Por KARIN BRÜNING*
Será que estamos diante de um ecocídio ou um suicídio em massa? Porque, afinal, todos sabemos que ar a gente não escolhe, mas respira o que tem
O termo “ecocídio” se refere à destruição em massa ou danos graves aos ecossistemas, normalmente causados por atividades humanas, que podem envolver ações como desmatamento, poluição, pesca excessiva e a utilização de produtos químicos, com impactos amplos e de longo prazo no meio ambiente. O termo significa essencialmente “matar o meio ambiente” e tem recebido apoio para ser tratado como um crime internacional, semelhante ao genocídio.
Nos últimos dias, a fumaça nos céus do Brasil chegou a ocupar cinco milhões de quilômetros quadrados, segundo dados do INPE, correspondendo a 60% do nosso território. São Paulo atingiu o posto de cidade com pior ar do mundo, Belo Horizonte ficou coberta de fuligem, Rondônia teve voos cancelados pela fumaça, no Acre atividades físicas foram suspensas nas escolas e Brasília atingiu somente 7% de umidade, para citar alguns dados da pior seca já registrada no país.
Será que estamos diante de um ecocídio ou um suicídio em massa? Porque, afinal, todos sabemos que ar a gente não escolhe, mas respira o que tem. Então, se os incêndios são o resultado de problemas climáticos, cuja causa está no desmatamento praticado há décadas, ou da ação pontual de criminosos, o resultado é o mesmo: a destruição de todos nós.
Em março de 2023, o Parlamento Europeu propôs a inclusão de infrações ao nível do ecocídio na Diretiva Criminal Ambiental. Esses crimes envolvem ações que causam danos graves, de longo prazo, generalizados ou irreversíveis ao meio ambiente, como danos ao ar, ao solo, à qualidade da água ou à biodiversidade.
A Amazônia até o momento já perdeu cerca de 18% de sua área florestal original, devido à exploração madeireira, agricultura e pecuária. Nas taxas atuais de desmatamento, o chamado “ponto sem retorno”, de 20-25% de destruição da floresta, pode ser atingido em poucos anos, potencialmente desencadeando mudanças irreversíveis, uma vez que, quando as árvores são derrubadas, a floresta restante se torna mais vulnerável. O desmatamento reduz a capacidade de a floresta gerar sua própria chuva, levando a condições de seca que estressam o ecossistema e dificultam a regeneração da floresta.
Muitos não se sentem tocados por essas informações, porque ignoram que até mesmo para termos um celular precisamos de água. É a chamada “água invisível”, necessária para a produção de praticamente tudo que temos no nosso planeta e, até mesmo, para a transmissão de dados. O data center do Google, por exemplo, em 2020 consumia aproximadamente 12,4 terawatt/hora e o resfriamento dessas máquinas precisa de água.
A Amazônia desempenha um papel crítico na regulação do clima da Terra. No dia 28 de agosto, o satélite Copernicus captou a imagem de uma mancha de fogo, com cerca de 500 km de altura e 400 km de largura, localizada no sul da Amazônia. O colapso desse bioma liberaria enormes quantidades de carbono armazenado, acelerando as mudanças climáticas e desencadeando padrões climáticos mais extremos em todo o planeta.
Nos últimos anos, a região está passando por estações secas mais longas e mais intensas, antes de 2 a 3 meses e mais recentemente de 4 a 5 meses. À medida que as temperaturas aumentam devido ao aquecimento global, mais a floresta se enfraquece, ficando mais suscetível a incêndios e ao desmatamento.
Não podemos mais agir como se a natureza, a flora e a fauna, fossem algo “externo”, que não nos toca diretamente, uma vez que as evidências nos são mostradas diariamente. Será que estamos tão resignados que não concebemos outra opção a não ser termos 50% da população mundial sofrendo com problemas alérgicos até 2050 (ONU) devido à poluição? O SUS teria condição de lidar com essa situação?
É importante acreditarmos que ainda há tempo de mudarmos essa apatia tóxica em relação às notícias apocalípticas ambientais, que recebemos todos os dias. Todos somos essenciais nesse processo, seja plantando árvores, economizando energia, desenvolvendo tecnologias sustentáveis, mas, sobretudo, disseminando, no nosso meio ou através das redes sociais, que não podemos continuar agindo de forma inconsequente em relação à natureza e às questões ambientais, pelo simples fato de que sem ela não existimos. Isso não é questão de ideologia, nem de política, mas de sabedoria.
*Karin Brüning é cientista e ambientalista, doutora em química pela UFRJ. Fundadora da Play Recycling, plataforma de educação ambiental.
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