Por FRANCISCO FERNANDES LADEIRA*
Por aqui, a Terra deixará de ser plana e voltará a ser redonda
Se tivéssemos que resumir 2022 em poucas palavras, provavelmente escreveríamos a seguinte frase: “o ano em que minimamente voltamos a normalidade”. Depois de 2020 e 2021 praticamente dominados pela pandemia da Covid-19, neste ano, enfim, à medida do possível, levamos uma vida sem máscaras, teletrabalho e distanciamento social. Não obstante, após quatro anos de pesadelos proporcionados por um governo fascista, também podemos dizer que, a partir de 1º de janeiro, estaremos livres de outro vírus, com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva para seu terceiro mandato presidencial.
No entanto, isso não significa, necessariamente, que novo coronavírus e bolsonarismo sumiram do mapa. Os atos antidemocráticos em todo o país, após as eleições de outubro, e o aumento de casos de Covid-19, nos últimos dias, nos indicam que teremos grandes desafios para 2023. Como diz o ditado: “nem tudo são flores”. Tal como Lula, figuras obscuras como Sergio Moro, Damares Alves, Tarcísio de Freitas, Eduardo Bolsonaro, Mario Frias e Ricardo Salles também saíram vitoriosas nas urnas. Porém, agora lutamos em condições muito mais favoráveis do que outrora.
Ainda no cenário nacional, 2022 foi marcado pelos embates entre bolsonaristas e Supremo Tribunal Federal, pelas tragédias (mais “humanas” do que “naturais”) causadas pelas chuvas em Capitólio e Petrópolis, pelo surto de varíola dos macacos e pelo fantasma da inflação. No mês de maio, tivemos a notícia de que o clássico álbum Clube da esquina, merecidamente, foi eleito “o melhor disco brasileiro de todos os tempos”. Uma reparação histórica a uma obra-prima que, até então, não tinha o devido reconhecimento.
Por falar nisso, Milton Nascimento, nome mais emblemático da música mineira, completou 80 anos em 2022 (assim como Caetano Veloso, Paulinho da Viola e Gilberto Gil). Em contrapartida, a cultura tupiniquim perdeu Gal Costa, Elza Soares, Claudia Jimenez, Erasmo Carlos e Rolando Boldrin.
Nos noticiários internacionais, os principais destaques foram a guerra Rússia/Ucrânia, a reeleição de Emmanuel Macron na França, a morte da rainha Elizabeth II, as mobilizações de mulheres no Irã, o golpe de Estado contra o presidente peruano Pedro Castillo, a compra do Twitter por Elon Musk e o sensacional, épico e dramático título da Argentina de Lionel Messi na Copa do Mundo do Catar. Desse modo, o futebol sul-americano comprovou que não é inferior ao europeu, como alguns gostam de propagar.
Conforme dados divulgados pelo Google, neste ano, entre os temas mais pesquisados pelos brasileiros no principal site de buscas na internet, estiveram “eleições”, “Copa do Mundo” e “Guerra Rússia e Ucrânia”. Um bom retrato do que foi (o movimentado) 2022.
Dizem que a passagem de ano é um acontecimento meramente simbólico. Não muda coisa alguma. É apenas uma forma de contarmos mais um ciclo de translação da Terra. Entretanto, no Brasil, a virada de 2022 para 2023 marcará a passagem do “fascismo” para a “democracia”, do “obscurantismo” para as “luzes”, de um governo “exclusivamente direcionado aos interesses dos ricos” para um governo “também voltado para os anseios populares”.
Por aqui, a Terra deixará de ser plana e voltará a ser redonda, vacinas deixarão de transformar pessoas em jacarés e voltarão a ser eficazes, nazismo deixará de ser de esquerda e voltará a ser de extrema direita, ciência e universidade voltarão a ter mais credibilidade do que o grupo do zap.
Diante dessa realidade, não por acaso, “esperança” foi eleita a palavra do ano de 2022 por brasileiros ouvidos por uma pesquisa da consultoria Cause e do Instituto de Pesquisa Ideia. Enfim, temos bons motivos para comemorar esta passagem de ano. Tomara que “cercadinho”, “motociata” e “gabinete do ódio”, entre outras aberrações, se tornem apenas tristes lembranças de uma página infeliz de nossa história. Adeus “1964”. Que venha 2023!
*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em geografia na Unicamp. Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (CRV).
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