Lula não pode temer o militar

Ex-presos políticos da Ditadura/ Fonte: Lançamento do livro "Bagulhão" pela Comissão da Verdade de S.Paulo
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MANUEL DOMINGOS NETO*

O grito “sem anistia” exprime a vontade democrática. Mas há um enorme fosso entre essa vontade e a organização Forças Armadas missionadas para garantir a soberania nacional e democracia

Para Oswald Barroso

A ministra Luciana Santos e o ministro Camilo Santana suspenderão o financiamento de pesquisadores que estudem o golpe de 1964 e a ditadura que se seguiu? A UnB será impedida de promover homenagem póstuma a Honestino Guimarães, assassinado pela ditadura?

O Ministério da Educação sustará reverências a Anísio Teixeira e Paulo Freire? Deixará de implementar políticas contrárias ao ensino cívico-militar propugnado pelos fascistas? Punirá professores que aludam ao golpe militar em sala de aula?

A ministra Marina Silva cancelará estudos ambientais que se refiram à devastação da Amazônia promovida pela Ditadura?

O ministro Sílvio Almeida coordenará o “esquecimento” do terrorismo de Estado praticado por mais de duas décadas?

A ministra Anielle Franco ignorará a homofobia e a misoginia praticada nos quartéis? As homenagens aos golpistas serão suprimidas dos logradouros das cidades brasileiras? O busto do golpista Castello Branco será retirado do hall da Escola de Comando e Estado Maior do Exército?

A orientação governamental para que os agentes públicos silenciem sobre o golpe de 1964 é esdrúxula e inexequível. Como entendê-la?

Dissemina-se entre certos democratas a falsa ideia de que a contenção do intervencionismo político castrense deve ser operada pela Polícia Federal, Ministério Público e STF. O governo não teria nada a ver com isso. Lula teria agido corretamente ao interditar, no âmbito governamental, iniciativas relacionadas ao Golpe de 1964. Assim, apaziguaria “tensões” e governaria com tranquilidade.

Essa ideia destitui Lula da condição de comandante supremo das Forças Armadas, conforme definido pela Constituição. Cabe ao presidente definir as diretrizes para a organização, funcionamento e emprego do aparelho militar. Cumpre-lhe exigir que seus subordinados acatem a lei.

A orientação de Lula confere autonomia descabida às Forças Armadas. As corporações militares não podem ser entregues à sua própria vontade. Isso respaldaria a noção de que o militar constitui poder moderador, conforme o discurso fascista. Militar não é responsável, em última instância, pelos destinos do Brasil.

Não cabe ao Comandante Supremo negociar politicamente com os comandantes. Comandante comanda; político negocia com político. A ideia de confronto entre o poder político e as Forças Armadas admite a insubordinação. Ao poder político cumpre exercer autoridade constitucional cobrando obediência e disciplina. A atuação do Judiciário não suprime a responsabilidade do Presidente.

É compreensível a atitude temerosa de Lula diante dos quartéis. Todos nós tememos o desconhecido e Lula, como a maioria dos brasileiros, desconhece o militar.

Lula parece não entender que o militar é um agente público educado para cumprir ordens. Se não as recebe, decidirá por conta própria o que fazer. Tramará em busca do comando político. Desavisado, Lula está estimulando a insubordinação da caserna.

É verdade que a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário cercam os militares mais reconhecidos como atuantes na arena política. Mas trata-se de um cerco limitado: o conjunto das corporações têm responsabilidades na eleição de um promotor do descalabro. A punição de algumas dezenas de oficiais, mesmo de alta patente, será recado importante, mas insuficiente.

O Brasil precisa de novas diretrizes para a Defesa Nacional. Se bem definidas, essas diretrizes orientarão uma reforma do aparelho militar. Não se trata de punir e, muito menos, promover desforra. Trata-se de preparar o Estado para exercer sua soberania em um mundo conflagrado. Neste mister, o Comandante Supremo é insubstituível.

O grito “sem anistia” exprime a vontade democrática. Mas há um enorme fosso entre essa vontade e a organização Forças Armadas missionadas para garantir a soberania nacional e democracia.

Quando Lula detiver conhecimento dos problemas da Defesa e dos assuntos militares, compreenderá que não tem direito de temer o soldado. Nem terá motivo para isso. Emitindo ordens claras e justificadas, o soldado atenderá o Comandante.

