O PT e o partido dos evangélicos

Imagem: David Buchi
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Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*

Considerações sobre a importância dos evangélicos nas eleições

O Partido dos Trabalhadores (PT) é igual e oposto ao Partido dos Evangélicos (PE)? São dois partidos políticos no sentido de serem instrumentos para ações coletivas em busca de poder republicano em um Estado constitucionalmente laico?

Tinham o mesmo número de simpatizantes, segundo a Datafolha anterior, porém, o Partido dos Evangélicos percentualmente tinha menos trabalhadores e mais crentes entre os 10% mais ricos em renda familiar mensal no Brasil. Na pesquisa feita em 18 de agosto de 2022 houve elevação do número de eleitores simpatizantes do PT para 42,2 milhões frente aos 39,1 milhões de crentes. Mas 1/5 dos evangélicos são simpatizantes do Partido dos Trabalhadores.

Se o PT tem mais de ¼ de eleitores simpatizantes e os “sem partido” são metade de todo o eleitorado, cada petista deve convencer um deles.

A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, em 17 de abril de 2019, tinha 202 deputados e 9 senadores. Tinha deputados de 19 partidos, inclusive 4 eram do PT, comprovando ocupar diversos espaços institucionais.

Embora chamada de evangélica, ela inclui parlamentares com fé católica, espírita ou ainda quem não assume nenhuma religião. O Partido Liberal (PL), partido atual do presidente passageiro, tem a maior representatividade, com 42 parlamentares. O Republicanos, vinculado à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e o Partido Social Democrático (PSD), vêm em sequência, com 29 e 28 signatários, respectivamente.

Entre esses “partidos evangélicos (sic)” – apoiadores do Tchutchuca do Centrão –, somente o PL tem 3% de simpatizantes (4,7 milhões eleitores), em contraste com os 27% ou 42,2 milhões de eleitores simpatizantes petistas. Quando se considera os “crentes” strictu sensu, isto é, adeptos da fé protestante, os percentuais do Partido dos Evangélicos e do PT nas duas faixas de mais baixa renda até 5 salários-mínimos se aproximavam, na pesquisa anterior, com supremacia de um ou dois pontos percentuais dos petistas mais pobres.

O fato de o PT ter a preferência acima das faixas do total com menos ensino e renda, respectivamente, 34% contra 31% com ensino fundamental e 62% contra 51% abaixo de 2 salários mínimos, na nova pesquisa da Datafolha, propicia muito mais eleitores como ponto-de-partida frente aos demais partidos. Estes 25,5 milhões simpatizantes com menos “sorte de berço” têm um peso decisivo no favoritismo da eleição de Lula no dia 2 de outubro de 2022.

Neste quesito, é interessante comparar esse novo perfil da amostra do Datafolha (51% abaixo de 2 salários-mínimos) com outras pesquisas. No IPEC (ex-IBOPE), em sua amostra de 2.000 entrevistados, 1.112 ou 56% representaram essa faixa de baixa renda. O PT tinha 41% da preferência entre os com renda até um salário-mínimo e 31% entre um e dois.

A QUAEST mostra em seu perfil da amostra 38% abaixo de 2 salários-mínimos, ou seja, 15 pontos percentuais abaixo da DataFolha e 18 do IPEC. Em contraste, sua estratificação social em renda familiar (e não dos trabalhadores individuais como seria de esperar para identificar eleitores) coloca 40% entre 2 e 5 salários-mínimos e 22% acima de 5 salários-mínimos. As participações relativas nessas duas faixas de renda consideradas pela DataFolha, 33% e 10%, respectivamente, se aproximam mais dos dados de renda média mensal do trabalho da PNADC do IBGE.

O IPEC considera 25% na faixa [2-5 SM] e 13% na acima de 5 salários-mínimos. A FSBpesquisa do BTG-Pactual (feita por telefone) tem como faixas de renda familiar 43% até 2 salários-mínimos, 39% na faixa [2-5 SM] e 17% acima de 5 salários-mínimos.

Os resíduos percentuais são explicados como entrevistado “não sabe” ou “se recusa a informar”. De qualquer forma, os perfis das amostras das pesquisas eleitorais parecem ser bastante arbitrárias por não serem padronizadas com base em dados oficiais.

Pior ainda diz respeito aos dados sobre o número de crentes evangélicos. Não há Censo Demográfico no Brasil há 12 anos! Quem sabe?!

