Por BÁRBARA CASTRO, LYGIA SABBAG FARES, PATRÍCIA VIEIRA TRÓPIA & SELMA CRISTINA SILVA*
O compromisso por maior valorização e reconhecimento do trabalho das mulheres precisa estar visceralmente atado à agenda redistributiva
As mulheres brasileiras contribuem enormemente para a produção da riqueza nacional, embora o reconhecimento e a retribuição material por este trabalho sejam inferiores aos recebidos pelos homens.
Responsabilizadas pelo trabalho reprodutivo, elas dedicam mais tempo às atividades domésticas e de cuidados, o que torna sua inserção no mercado de trabalho mais precária. Estão mais presentes em trabalhos sem registro, a tempo parcial e mais concentradas em atividades concebidas como extensão do trabalho doméstico e de cuidados.
A sociedade trata ensinar, cuidar, limpar, cozinhar, como atributos naturais de ser mulher – algo feito por amor, não como trabalho. Não à toa essas atividades têm menor status social e, se pagos, remuneração inferiores.
Um mercado de trabalho competitivo, com jornadas desreguladas e que ultrapassam as 40 hs semanais, leva mulheres e homens a delegar para uma maioria de mulheres negras o trabalho que possibilita, afinal, continuarmos vivos. São elas que mantêm nossas casa e espaço de trabalho limpos, crianças e idosos cuidados e comida pronta – seja em casa, seja no restaurante a quilo. A maioria de mulheres negras entre empregadas domésticas e cuidadoras explicita o lugar subalterno a que são relegadas em nossa história, cunhada na escravização.
Não à toa, a informalidade persiste nesses setores, com a negação, na prática, do que a PEC das Domésticas garantiu e o veto, pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), ao projeto de lei que regulamenta a profissão de cuidadoras de idosos. As profissionais da educação infantil também lutam para serem reconhecidas como docentes. Portanto, reconhecer a centralidade desses trabalhos é um desafio primordial.
Como a pandemia e a crise econômica recentes demonstraram, as mulheres são as principais afetadas por um Estado que transferiu a responsabilidade pelos cuidados da crise sanitária ao espaço privado. Elas ampliaram sua participação entre as pessoas desalentadas e indisponíveis para trabalhar. Tornou-se ainda mais penoso ter um trabalho remunerado em 2021, com as creches e escolas fechadas e o atraso no início da vacinação.
Nesse sentido, agendas políticas que defendem igualdade racial e de gênero precisam se comprometer com a universalização de equipamentos públicos de cuidado, como creches e espaços para idosos. Também é necessário estimular a criação de licenças igualmente divididas entre os pais, realidade em muitos países, responsabilizando os homens pelo cuidado. É urgente a atuação do Estado na promoção de mudanças estruturais e culturais: manutenção da política de cotas raciais no ensino superior; campanhas públicas para desnaturalizar competências e habilidades com viés de gênero e raça; e uma educação antissexista e antirracista.
As mulheres organizadas em movimentos sociais priorizaram a valorização do salário mínimo como agenda política no início dos anos 2000. Marchas organizadas para Brasília foram encampadas pelo movimento sindical e se desdobraram na maior conquista redistributiva do século XXI, com redução na distancia salarial entre homens brancos, mulheres brancas, homens negros e mulheres negras. Tal conquista, alcançadas nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT), foi descontinuada pelos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro.
A redução das desigualdades sociais no Brasil passará, necessariamente, por uma agenda feminista e antirracista. As mulheres são as principais afetadas pela descontinuidade de políticas redistributivas, pelas alterações que flexibilizam a jornada e contratos de trabalho e pelo desestímulo do Estado à diversificação produtiva. É preciso retomar uma agenda que aposte na qualificação, formalização, redução da jornada sem redução dos salários, garantia efetiva do intervalo durante a jornada de trabalho para o aleitamento e valorização real do salário mínimo.
O compromisso por maior valorização e reconhecimento do trabalho das mulheres precisa estar visceralmente atado à agenda redistributiva. Apenas assim, elas terão uma retribuição à altura da sua parcela na produção de riquezas para o país.
*Bárbara Castro é professora do Departamento de Sociologia da Unicamp.
*Lygia Sabbag Fares é professora no Brooklyn Institute for Social Research (New York).
*Patrícia Vieira Trópia é professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
*Selma Cristina Silva é professora do Departamento de Educação da UFBA.
Publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo.
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