*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). Autor, entre outros livros de O que fazer com o militar – Anotações para uma nova Defesa Nacional (Gabinete de Leitura). [https://amzn.to/3URM7ai]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
João Lanari Bo Daniel Afonso da Silva Rubens Pinto Lyra Jorge Branco Flávio Aguiar Afrânio Catani Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Paulo Nogueira Batista Jr Luciano Nascimento Bernardo Ricupero João Feres Júnior Liszt Vieira Thomas Piketty Elias Jabbour Bruno Machado João Carlos Loebens Eleutério F. S. Prado Ricardo Fabbrini Julian Rodrigues Plínio de Arruda Sampaio Jr. Alexandre de Freitas Barbosa Marilia Pacheco Fiorillo Valerio Arcary Airton Paschoa Marcelo Guimarães Lima José Dirceu Luiz Eduardo Soares Luiz Carlos Bresser-Pereira Chico Alencar Caio Bugiato Jorge Luiz Souto Maior André Singer Heraldo Campos Antonio Martins Gabriel Cohn Luiz Marques Paulo Martins Atilio A. Boron Luiz Werneck Vianna Yuri Martins-Fontes José Raimundo Trindade Kátia Gerab Baggio Ricardo Abramovay Remy José Fontana Érico Andrade João Sette Whitaker Ferreira José Micaelson Lacerda Morais Manchetômetro Flávio R. Kothe Eduardo Borges Marcos Aurélio da Silva Priscila Figueiredo Walnice Nogueira Galvão Luiz Renato Martins Otaviano Helene Leonardo Sacramento José Geraldo Couto Renato Dagnino Mário Maestri Ronald León Núñez Benicio Viero Schmidt Henri Acselrad Henry Burnett Gilberto Lopes Marcus Ianoni Marjorie C. Marona Paulo Sérgio Pinheiro Fernando Nogueira da Costa André Márcio Neves Soares Paulo Fernandes Silveira João Paulo Ayub Fonseca Vanderlei Tenório Everaldo de Oliveira Andrade Berenice Bento Luis Felipe Miguel Boaventura de Sousa Santos Lorenzo Vitral Valerio Arcary Maria Rita Kehl Anselm Jappe Alysson Leandro Mascaro Armando Boito Tales Ab'Sáber Igor Felippe Santos Fábio Konder Comparato Daniel Costa Eliziário Andrade Bento Prado Jr. Vinício Carrilho Martinez Leonardo Avritzer Celso Favaretto Paulo Capel Narvai Celso Frederico Leda Maria Paulani Lucas Fiaschetti Estevez José Machado Moita Neto Mariarosaria Fabris Marcos Silva Eugênio Bucci Jean Marc Von Der Weid Jean Pierre Chauvin José Costa Júnior Dênis de Moraes Matheus Silveira de Souza Milton Pinheiro Rodrigo de Faria Juarez Guimarães Ari Marcelo Solon Eugênio Trivinho Francisco de Oliveira Barros Júnior Ronaldo Tadeu de Souza Andrés del Río Sergio Amadeu da Silveira Rafael R. Ioris Slavoj Žižek Andrew Korybko Michel Goulart da Silva Salem Nasser Ricardo Musse Carla Teixeira Sandra Bitencourt Antonino Infranca João Carlos Salles Manuel Domingos Neto Luís Fernando Vitagliano Gerson Almeida Luiz Bernardo Pericás Lincoln Secco Chico Whitaker Carlos Tautz Luiz Roberto Alves Fernão Pessoa Ramos Daniel Brazil Ricardo Antunes Marilena Chauí Leonardo Boff Alexandre Aragão de Albuquerque Denilson Cordeiro Vladimir Safatle Claudio Katz Michael Löwy Marcelo Módolo Alexandre de Lima Castro Tranjan Bruno Fabricio Alcebino da Silva Tarso Genro Osvaldo Coggiola Eleonora Albano Samuel Kilsztajn Ladislau Dowbor Ronald Rocha Francisco Pereira de Farias Gilberto Maringoni Antônio Sales Rios Neto Francisco Fernandes Ladeira José Luís Fiori Tadeu Valadares João Adolfo Hansen Annateresa Fabris Dennis Oliveira Michael Roberts

NOVAS PUBLICAÇÕES