanto morticínio!
e por cima
um imenso lucro recheia cofres
unindo bolsas de dinheiro e sangue
6.
mas um lado sofre mais a destruição
mas um lado lamenta
seus 50.000 mortos ou mais
que aumentam a cada dia
quem mata?
quem assassina?
que triste sina…
essa morte que tem nome e endereço
não tem qualquer respeito pela vida
e quer destruir o outro
até não existir mais qualquer corpo
há vida por toda parte
há morte por toda parte
cada vez mais
viver faz parte de uma arte
mas há uma certa morte
milimetricamente calculada
com todo horrendo ofício
com toda maléfica fortuna
que não pede licença em gaza
*Fernando Rios é jornalista, poeta e artista plástico.
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