Por PEDRO HENRIQUE M. ANICETO*
Considerações sobre a especificidade da homofobia no Brasil
No mundo contemporâneo, em meio ao boom informacional advindo da evolução do “hiper capitalismo”, nota-se, de certa forma, uma maior expressão de grupos minoritários nas mídias sociais exercendo seu local de fala. A construção de plataformas de comunicação de massa e em massa permite com que sejam expressos determinados pontos de vista – de negros e negras, indígenas e comunidade LGBTQIA+ – que eram abertamente ignorados e deslegitimados.
No entanto, ao passo em que esse feito beneficiou tais segmentos da população, houve a eclosão de grupos conservadores de cunho fascista, que, respaldados em uma moral neopentecostal patética, tecem opiniões e comentários criminosos e discriminadores, usando as plataformas de redes sociais como palco para esse teatro dantesco de preconceitos. Dessa forma, em meio a era digital – marcada pelo maior acesso a informações já presenciado pela humanidade – deve-se levar à discussão as formas de manifestação física e simbólica da homofobia no Brasil e quais são os modelos queer “tolerados” por essa sociedade doente e hipócrita.
No ano de 2023, com sondas espaciais orbitando Marte e a mais complexa matemática sendo desenvolvida em centros de pesquisas, ainda existem discussões utópicas e, por vezes, absurdas acerca da concepção conservadora da moralidade e ideologia de gênero. Muitos acreditam que essas colocações são fruto do resultado das eleições presidenciais de 2018, em que um homofóbico racista autodeclarado assumiu o cargo mais importante da nação brasileira, mas a questão tem origem muito mais profunda na construção do nosso país.
A execução do indígena Tibira, morto com um tiro de canhão pelos colonizadores europeus, comandados pelo frade Yves d’Évreux, por ser homossexual, evidencia não somente o passado macabro e violento sob qual o Brasil se formou, como exemplifica a natureza ideológica e simbólica da concepção de gênero. Os fatos de que para nativo e sua comunidade, o comportamento que ele praticava era completamente prosaico e da ausência de contato com a cultura do povo europeu e, por consequência, da influência dela para classificar o comportamento homossexual como demoníaco, mostra que as definições de gênero nas diferentes culturas são distintas. Logo, não existe um papel específico e natural para um homem ou para uma mulher no ambiente, mas sim, construções sociais que determinam o que é ou não tolerado em determinado lugar e em determinada época.
A partir disso, podemos afirmar que a homofobia é fruto de uma construção social e ideológica de base misógina, uma vez que todo e qualquer comportamento que se distancie daquele que seria desenvolvido por um “homem propriamente dito” é considerado errado ou inferior, seja o exercido por mulheres, seja por membros da comunidade LGBT.
Isso fica ainda mais claro a partir do século XIX, em que o caráter da homossexualidade passou de ser de cunho ontológico, ou seja, o desempenho de atividade sexual determina uma identidade. Nessa conjuntura, o homem gay é deslocado de sua masculinidade biológica para um local onde o seu ser é definido unicamente pelo comportamento sexual que ele desempenha, sendo marginalizado, violentado e, por vezes, morto. Assim, para tentar ser aceito, o indivíduo tenta negar sua essência, buscando comportamentos que o devolva a identidade de homem, comportamentos heteronormativos.
Dessa forma, existem grupos queer que são mais “aceitos / tolerados” do que outros. Esses são aqueles que, seja por uma coerção social, seja por simples vontade e personalidade, vivem sob os padrões dogmáticos estabelecidos, utilizando um termo marxista, pela superestrutura, ou seja, pelo setor dominante da sociedade. Portanto, aproximando-se da concepção da “tradicional família brasileira”, consumindo o que deve ser consumido, fazendo o que deve ser feito, se vestindo da forma com que é determinado. Mas, aqueles que não se encaixam nesse padrão, aqueles cuja potência de viver está simplesmente voltada a algo diferente é demonizado, taxado de promíscuo e desviado, em que a própria essência é vista como algo a ser combatido, assim como o próprio indivíduo.
Nota-se, assim, que, apesar da menor recorrência de manifestações físicas de violência com os grupos queer “tolerados”, o açoite simbólico que rompe com a essência e com a liberdade desses indivíduos determina direta ou indiretamente suas ações, afastando-os do seu próprio eu ou da possibilidade de descobri-lo.
*Pedro Henrique M. Aniceto é graduando em ciências econômicas na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
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