Por MARCELO GUIMARÃES LIMA*
“DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA (e adiamos o nosso golpe)”, assinado: Jair Messias Bolsonaro.
Jair Bolsonaro capitulou. Ao menos por hoje e por algum tempo mais que ninguém pode dizer qual será, mas que é certamente limitado. Jair Bolsonaro, aprendiz de ditador sustentado pelas Forças Armadas, viu que não pode tudo. Mas Jair Bolsonaro também não pode negar sua natureza profunda de agitador (profissional) de extrema direita.
Se o fizesse, seu destino seria não a prisão ou morte, como ele próprio anunciou de modo melodramático recentemente, mas a instituição mental, o Juqueri, como se dizia antigamente, vítima de gravíssima confusão mental e surto paranoico. Pois seu mundo, aquele que ele construiu em décadas de oportunismo político, rachadinhas, demagogia e proximidade ao submundo miliciano, ruiu em poucas horas. Mas Bolsonaro, passado o momento imposto de “sincero arrependimento”, vai se recompor na figuração de sempre, ou o dano psíquico ao Narciso dos quartéis será irremediável.
O golpe desejado, proclamado e mal articulado, diluiu-se. Ficou na vontade e na incapacidade, na ação imaginária, no grito com o qual o candidato a Mussolini nacional fez a sua fama, na violência dos pronunciamentos e ofensas, na agressiva vulgaridade do personagem saído da escola da ditadura militar, na intimidação sistemática dos adversários com a qual fez carreira e supôs exercer a presidência.
O mundo conspiratório de Bolsonaro revelou afinal um personagem menor cuja preocupação essencial é hoje salvar sua própria pele e evitar a prisão da família contraventora que ele encabeça.
O golpe de Estado seria para Bolsonaro a solução. Na verdade é a única solução possível. E portanto, a meta do golpe não será, não pode ser abandonada. Bolsonaro recua hoje, paga um enorme preço junto ao “gado”, mas sabe ou imagina que a extrema direita não tem outro para por no seu lugar. Como também não tem alternativa de liderança “popular” as Forças Armadas, que são um dos esteios do atual regime golpista brasileiro inaugurado em 2016.
No chove não molha da “oposição” de direita a Bolsonaro, alguém teria que dar o primeiro passo: o impulsivo chefete ou chefão de estado não aguentou a tensão do cerceamento jurídico-policial e partiu pra briga, chamou seus desafetos publicamente para o enfrentamento. Não deu certo. Não assustou os adversários. Teve que recuar de modo ignóbil para os seus aliados, defensores e seguidores fanatizados. Assinou um pedido público de desculpas que cobrou um alto preço entre seus apoiadores e comensais.
Mas, aqui entre nós, Bolsonaro é um sujeito volúvel, aparentemente contraditório no seu radicalismo, mas de “convicções” profundas, isto é de automatismos solidificados de comportamento e metas. Não tem compromisso com os fatos ou mesmo com o que diz ou o que diz que pensa. Nega hoje o que disse ontem e o que dirá amanhã.
Bolsonaro é o escorpião da fábula.[1] Ai da direita golpista, e de todos que recuarem neste momento face ao “mea culpa”, ao sentido “ato de contrição” público do chefete. O aparelho neofascista-neoliberal por detrás da figura grotesca do atual chefe de estado, saberá tirar lições do ocorrido. Permitir ao adversário ganhar tempo e se recompor é o que absolutamente não pode ser feito.
Bolsonaro poderá ser sacrificado no altar do golpe e do regime golpista atual. Após o que, a violência do regime se fará mais dura, mais casuística e mais abrangente contra a esquerda. Não podemos deixar que a queda necessária e urgente de Bolsonaro seja assunto privado dos donos do país.
*Marcelo Guimarães Lima é artista plástico, pesquisador, escritor e professor.
Nota
[1] A fábula do escorpião: “O escorpião, que não sabe nadar, convence o sapo a transportá-lo de uma margem a outra na lagoa. No meio da travessia fere o sapo mortalmente.” Mas por que ? pergunta o sapo moribundo, vamos morrer os dois!”, “Não posso evitar, responde o escorpião, é da minha natureza”.