Jair Bolsonaro aprisionou a direita

Imagem: Yogendra Singh
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por GERSON ALMEIDA*

A direita tende a ficar cada vez mais restrita aos setores menos sensíveis ao diálogo e prisioneira da liderança tóxica de Jair Bolsonaro

Apesar de um amplo espectro de lideranças conservadoras darem sinais de que pretende viabilizar uma transição negociada e construir um nome alternativo para a direita, Jair Bolsonaro luta desesperadamente para impedir o surgimento de qualquer alternativa ao seu nome.

A convocação de um ato público para tentar transformar em perseguição política as investigações em curso – que já reuniram um conjunto de provas insofismável da conspiração golpista arquitetada no próprio gabinete presidencial –, serviu mais para mostrar a incapacidade de Jair Bolsonaro em continuar hegemonizando o amplo campo conservador e reacionário que ele conseguia galvanizar nos últimos anos.

A amplitude desse campo foi tal, que atraiu apoio político e social suficiente para reger a afinada orquestra que executou o golpe, retirou Dilma Rousseff do governo, impediu Lula de concorrer e guindou um abjeto admirador de torturadores à presidência da república. Uma trama complexa como esta se tornou possível apenas em razão da ampla penetração do bolsonarismo em algumas das principais estruturas do Estado, notadamente no sistema de justiça e nas forças de segurança. Algo que exige medidas profiláticas rigorosas em defesa da democracia, tema não será desenvolvido neste artigo.

O ato realizado na Avenida Paulista mostra pelo menos duas coisas relevantes: (a) Jair Bolsonaro quer reafirmar a sua liderança e não deseja viabilizar qualquer alternativa ao seu nome; (b) a sua base social está se estreitando aos segmentos da ultradireita política e aos setores subordinados ao domínio de lideranças pentecostais, como o protagonismo financeiro e político de Silas Malafaia na sua organização tornaram claro.

Independente do número de pessoas reunidas, o ato mostrou que Jair Bolsonaro não é mais um líder em cuja proximidade todos desejam estar e queiram ostentar. Por exemplo, apenas quatro governadores estiveram presentes: Tarcísio de Freitas (SP), Ronaldo Caiado (GO), Jorginho Mello (SC) e Romeu Zema (MG) e 94 deputados, mostrando que há muita gente querendo ficar distante e não deseja compartilhar fotos com o mito, apesar de Jair Bolsonaro e sua entourage terem jogado pesado para cobrar o apoio dado aos líderes eleitos com o seu apoio e terem constrangido possíveis dissidências.

A fala de Silas Malafaia é o melhor exemplo da atmosfera reinante na manifestação. Enquanto ele repetia a ladainha conhecida contra o STF e chamava as investigações contra os golpistas como perseguição política, um a um dos governadores presentes foram se afastando dele e chegaram a descer do palanque, procurando se distanciar do discurso que esposavam até pouco tempo atrás.

O líder religioso e um dos principais financiadores do ato em defesa dos golpistas mostrou que sentiu o abandono e vociferou contra os aliados: “Cambada de frouxos, covardes e X9. São caras que estão ali, mas não estarão ali. Eles desceram porque são frouxos” (jornal Metrópoles), fazendo exceção ao governador Tarcísio de Freitas por não ter “compactuado com a molecagem”, mesmo que o governador de São Paulo tenha feito questão de demonstrar algum desconforto.

Ou seja, mesmo em um ato destinado a demonstrar força e unidade política para viabilizar as condições para uma anistia política aos já condenados e aos que deverão chegar à prisão pelo caminho pavimentado por fartas provas, as principais lideranças já não conseguem mais transitar à vontade em espaços nos quais costumavam atuar como verdadeiros Popstars. Alguns deles vão e pagam o pedágio necessário para não caírem em desgraça, mas deixaram de lado a submissão que caracteriza a adesão aos líderes de perfil autoritário.

É verdade que Jair Bolsonaro continua sendo um líder influente. Mas é evidente que a vitória de Lula e as provas de que ele e sua guarda pretoriana conspiravam contra a soberania popular do voto estão fazendo com que ele perca capacidade de atrair setores para além daqueles fanatizados pelo ideário da ultradireita e pela cegueira imposta pelos mercadores da fé, que manipulam a palavra de Deus com a finalidade de amealhar poder político e acumular riqueza material.

Assim, a direita tende a ficar cada vez mais restrita aos setores menos sensíveis ao diálogo e prisioneira da liderança tóxica de Jair Bolsonaro, o que evitará a construção de qualquer transição concertada, processo no qual o comprometimento do líder é essencial. O caso mais emblemático disso foi realizado pelo então presidente Lula que, impossibilitado de concorrer uma terceira eleição consecutiva, em 2010, ungiu a sua sucessora e lhe colocou à disposição toda a sua autoridade e legitimidade, sem o qual não seria possível alcançar o objetivo de dar seguimento ao projeto político.

