Por Tércio Redondo*
É pré-carnaval, mas a república já rasga a fantasia, ou a máscara, como se queira.
No Rio de Janeiro, o ministro da economia adotou o vocabulário de Goebbels para falar do servidor público. Como o judeu na Alemanha de Hitler, no Brasil de Guedes e Bolsonaro o servidor é o parasita que suga o sangue vital da nação. É possível que, numa próxima manifestação em defesa da pátria vitimada, o ministro apresente em didático power point os traços fisiognomônicos compartilhados por professores, médicos, enfermeiros e policiais, bem como pelos funcionários de carreira do ministério. O ministro há de fazer a lição de casa: primeiro o diagnóstico clínico, depois o tratamento para erradicar a doença.
O recém-saído secretário da cultura já esboçara um discurso goebbelsiano, com direito a cenário e figurino impecáveis. Apenas a interpretação ficou a desejar, e por isso foi substituído por uma atriz. Na Inglaterra achou-se estranho que uma atriz de soap opera tivesse assumido a tarefa, mas os jornalistas da ilha pensaram: a performance da própria família real não tem sido grande coisa. Na verdade, tem se revelado bastante constrangedora. Abstenhamo-nos por hora de criticar os bárbaros.
No Supremo Tribunal Federal, uma ministra decidiu que a ofensa pessoal é um direito constitucional do senhor Presidente da República. Não ficou claro se o direito se estende aos demais cidadãos. Seria possível, por exemplo, chamá-la de malandra e permanecer impune? Dificilmente. Ao ser chamada de malandra, num gesto de grandeza moral ela poderia até mesmo se basear na jurisprudência recém constituída e declarar: sejamos justos! Inocentei o Presidente, não posso agora pedir a punição de quem me chama de malandra. O problema é que, como acontece todos os dias, a decisão monocrática da ministra poderia ser revertida pela decisão monocrática de outro ministro. E então? A questão seria levada ao plenário da corte, e o incauto ficaria à mercê dos insondáveis humores de seus membros.
O carnaval está chegando. Terão os fascistas tempo e vontade de inventar uma nova fantasia ou decidiram que o rei ficará definitiva e despudoradamente nu? E o menino que aponta o dedo para o soberano? Em lugar do lança-perfume terá de se contentar com o gás de pimenta?
*Tércio Redondo é professor de literatura alemã na USP.