O perfil da amostra da DataFolha os representa como 25% de todos os religiosos e ateus. Na amostra do IPEC são 27,6%. É similar à participação na pesquisa da Quaest: 27%. Contrastam com 23% de evangélicos na FSB pesquisa do BTG-Pactual.

Apesar dessas diferenças, esta última mostra o candidato casado com a fanática evangélica com 49% das preferências dos evangélicos contra 30% optando pelo marido da Janja, ou seja, 19 pontos percentuais sobre 23% daria 4,4% de diferença em eleitores crentes favoráveis ao defensor do armamentismo, violência e morte. Não é contraditório com a crença religiosa?!

A última pesquisa Datafolha apurou: o Lula teria hoje 32% dos votos de evangélicos e 47% da preferência total. No caso do rival, para evitar “já ir”, o apoio no meio evangélico sobe para 49% e entre o público em geral, 32%. Os evangélicos parecem viver em mundo paralelo ao dos não evangélicos, um é o avesso do outro: aquele quer discutir pauta de costumes (conservadores) em debate eleitoral para escolha de presidente da República.

Os não crentes necessitam defender o Estado laico (não religioso e tolerante com todas as religiões e o ateísmo), enquanto o debate relevante seria sobre o projeto de Nação. Está em jogo sim a continuidade ou não do neoliberalismo fiscalista, causador de quatro décadas de estagnação econômica. Não à toa os mais pobres trabalhadores apoiam o programa social-desenvolvimentista, testado e aprovado entre 2003 e 2014, para retomada do crescimento econômico, sustentado em longo prazo, com geração de ocupações e renda, além da política social ativa.

Muitos pastores do rebanho pagador de dízimo pregam, em seus templos, o voto em um sujeito com discurso eleitoreiro pseudorreligioso, mas de fato apenas defensor de seu clã político e dos intere$$es de sua casta de militares. Para conduzir ao autoengano, recorre à luta do bem contra o mal, ao conflito com materialistas, à promiscuidade e ao demônio. Nesse maniqueísmo da “teologia do aprisionamento”, vai contra todos os preceitos teológicos, inclusive contra a depuração do mal em si – e não em outro.

Paradoxalmente, pela pauta econômica (renda), as evangélicas pobres seriam muito propensas a votar em Lula. Imigrantes do meio rural (ou descendentes dos expulsos pela falta de reforma agrária e mecanização da agricultura) com baixa instrução e valores conservadores, nas grandes cidades, elas se chocam com a violência, os vícios e a pauta de lutas identitárias (feminismo, anti homofobia e liberdade individual de dispor do próprio corpo) da nova esquerda – e ainda não perceberam a luta antirracista e o pacifismo averso a armas se encontrar dentro delas.

Entretanto, o PT é o partido com mais evangélicos simpatizantes acima de qualquer outro: 19% ou 8 milhões. Em seguida vem o PL, partido do Tchutchuca do Centrão, com 1,7 milhão de crentes. O PT possui cerca de 24,5 milhões de simpatizantes católicos.

Nessa “luta religiosa”, na qual está sendo transformada a eleição presidencial de 2022, em lugar de um debate público sobre as futuras condições econômicas e sociais, contemplando as últimas três semanas, a pesquisa DataFolha mostrou diferenças desfavoráveis a Lula na classe média baixa (menos um milhão de votos na faixa de 2 a 5 salários-mínimos) e nos evangélicos (menos 391 mil votos), praticamente compensadas pelo ganho de 829 mil votos na faixa até 2 salários-mínimos e 329 mil acima de 10 salários-mínimos.

Diferenças foram favoráveis ao inominável, nas últimas 3 semanas, exceto na classe de renda baixa e nos “outros”, isto é, os ateus e adeptos de outras religiões fora a católica e a evangélica.

Apesar disso, todas as pesquisas persistem – como acontece há mais de um ano – em apontar a vitória do Lula talvez já no primeiro turno. DataFolha 47% a 32%; IPEC 44% a 32%; Quaest 45% a 33%; BTG-Pactual 45% a 34%: esses percentuais estão bastante próximos.

Afinal, a militância evangélica do Partido dos Trabalhadores pode narrar o mito da necessidade do padecimento para o alcance da redenção, tão caro aos cristãos. Superada a “caça às bruxas” de 2018, depois de ter se sacrificado em um aprisionamento provado ser injusto, Lula teria sofrido, morrido politicamente e ressuscitado para abrir o caminho para a felicidade terrena aos brasileiros. O capetão usa Deus – e Deus usa Lula!

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Liberalismo versus esquerdismo.

 

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