Por PROFESSORES EMÉRITOS*
Abaixo-assinado da comunidade acadêmica da Unicamp em defesa da democracia e pelo respeito ao resultado das eleições de outubro de 2022
A Universidade Estadual de Campinas, criada logo após o golpe civil-militar de 1964, conviveu – durante as suas duas primeiras décadas – com a falta de liberdades democráticas, a censura nos planos da educação e da cultura e a repressão política. Como comprovam os trabalhos da Comissão da Verdade e Memória “Octavio Ianni” da Unicamp (2013-2015), a comunidade acadêmica, durante a ditadura militar (1964-1985), foi afetada por “permanentes ameaças e violências concretas, mas também – por meio da resistência democrática que protagonizou – se opôs ao obscurantismo cultural e ao arbítrio representados pelo terrorismo de Estado então vigente”.
Na longa noite de arbítrio e autoritarismo que se abateu sobre o país, a Unicamp buscou, pois, resistir às tentativas de controle e subordinação aos objetivos políticos e estratégicos defendidos pelos dirigentes da ditadura militar, seja no plano federal, seja no plano estadual. Com destemor e firmeza, a Universidade procurou manter sua autonomia acadêmica e científica bem como sua independência política e ideológica diante das frequentes ameaças, vindas de agentes e aparelhos da ditadura militar.
Uma manifestação exemplar destes compromissos pode ser comprovada no plano simbólico. Sob a vigência da rígida censura ao debate público e pensamento crítico, a Unicamp concedeu o título de Doutor Honoris Causa – a mais alta homenagem acadêmica da instituição – a pesquisadores, acadêmicos, artistas, literatos, clérigos que eram consideradas “subversivos” e “inimigos públicos” do regime de 1964.
Recentemente, e ainda no plano simbólico, a Unicamp expressou seu inequívoco compromisso com os valores democráticos. Por meio de uma Placa de bronze, erigida no centro do campus, a universidade fez questão de, publicamente, homenagear “homens e mulheres da comunidade acadêmica que, lutando pela redemocratização, sofreram violências físicas e morais durante a ditadura militar”.
Em tempos recentes, a comunidade acadêmica não deixou de se posicionar. O processo de impeachment do governo de Dilma Rousseff foi um desses momentos. Nestes seis últimos anos, desde o traumático impedimento – que permitiu a governos federais e estaduais radicalizarem políticas econômicas de natureza neoliberal – a comunidade universitária não tem abdicado de manifestações críticas, pois a questão democrática e a crise econômica passaram a centralizar o debate político nacional.
Desde então, centros de estudos e núcleos de pesquisas da Unicamp têm oferecido estudos e trabalhos altamente qualificados sobre: o desmonte das políticas públicas; o desemprego estrutural; o aumento da miséria e o endividamento da população; as contrarreformas trabalhista e da previdência; a ausência de uma política ambiental e a devastação do meio ambiente; a escalada da violência contra os povos indígenas (retirada de direitos, invasão de terras e o avanço de atividades ilegais) etc. As entidades representativas da comunidade acadêmica têm se somado ao conjunto dos setores democráticos da sociedade civil ao levantarem suas vozes contra os ataques às minorias, aos movimentos sociais, às áreas da educação, à pesquisa, à cultura e à saúde pública.
Sobre este último tipo de ação governamental, avultam o negacionismo da ciência e os profundos cortes nos investimentos públicos, responsáveis diretos pela crise sanitária sem precedentes que ainda enfrenta o país. Mais de 680 mil vidas de brasileiras e brasileiros, ceifadas pela pandemia de Covid-19, não deixam de ser o mais trágico legado deste retrocesso social e econômico ao qual o país tem sido submetido nos últimos quatro anos deste irresponsável e desastroso governo federal.
A dois meses das eleições de outubro, setores democráticos da sociedade civil se mobilizam, pois a democracia no Brasil está sendo, cotidianamente, atacada por altos dirigentes do atual governo. Não se trata de uma afirmação retórica: a democracia no Brasil está em risco! Neste momento, a comunidade acadêmica da Unicamp, igualmente, não deve se silenciar!
Instituição que, desde sua criação, esteve comprometida com a intransigente defesa dos valores democráticos, a Unicamp repudia quaisquer ações que possam contribuir para a ruptura constitucional e o retrocesso político advindo de mais um golpe de Estado. De forma límpida e definitiva, a comunidade acadêmica se manifesta em defesa da realização de eleições livres e do respeito aos seus resultados.
Ao defendermos, de forma resoluta, a democracia política no país, não podemos deixar de reafirmar nosso compromisso com a efetivação de políticas públicas que, no próximo governo federal, enfrentem as profundas desigualdades sociais e as discriminações de todas as espécies bem como se comprometa com a defesa do ensino público, gratuito e de qualidade no Brasil.
Nós, Professores Eméritos e uma pesquisadora Doutora Honoris Causa da Unicamp, ao encabeçarmos este Manifesto, conclamamos a todo/as os professores, funcionário/as e estudantes de nossa universidade a também assiná-lo.
Antônio Augusto Arantes, professor emérito, IFCH
Antônio Carlos Boschiero, professor emérito, IB
Bernardino Ribeiro de Figueiredo, professor emérito, IG
Carlos Alfredo Joly, professor emérito, IB
Carlos Rodrigues Brandão, professor emérito, IFCH
Carlos Vogt, professor emérito, IEL
Dermeval Saviani, professor emérito, FE
Elza Salvatori Berquó, Doutora Honoris Causa, Nepo-IFCH
Hermano Medeiros Ferreira de Tavares, professor emérito, FEEC
José Mário Martinez Perez, professor emérito, IMECC
Luiz Sérgio Leonardi, professor emérito, FCM
Maria Stella Bresciani, professora emérita, IFCH
Rodolfo Ilari, professor emérito, IEL
Rogério Cezar de Cerqueira Leite, professor emérito, IFGW
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