O cartão corporativo e a lanchonete

Imagem: Agruban
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Por PAULO CAPEL NARVAI*

Jair Bolsonaro financiou a ação de golpistas, pagando comida com dinheiro público?

Perguntaram-me sobre o uso de cartões corporativos, numa dessas conversas em grupo de WhatsApp. O uso por Bolsonaro e por… Lula e Dilma Rousseff, que teriam feito algo parecido, nos seus governos.

Era um contexto moral e as implicações políticas disso. A indagação era se esse uso poderia violar o princípio constitucional da moralidade na administração pública? Minha resposta foi “não”.

Quando um agente público usa um cartão corporativo, seus gastos estão previamente autorizados, para desburocratizar e agilizar suas ações. Trata-se de modernização administrativa para otimizar o uso do tempo de trabalho de autoridades públicas. Mas são, apenas, tecnologia. Portanto, esse uso não é bom nem mau, por si. Tudo depende do uso que se faz dos cartões.

A CIA usa. A NASA usa.

Já pensou um agente da CIA pedindo autorização para comprar um kibe? Um astronauta pedindo a um funcionário autorização para encher o tanque do seu carro, a caminho do trabalho?

O sujeito compra, paga e, outro funcionário da administração avalia os gastos dele, aplicando o princípio da razoabilidade.  Se os gastos são compatíveis com a operação, ok, aprova-se. Se algo destoa, pede-se explicação ao titular do cartão.

O que houve no governo Lula?

Orlando Silva, então ministro dos Esportes, pagou por uma tapioca, usando o cartão corporativo. Poderia estar em alguma missão, durante o horário de trabalho. Ou saindo de uma sessão de cinema. Era ministro de Estado. A mídia fez um barulho enorme com esse episódio. Para evitar o que houve, o ministro de Lula poderia ter pago a tapioca com o cartão pessoal. Mas usou o corporativo. Pois foi o que bastou para ser “crucificado” pela sanha udenista, sobretudo à direita, mas também à esquerda. Ou seja, o uso da tecnologia está e estará, sempre, condicionado à política.

Mas, atenção: que tal ir ao que é relevante no uso do cartão de Jair Bolsonaro, na lanchonete paulistana? O que houve? Ele resolveu simplesmente “dar um troco” para um amigo? Claro que não. O dono do estabelecimento comercial, seja quem for, foi provavelmente fornecedor de lanches para o acampamento golpista montado na frente do quartel. É isso que deve ser investigado. Jair Bolsonaro financiou a ação de golpistas, pagando comida com dinheiro público?

Penso que é disso que se trata, hoje, agora. Esclarecer se Jair Bolsonaro está envolvido em mais essa, depois de tantas.

Falo “em tese”, decerto, pois nem sei se os gastos na lanchonete de São Paulo são contemporâneos do acampamento de golpistas. Por isso, é preciso investigar…

*Paulo Capel Narvai é professor titular sênior de Saúde Pública na USP. Autor, entre outros livros, de SUS: uma reforma revolucionária (Autêntica)

 

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