As diferenças entre ambos são tão grandes que, enquanto Jair Bolsonaro convoca um ato para implorar anistia e não consegue mais atrair os setores sociais que outrora ele foi capaz de galvanizar, Lula convocou o ato de 8 de janeiro e reuniu as principais autoridades políticas e do judiciário do país para construir as condições políticas necessárias para a restauração da democracia, do desenvolvimento econômico e social da nação e responsabilizar todos aqueles que se valeram do poder que lhes foi conferido pela democracia para roubá-la do povo brasileiro. É essa unidade do campo democrático que nos está permitindo avançar na punição dos golpistas, muito mais do que foi possível no pós-ditadura.

*Gerson Almeida, sociólogo, ex-vereador e ex-secretário do meio-ambiente de Porto Alegre, foi secretário nacional de articulação social no governo Lula 2.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Michael Löwy José Micaelson Lacerda Morais Maria Rita Kehl Jean Pierre Chauvin Carlos Tautz Fábio Konder Comparato Paulo Martins Henry Burnett Eugênio Bucci Chico Whitaker Liszt Vieira Lorenzo Vitral Kátia Gerab Baggio Marcos Aurélio da Silva Manuel Domingos Neto José Machado Moita Neto Flávio Aguiar Jean Marc Von Der Weid Sandra Bitencourt Rafael R. Ioris Paulo Nogueira Batista Jr Bruno Machado João Adolfo Hansen Caio Bugiato Everaldo de Oliveira Andrade Fernando Nogueira da Costa Matheus Silveira de Souza Alexandre de Lima Castro Tranjan Walnice Nogueira Galvão Atilio A. Boron Daniel Brazil Vinício Carrilho Martinez José Dirceu Luiz Renato Martins Vladimir Safatle Sergio Amadeu da Silveira Daniel Afonso da Silva Osvaldo Coggiola Daniel Costa Denilson Cordeiro Priscila Figueiredo Mariarosaria Fabris Bruno Fabricio Alcebino da Silva Eduardo Borges Boaventura de Sousa Santos Leonardo Boff Luiz Carlos Bresser-Pereira Marcos Silva Dênis de Moraes Marcus Ianoni Ricardo Antunes Fernão Pessoa Ramos Luciano Nascimento Lincoln Secco Thomas Piketty Gilberto Maringoni Ronald Rocha Manchetômetro Gilberto Lopes Luiz Roberto Alves Andrew Korybko Paulo Capel Narvai Francisco Fernandes Ladeira André Singer Tadeu Valadares Salem Nasser João Sette Whitaker Ferreira Érico Andrade José Raimundo Trindade Julian Rodrigues Samuel Kilsztajn João Lanari Bo Eleutério F. S. Prado Juarez Guimarães Paulo Sérgio Pinheiro Valerio Arcary Luis Felipe Miguel Leonardo Sacramento Andrés del Río Berenice Bento Rodrigo de Faria Afrânio Catani Antonino Infranca José Geraldo Couto João Paulo Ayub Fonseca Mário Maestri Slavoj Žižek João Carlos Loebens Ari Marcelo Solon Ricardo Musse Valerio Arcary Leda Maria Paulani Plínio de Arruda Sampaio Jr. Paulo Fernandes Silveira Eliziário Andrade Ricardo Abramovay Elias Jabbour Marcelo Guimarães Lima Armando Boito Francisco de Oliveira Barros Júnior Antonio Martins Chico Alencar Luiz Marques Eugênio Trivinho Michael Roberts Jorge Branco Luís Fernando Vitagliano Marcelo Módolo Yuri Martins-Fontes José Costa Júnior Alysson Leandro Mascaro Celso Frederico Antônio Sales Rios Neto Ricardo Fabbrini Vanderlei Tenório João Feres Júnior Jorge Luiz Souto Maior Annateresa Fabris Milton Pinheiro Ronald León Núñez Marjorie C. Marona José Luís Fiori Luiz Eduardo Soares João Carlos Salles Ronaldo Tadeu de Souza Lucas Fiaschetti Estevez Luiz Bernardo Pericás Francisco Pereira de Farias Gabriel Cohn Renato Dagnino Claudio Katz Marilia Pacheco Fiorillo Airton Paschoa Henri Acselrad Ladislau Dowbor Tales Ab'Sáber Bento Prado Jr. Gerson Almeida Luiz Werneck Vianna Bernardo Ricupero Michel Goulart da Silva Carla Teixeira Flávio R. Kothe Tarso Genro Anselm Jappe Otaviano Helene Rubens Pinto Lyra Marilena Chauí Remy José Fontana Leonardo Avritzer Alexandre de Freitas Barbosa Heraldo Campos Celso Favaretto Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Alexandre Aragão de Albuquerque Benicio Viero Schmidt Dennis Oliveira Igor Felippe Santos Eleonora Albano André Márcio Neves Soares

NOVAS PUBLICAÇÕES